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Economia

A receita da Nova Zelândia para o mundo desarmar a armadilha fiscal de US$ 100 trilhões

A resposta? Um extremo makeover contábil para pressionar os governos por melhores práticas de governança

Recorte de nota de dólar
Montagem sobre nota de dólar

No início da década de 1980, a Nova Zelândia estava à beira do colapso econômico. Dois choques no preço do petróleo haviam sobrecarregado o país com alta inflação, e os entraves de exportação ao Reino Unido – que havia aderido à Comunidade Econômica Europeia uma década antes – haviam cortado o acesso a um importante mercado consumidor.

Sucessivos governos neozelandeses agravaram o sofrimento com uma série de decisões equivocadas: distribuindo subsídios, concedendo acordos salariais inflacionários, controlando os preços na marra, mantendo as taxas de juros muito baixas e os impostos muito altos. O resultado foi um desemprego crescente e dívidas cada vez maiores. Por isso, não é de se admirar que alguns tenham apelidado a Nova Zelândia de “a Albânia do Pacífico Sul”.

No entanto, durante o restante daquela década, a Nova Zelândia se transformou em um dos países mais prósperos do mundo. Um novo governo trabalhista assumiu o poder em 1984 e embarcou em uma forma de terapia de choque que ficou conhecida como “Rogernomics”, em homenagem ao então ministro das Finanças, Roger Douglas.

O governo removeu os controles de câmbio, cortou subsídios, privatizou serviços e entregou a responsabilidade pela definição das taxas de juros a um banco central recém-independente. O principal, no entanto, foi: a Nova Zelândia introduziu uma abordagem contábil diferente ao longo de toda a administração pública.

É impossível separar o impacto exato de cada uma dessas políticas. Mas Ian Ball, ex-funcionário sênior do Tesouro e professor de gestão de finanças públicas, defende que a reforma contábil foi uma das mais importantes. É sabido por todos que a contabilidade é um assunto notoriamente árido, mas a conclusão é importante.

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A principal mudança foi a adoção do modelo que já é aplicado havia anos no setor privado – a chamada “abordagem baseada em accruals“. No lugar de uma visão de fluxos de caixa, como é comum nos governos do mundo todo olhando apenas o momento presente, o governo da Nova Zelândia adotou uma abordagem que traria os gastos futuros a valor presente. Isso forçou os departamentos a pensar a longo prazo e a maximizar o uso eficiente dos ativos.

Em um sistema baseado no dinheiro “aqui e agora”, a dívida só é contabilizada quando a pensão é paga, o que pode ocorrer anos no futuro. O governo tem pouco incentivo para fazer qualquer provisão para isso.

No entanto, com a contabilidade baseada em accruals, o custo do compromisso com a pensão deve ser registrado como um passivo quando o benefício é recebido. Isso levou o governo da Nova Zelândia, em 2001, a criar um superfundo para pagar as pensões futuras. Hoje, esse fundo de riqueza quase soberano é visto com inveja por países que gostariam de ter algo semelhante.

Como o custo passa pelos orçamentos anuais, há um forte incentivo para que os governos aumentem o valor de seus ativos gerenciando-os com eficiência. Em um sistema baseado no dinheiro em caixa não há esse incentivo, o que significa que o investimento de longo prazo é adiado e as gerações futuras são deixadas para pagar a conta quando os prédios caem em desuso e a infraestrutura desmorona. Isso lembra o Brasil?

Uma crise global da dívida

Com exceção dos quatro anos após a crise financeira global e o devastador terremoto de Christchurch em 2011, que causou danos equivalentes a 11% do PIB, o patrimônio líquido cresceu todos os anos até a pandemia.

O que se vê é uma mudança muito significativa. Tivemos duas décadas de déficits antes dessas reformas, mas quando elas entraram em vigor, por volta de 1994, tivemos basicamente uma tendência de fortalecimento do balanço patrimonial e aumento do patrimônio líquido. E ao fortalecer o balanço patrimonial, você também reduz a dívida.

Ian Ball, ex-funcionário sênior do Tesouro da nova zelândia e professor universitário em wellington

A dívida pública dos EUA está próxima de 100% do PIB e a projeção é de que aumente para 122% até 2034. Muitos países da zona do euro estão lutando para controlar dívidas e déficits para cumprir as regras da moeda única.

A situação em muitos países em desenvolvimento é ainda mais grave. Economistas do Fundo Monetário Internacional (FMI) alertaram que a dívida pública global pode ser mais alta do que se sabia anteriormente e estar piorando, e que os países terão de fazer ajustes fiscais muito mais significativos para lidar com o problema.

De acordo com as últimas estimativas do FMI, a dívida pública global ultrapassará US$ 100 trilhões até o final deste ano, o que equivale a cerca de 93% do PIB global.

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Diante desse cenário, os autores argumentam que esta solução poderia melhorar a produtividade do setor público, ajudando a aliviar a pressão sobre os governos sem dinheiro.

A contabilidade baseada em caixa avalia a propriedade com base no que você pagou por ela, menos a depreciação, sem referência ao valor de mercado atual. Porém, sem avaliações atualizadas dos ativos, a tomada de decisões do governo é feita no escuro. Um prédio deve ser reformado ou vendido? Quanto o Estado deve cobrar por seus serviços?

Uma rede rodoviária, por exemplo, é um ativo público valioso. Mas, em um sistema baseado em dinheiro, não há incentivo para gerar dinheiro a partir dele, seja por meio de pedágios, preços de estradas ou algum outro mecanismo.

Desse aprendizado, o que pode ser aplicado no Brasil?

Muitas das reformas da Nova Zelândia na década de 1980 seguiram uma tendência intelectual mais ampla. Como o tamanho dos Estados modernos cresceu em meados do século XX e suas atividades se tornaram mais complexas, ficou claro que eles precisavam de uma gestão mais profissional.

A escola da Nova Gestão Pública, que emergiu da academia e dos think tanks, principalmente nos países anglófonos, defendeu a adoção de abordagens comerciais focadas no cliente para instituições de serviço público semelhantes às usadas no setor privado. A contabilidade de accrual era vista como fundamental para isso.

Mas, segundo os especialistas, a preparação das contas com base em accruals é apenas uma etapa. As contas também precisam ser usadas como base para a tomada de decisões, caso contrário, não terão impacto.

Isso pode explicar por que nenhum país ainda adotou totalmente o modelo da Nova Zelândia. Para os políticos, a contabilidade transparente traz consigo uma maior responsabilidade, já que as pressões da dívida de longo prazo tornam-se impossíveis de esconder e as compensações mais difíceis de serem evitadas.

Para os funcionários públicos, uma mudança nos sistemas contábeis significa transtornos e o risco de que as habilidades que atualmente são altamente valorizadas se tornem obsoletas. Um orçamento nacional baseado em accruals seria uma ferramenta valiosa para um governo honesto e transparente. Mas qual político corajoso quer fazer isso?

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