O boom no setor agrícola no Brasil desencadeou uma corrida de investimentos e atraiu pessoas de todas as camadas da sociedade nos últimos três anos, acumulando R$ 35 bilhões no mercado de fundos de agronegócio. Mas as condições hoje mudaram.
Com safras recorde ao redor do mundo fazendo os preços despencarem, além de agricultores brasileiros pedindo recuperação judicial em taxas alarmantes, o investidor varejista está pagando o preço.
As perdas servem de lição sobre os riscos de mercado para investidores que têm sido bombardeados com mensagens na televisão nacional promovendo a agricultura como algo moderno e legal, e até mesmo músicas que celebram o sucesso do setor. Muitos investiram dinheiro em novos instrumentos criados para financiar o agronegócio, atraídos pela promessa de altos retornos.
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Agora, executivos da indústria estão preocupados que a nova fonte de receita possa secar em breve, e as autoridades estão diante do dilema de como manter o crédito acessível aos agricultores sem prejudicar os investimentos.
“Um problema que estava contido dentro da indústria extrapolou para o investidor não profissional, para o investidor que faz seu investimento, suas economias, sua aposentadoria”, disse Fabiana Alves, diretora executiva do Rabobank no Brasil, em entrevista na Bloomberg New Economy no B20, em São Paulo, no último mês.
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A origem: Faria Lima e os Fiagros
Tudo começou quando financistas em Faria Lima, conhecido como a Wall Street do Brasil, encontraram uma maneira inovadora de financiar a gigantesca expansão agrícola do país. Eles criaram os chamados Fiagros, fundos de investimento apoiados por recebíveis agrícolas, como juros, dividendos e pagamentos de arrendamento de terra.
Isso representou uma mudança em relação ao passado, quando o setor era financiado principalmente pelo Estado. Os agricultores tinham acesso a linhas de crédito subsidiadas oferecidas pelo governo, mas isso não era suficiente para alimentar uma indústria responsável por quase um quarto da economia nacional.
O mercado logo se expandiu para profissionais como o Rabobank e, nos últimos três anos, foi aberto para investidores varejistas.
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“Estamos gradualmente libertando o Tesouro”, disse o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro. A expansão de novos mecanismos como os Fiagros permite que o governo se concentre em financiar pequenos agricultores em vez de ter que apoiar grandes produtores também, acrescentou ele.
A agricultura já é extremamente popular no Brasil, com uma pesquisa recente do grupo de marketing ABMRA mostrando que cerca de 68% das pessoas no país admiram negócios na agricultura. Novelas e músicas elogiam a vida no campo. Isso atraiu alguns herdeiros da Geração Z a assumir empresas de agronegócio e facilitou que bancos de investimento e corretoras vendessem notas e fundos agrícolas para investidores comuns.
Ainda assim, a agricultura é um negócio de risco, já que o sucesso dos agricultores depende do clima e dos preços voláteis das commodities.
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Pedidos de recuperação judicial
Os recentes problemas surgiram após anos de expansão financiada por dívidas na potência agrícola, seguidos por uma queda nos preços das principais culturas e um aumento nos custos de empréstimos. A quantidade de agricultores brasileiros que pediram recuperação judicial no segundo trimestre de 2024 chegou a 215, o maior número em pelo menos 18 meses e mais que o dobro do mesmo período de 2023, de acordo com dados de crédito da Serasa Experian.
Uma onda de pedidos de falência pode “assustar” os investidores se eles sentirem que não há garantias suficientes, disse o ministro.
Uma grande preocupação é que juízes no Brasil têm recentemente protegido as terras dos produtores de culturas da apreensão pelos credores. Como os recebíveis do agronegócio são frequentemente garantidos por imóveis e outros ativos, tais decisões significam que os credores enfrentam a perspectiva de lutas legais custosas e prolongadas para tomar posse da garantia.
Um risco adicional é que a maioria dos emissores de recebíveis que apoiam os investimentos em Fiagros não têm classificação de crédito e não fornecem nenhuma informação pública aos investidores.
Alves disse que, embora o Rabobank tenha uma carteira de crédito de mais de R$ 50 bilhões em negócios agrícolas no Brasil, a empresa não foi afetada pela crise mais recente. Isso porque o banco foca nos maiores agricultores, e as falências afetaram produtores menores.
Mas os investidores individuais podem estar mais expostos.
“Analisar a agricultura em seus vários aspectos requer expertise que nem todo operador financeiro tem”, disse Alves. “Você não pode vender isso para um investidor médio como venderia um CDB”, disse ela, referindo-se aos certificados bancários de baixo risco do Brasil.
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