A União Europeia imporá tarifas mais altas sobre os veículos elétricos da China, aumentando as tensões comerciais entre as principais potências exportadoras do mundo. Em alguns casos, as taxas podem chegar a 45% do valor do carro.
As novas taxas serão publicadas nesta quarta-feira (30) e devem entrar em vigor até o fim desta semana, após meses de negociações, ameaças de retaliação chinesa e apelos do setor automotivo para evitar uma escalada.
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As tarifas europeias para veículos elétricos são um revés para os produtores chineses, que já estão efetivamente excluídos de um enorme mercado potencial nos Estados Unidos. Neste ano, os americanos quadruplicaram suas tarifas para mais de 100%, citando “amplos” subsídios governamentais e exportações que aumentaram 70% no ano passado.
Os impostos da UE variam de acordo com o fabricante e vão de cerca de 8% a pouco mais de 35%, além da taxa existente de 10%.
A última onda de tarifas do Ocidente ocorre em meio a temores de que a China esteja prestes a dominar o mercado automotivo global às custas dos rivais americanos e europeus. Desde a introdução de uma nova tecnologia de bateria em 2020, a BYD — a principal marca chinesa de veículos elétricos — deixou de ser um dos muitos produtores em um mercado doméstico lotado para se tornar uma das 10 maiores montadoras do mundo.
Ainda assim, as principais montadoras europeias, Mercedes-Benz e BMW, fizeram lobby contra as tarifas, preocupadas com a possibilidade de a disputa prejudicar suas vendas na China em um momento em que já enfrentam dificuldades. No início da semana, o principal líder sindical da Volkswagen disse que a maior montadora da Europa planeja fechar pelo menos três fábricas na Alemanha.
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A UE e seu segundo parceiro comercial de bens continuarão as discussões com o objetivo de buscar soluções alternativas, mesmo depois que as tarifas entrarem em vigor, mas até o momento essas conversas não conseguiram produzir um avanço. O impasse aumenta o risco de uma escalada de confrontos em uma relação comercial avaliada em 739 bilhões de euros (R$ 4,59 trilhões) em comércio bilateral de mercadorias em 2023.
Os negociadores de Pequim e Bruxelas têm explorado a possibilidade de se chegar a um acordo sobre os chamados compromissos de preços, um mecanismo complexo de controle de preços e volumes de exportação usado para evitar tarifas que a UE justificou como medidas destinadas a combater os subsídios industriais chineses.
Pessoas familiarizadas com as discussões disseram que Pequim ainda não apresentou propostas que atendam às rigorosas exigências da UE, incluindo o alinhamento com as regras da Organização Mundial do Comércio e a equiparação do efeito das tarifas. O bloco de 27 nações também quer garantir que a UE possa monitorar o cumprimento dos acordos.
Pequim parece estar preocupada principalmente em tentar garantir um acordo melhor para a SAIC Motor, a fabricante estatal atingida pela taxa mais alta, de acordo com as pessoas, que falaram sob condição de anonimato.
A UE está de olho em acordos individuais de preços com algumas montadoras, incluindo aquelas que pretendem transferir a produção de alguns modelos para a Europa em um futuro próximo. Com esses acordos, as tarifas seriam suspensas para os modelos cobertos pelos acordos alternativos.
Pequim acusou a UE de táticas de “dividir para conquistar” e advertiu os fabricantes a não buscarem tais acordos, pois quer que todos estejam sob um acordo geral como parte das negociações que estão sendo conduzidas por um órgão comercial chinês. A UE afirmou que acordos individuais são possíveis de acordo com as regras da OMC.
A China também ameaçou congelar os investimentos nos estados membros que apoiaram as tarifas e retaliar com suas próprias penalidades sobre os produtos europeus, incluindo laticínios, carne suína e conhaque, bem como carros com motores grandes. A China lançou uma investigação antidumping sobre a carne suína europeia em junho, embora ainda não tenha sido concluída.
A UE afirmou que defenderá seus interesses contra qualquer investigação imprópria e já levou a China à OMC por causa de sua investigação antissubsídios contra o setor de laticínios europeu.
As autoridades europeias disseram que esperam que a retaliação da China se concretize no próximo mês e que os estados-membros, por sua vez, continuarão pressionando a UE para concluir um acordo quando isso acontecer.
A China reduziu as taxas tarifárias sobre veículos com motores grandes para 15% em 2018 e agora está alertando que pode aumentá-las para até 25%.
Até o momento, a resposta da China tem sido, em sua maior parte, dentro dos limites habituais das disputas comerciais. Uma preocupação maior seria se ela fosse além disso, por exemplo, restringindo as exportações de matérias-primas. Em uma disputa territorial com o Japão, há mais de uma década, a China bloqueou temporariamente as exportações de terras raras e, mais recentemente, impôs controles de exportação sobre vários outros minerais essenciais.
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Embora as autoridades chinesas tenham falado pouco publicamente sobre o progresso das negociações, elas começaram a implementar medidas retaliatórias e, por meio de representantes na mídia e em associações comerciais, falaram sobre as negociações e sugeriram possíveis medidas futuras caso a UE imponha tarifas.
As montadoras chinesas foram pressionadas por Pequim a interromper os planos de expansão na UE por causa da disputa comercial, informou a Bloomberg na semana passada, citando pessoas familiarizadas com o assunto. Essa ameaça foi repetida em um artigo recente de uma conta de mídia social vinculada à mídia estatal, que tem sido usada como um canal para mensagens sobre a disputa com a UE.
“Quando o lado europeu implementar medidas discriminatórias, as empresas chinesas perderão completamente a motivação para desenvolver a cooperação técnica com as empresas europeias na China”, diz o artigo.
‘Consequências’
Para enfatizar essa mensagem, a Câmara de Comércio da China para a UE enviou por e-mail um resumo do artigo aos jornalistas, chamando-o de “de relevância significativa para as discussões em andamento sobre veículos elétricos”.
O artigo também atacou a UE por tentar negociar com montadoras individuais e também coletivamente. “Se o lado europeu insistir em obstruir o processo de negociação, ele precisa reconhecer as consequências”, disse o artigo.
Ainda assim, tanto Bruxelas quanto Pequim talvez precisem em breve desviar parte de sua atenção para o outro lado do Atlântico. A eleição dos EUA na próxima semana pode levar Donald Trump de volta à Casa Branca, juntamente com suas promessas de atingir a UE e a China com novas tarifas.
É possível que as autoridades de Pequim optem por não reagir imediatamente às novas tarifas da UE enquanto aguardam os resultados das eleições nos EUA, de acordo com Henry Gao, professor de Direito da Universidade de Administração de Singapura que pesquisa comércio e as políticas chinesas.
“As únicas pessoas mais preocupadas com as eleições nos Estados Unidos do que os americanos são os chineses”, disse Gao. “Todos em Pequim estão atentos às eleições nos EUA agora.”
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