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Economia

Copo meio cheio ou meio vazio? Especialista explica a situação fiscal do Brasil

Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos, coloca ajuste fiscal em perspectiva

Quão grave é a situação fiscal do Brasil? O assunto praticamente já virou tema de papo de boteco. São muitas as versões que circulam pelas redes sociais, nas mesas do mercado financeiro e até nas conversas de passageiros com motoristas de Uber.

Algumas visões beiram o apocalíptico. Desse lado, estão aquelas difundidas em muitas rodinhas na Faria Lima. No cenário de fim do mundo, o país caminha para o abismo e vai entrar em uma nova década perdida.

No outro extremo, aparece a narrativa apresentada pelo governo. Nela, o país vai de vento em popa e não existe problema em aumentar continuamente os gastos. Isso porque as despesas vão ser tranquilamente compensadas pelo crescimento de arrecadação e pela redução de ineficiências de despesas contratadas.

Um dos críticos mais vocais à postura perdulária do governo tem sido o sócio da SPX, Rogério Xavier. O gestor citou, em um evento recente, haver uma série de gastos parafiscais, ou seja, fora dos cálculos para a meta de resultado primário, que beiram os R$ 100 bilhões ou cerca de 0,86% do PIB.

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Contabilidade criativa

Se for realidade, o número significaria que o rombo verdadeiro nas contas públicas poderia ser até quatro vezes maior do que divulga a contabilidade oficial. Dentro do arcabouço fiscal, o governo se comprometeu a manter as contas públicas neste ano dentro de uma faixa que vai de um déficit de 0,25% do PIB ou R$ 28,8 bilhões a um superávit de 0,25% do PIB, que seria um resultado positivo de R$ 28,8 bilhões.

A conta do resultado fiscal primário considera, basicamente, as receitas menos as despesas, mas sem contabilizar o montante destinado ao pagamento de juros da dívida pública. Será um superávit primário se o resultado for positivo ou um déficit primário, caso o sinal matemático seja o de menos.

Então com um déficit oficial de 0,25% mais os gastos do governo fora do arcabouço, a conta de verdade seria um rombo fiscal de mais de 1,1% do PIB para 2024. Isso se o governo conseguir se manter dentro da meta.

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A visão de Xavier conta com uma torcida fanática, mas está longe de ser consensual. Várias ponderações podem ser feitas sobre as premissas usadas nessas contas. Existe uma outra corrente do mercado que entende que, se o governo costuma exagerar no otimismo, os críticos também parecem estar pesando o dedo nos zeros da calculadora.

Há quem veja um meio-termo. Seriam R$ 33,6 bilhões fora do arcabouço e não R$ 100 bilhões, segundo cálculos feitos pelo economista-chefe da Warren Investimentos e ex-diretor executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Felipe Salto.

O especialista ressaltou “não ser simples” o cálculo do que seria uma despesas parafiscal, ou seja, fora do orçamento geral e que não entra no cálculo do resultado primário. “Não concordo que tenha se elevado o risco de excessos em matéria de efeitos sobre a dívida decorrentes de medidas fora do orçamento.”

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A hora da verdade será em 2025

Uma das despesas frequentemente citadas como exemplo de gasto fora do arcabouço é o programa Pé de Meia, uma renda extra destinada a estudantes da rede pública do ensino médio. Salto, no entanto, acredita haver algum exagero nessa interpretação. “Não há nada de monta relevante até aqui [no Pé de Meia].”

A própria meta de déficit ou superávit para 2024 estaria perto de ser alcançada nas projeções da Warren Investimentos. Um corte ou contingenciamento de R$ 4,5 bilhões em despesas seria suficiente para o governo conseguir se manter no piso da faixa do objetivo de resultado primário neste ano, ou seja, de um déficit de R$ 28,8 bilhões.

Longe de corroborar a tese otimista do governo, Salto ressalta que a prova de fogo vai acontecer em 2025. A casa prevê a necessidade de o governo realizar um corte de R$ 46,6 bilhões para cumprir o piso da meta. Isso levando em conta a exclusão de R$ 44 bilhões em gastos do cálculo do arcabouço.

Nas contas da Warren, o governo vai ter um déficit primário de 0,83% do PIB, ou R$ 104,3 bilhões, em 2025. O valor é mais de 2,5 vezes superior ao déficit previsto no projeto de lei de Diretrizes Orçamentarias para o próximo ano.

A diferença, na visão da Warren, é que o governo soa otimista demais sobre a arrecadação em 2025. Salto explica que o governo parece contar com R$ 67,4 bilhões de receitas líquidas a mais do que vai conseguir, segundo os cálculos da casa de análise.

Endividamento pode flertar com 100% do PIB

No cenário projetado pela Warren para os próximos anos, a dívida bruta em relação ao PIB vai saltar para 94,9% em 2033. O conceito de dívida bruta considera todas as obrigações devidas pelos governos federal, estuais e municipais. Esse indicador fechou 2023 em 74,4% do PIB.

O endividamento médio de países emergentes com a mesma classificação de rating soberano do Brasil, para se ter uma base de comparação, é de 55% do PIB.

O quadro previsto pode virar, claro. “O que se precisa urgentemente é discutir uma reforma orçamentária”, diz Salto. uma solução seria a desvinculação de receitas. Isso significa tirar o carimbo das verbas do orçamento previsto na legislação.

Nos cálculos do Senado, 90% dos gastos do governo são obrigatórios, ou seja, já estão direcionados por lei. O percentual tem subido ano a ano e pode chegar a 93,3% de todo o orçamento em 2028.

Enquanto uma reforma não acontece, o rombo vai continuar a aumentar. O risco é de o copo meio vazio secar de vez.

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