A banana custou US$ 6,2 milhões (R$ 35 milhões). E demorou apenas alguns segundos para ser consumida.

A fruta fazia parte da instalação “Comedian”, do artista italiano Maurizio Catellan, que consistia, basicamente, da tal banana presa por uma fita adesiva na parede.

O empresário chinês do setor de criptomoedas Justin Sun, de 36 anos, arrematou a peça de arte em um concorrido leilão da Sotheby’s, de Nova York, em novembro do ano passado. E chocou o mundo ao fazer questão de devorar a fruta durante uma coletiva.

“É muito melhor do que outras bananas”, comentou logo após desfrutá-la. O próprio Sun justificou o ato: “Comê-la em uma coletiva de imprensa também pode se tornar parte da história dessa obra de arte”.

Polêmicas à parte, o episódio ilustra algumas das principais características do mercado de arte: a busca pela exclusividade, pelo prestígio e pela percepção de algo único. Quanto vale o privilégio de fazer parte da história de uma obra famosa? No caso do colecionador chinês, vários milhões.

“Quem compra arte, em geral, segue uma paixão pessoal e quer construir sua marca numa coleção”, diz o chefe de planejamento patrimonial no Brasil do UBS Global Wealth Management, Yuri Freitas.

Como em diversos casos existe a tendência de valorização, muitas coleções são vistas como ativos financeiros. “Não gostamos de falar de arte como um ativo de investimento, mas existem colecionadores que veem dessa forma.”

As novas gerações transformam o mercado

O mercado de arte atual reflete, em boa medida, o interesse das novas gerações. Freitas, do UBS, explica que as famílias mais abastadas costumam alimentar essa inspiração nos jovens desde cedo. “Nas famílias que atendemos no segmento Private, os filhos nascem e crescem em um ambiente de exposições, museus, eventos e discussões com artistas. Hoje vemos as novas gerações desenvolvendo interesses próprios e, com isso, as coleções das famílias começam a evoluir.”

Essa renovação tende a movimentar o mercado global de arte na próxima década. Isso em meio a um dos maiores movimentos de transferência de riqueza da história. “Serão cerca de US$ 83 trilhões passados aos herdeiros em todo o mundo, incluindo o Brasil, nas próximas duas décadas”, diz o especialista do UBS.”E o grande motor do mercado de arte será, justamente, essa transferência entre gerações.”

É que a mudança de mão da riqueza global tem um efeito duplo.

Por um lado, “injeta liquidez” nos consumidores mais jovens. E eles têm a tendência de consumir artistas contemporâneos – que estão vivos e produzindo. 

Por outro, muitos herdeiros, ao receber as coleções da família, também querem modernizar o acervo. Então buscam negociar peças fora do seu gosto pessoal e procuram por novas obras. O mercado pega fogo (como veremos mais adiante).

Outro fator que ajuda a movimentar o mercado está na digitalização das casas de leilão. Com mais eventos online, o acesso aos leilões ficou muito mais simples e passou a atrair um público maior, uma vez que os interessados não precisam mais se deslocar até as capitais para participar pessoalmente dos certames.

Uma pesquisa da Associação Brasileira de Arte Contemporânea (Abact), em parceria com a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil), mostra que as plataformas online de negociação de arte cresceram de 8% de participação no mercado em 2019 para mais de 20% em 2023.

Investir na paixão ou paixão por investir?

Apesar de a maioria dos compradores usar mais o coração do que a calculadora na hora de adquirir uma peça, a comparação com o mercado financeiro acaba sendo inevitável. Com experiência de mais de 40 anos no setor, Aloísio Cravo, fundador da casa de leilões que leva seu nome, explica que, de certa forma, investir em arte se assemelha ao chamado capital de risco, ou seja, aquele voltado a adquirir participações de empresas de olho na valorização futura.

Nessa analogia, artistas iniciantes são como as startups: alguns podem ter grande potencial, mas não necessariamente “vingar”. É possível adquirir obras por preços baixos, que podem ganhar muito valor na medida em que o autor se torne mais conhecido. Mas o risco também é elevado.

Há também nomes com carreiras já consolidadas, mas ainda acessíveis. “São os artistas considerados de médio risco.” E existe o segmento “premium”, o private equity da arte, de profissionais renomados, que já se tornaram grifes e contam com mercado cativo e liquidez garantida, como Beatriz Milhazes, Vik Muniz e Adriana Varejão.

Cravo explica ainda que as galerias e os leilões desempenham papéis distintos nesse ecossistema. Os espaços de exposição podem ser vistos como o mercado primário, ou seja, que lançam novos nomes ou obras inéditas de artistas de sua rede.

Na outra ponta, os leilões são o mercado secundário, onde são negociadas obras de coleções. Aloísio Cravo conta que os leilões estabelecem as principais referências de preços no mercado. Se um artista sai dos cinco para os seis ou até sete dígitos de valor, esse movimento ocorre a partir das disputas entre os compradores nas plataformas de intermediação.

O especialista cita o pintor, desenhista e escultor cearense Leonílson como um exemplo de nome que viveu esse movimento recentemente, ou seja, saiu do estágio “venture capital” para o do private equity no mercado artístico. “Recomendei a um cliente comprar os quadros do Leonílson. Tinha um grande potencial de valorização. Na época, leiloamos por cerca de R$ 50 mil. Agora, dez anos depois, as obras já valem R$ 1,5 milhão.”

Crescimento de 21% em um ano

O mercado brasileiro exibe ainda outra semelhança com o mundo dos investimentos. Na arte, como nos produtos financeiros, aqui há uma concentração de negócios em torno dos ativos domésticos. A aquisição de obras nacionais alcança 77% do setor, segundo a pesquisa da Abact e da Apex Brasil.

O levantamento concluído em dezembro de 2024 e divulgado em fevereiro deste ano mostra que, em 2023, o mercado brasileiro de arte movimentou R$ 2,9 bilhões. Houve um crescimento de 21% comparado a 2022. O valor médio das obras adquiridas no período foi de R$ 50 mil, uma cifra elevada, mas ainda assim acessível aos não milionários.

Como o mercado interno é bem consolidado, tem até jeito de comprar obras do primeiríssimo escalão sem ter de desembolsar milhões. O leiloeiro conta que desenhos em papel de Di Cavalcanti e Lasar Segall, por exemplo, podem ser encontrados por valores entre R$ 60 mil e R$ 90 mil. E quadros menores de Volpi são comercializados por R$ 800 mil, bem abaixo dos grandes painéis, que podem chegar a R$ 10 milhões.

Os colecionadores peso pesado

A busca pelo prestígio também representa outro traço marcante desse mercado. E, em geral, figura como principal motivação para as cifras extravagantes que alguns negócios podem alcançar. Isso fica evidente no episódio da pintura mais cara já vendida, a tela “Salvator Mundi”, atribuída a Leonardo da Vinci, e conhecida como “a Mona Lisa masculina”. A obra foi leiloada em 2017 por US$ 450,3 milhões (R$ 2,6 bilhões).

O valor equivale a quatro vezes o prêmio da Megasena da Virada do ano passado. Em busca do exclusivo, muitos colecionadores não poupam esforços. Foi o caso do príncipe saudita Mohammad Bin Salman, que arrematou a “Salvator Mundi”, elevando exponencialmente a relevância de sua coleção pessoal.

Salvator Mundi, de Leonardo da Vinci
Salvator Mundi, de Leonardo da Vinci

Não faltam colecionadores de peso no Brasil também. O casal de empresários Ivani e Jorge Yunes, por exemplo, juntou mais de 90 mil peças ao longo de cinco décadas. Construíram um dos mais famosos e importantes acervos particulares do país, com obras desde o século 4 a.C. até produções dos anos 1970. Após o falecimento do marido, gerir a coleção se tornou obra da matriarca e de sua filha Beatriz.

Outro colecionador reconhecido é o presidente do banco J. Safra, José Olympio Pereira. Em paralelo à carreira no mercado financeiro, o banqueiro exerceu várias funções no setor artístico. Foi presidente da Fundação Bienal de São Paulo, além de membro dos conselhos consultivos da Pinacoteca do Estado de São Paulo e do Museu de Arte de São Paulo (Masp). Sua coleção particular conta com mais de 2 mil obras e reúne, principalmente, a produção brasileira desde os anos 1950.

Ainda que a maioria dos colecionadores prefira ver a arte como uma paixão, não se trata de um dinheiro a fundo perdido. Muitas obras, com vimos, podem gerar mais ganhos do que qualquer tipo de investimento. Até mesmo o milionário chinês que comprou a “Comedian” pode revender a instalação, se quiser, mesmo tendo consumido a banana. Isso porque o colecionador adquiriu, na verdade, o direito de exibir a obra, atestado pelo artista que a criou – e um guia de como substituir a fruta sempre que precisar. Ou estiver com fome.