Até o fim do ano passado, Joesley Batista era mais lembrado do que ouvido. Longe das entrevistas, ausente de eventos e distante das redes sociais, o empresário passou os últimos anos sem grande exposição — uma escolha estratégica, talvez inevitável, para quem já esteve no centro de uma das maiores crises empresariais da história recente do país.
Em 2025, o empresário decidiu virar a chave. Aos poucos, Joesley voltou a dar as caras para o grande público. Ele ressurgiu nas redes sociais diretamente da Suíça, quando, em meados de janeiro, participou do Fórum Econômico Mundial de Davos – lá, também deu entrevistas para a CNN Brasil e o Canal Rural, uma de suas empresas. Nas redes, tanto no Instagram quanto no LinkedIn, é possível vê-lo comemorando lucros de empresas de sua holding J&F ou publicando textos que explicam a cultura interna do grupo.
O próprio Joesley comentou, em vídeo, por que decidiu se comunicar com o público. “As pessoas comentam, uns falam bem, outros falam mal, mas é interessante pra gente ver como as pessoas pensam”, disse, em tom reflexivo. “As pessoas do lado de fora vão formando ideias meio equivocadas, pensam às vezes que a gente não trabalha. Mas estão acompanhando e começam a perceber que a vida é feita de trabalho. Tenho achado bem interessante essa experiência.”
A submersão de Joesley remonta ao dia 17 de maio de 2017, quando o mercado de capitais entrou em colapso com a notícia de que ele e seu irmão, Wesley Batista, estavam firmando um acordo de delação premiada que envolveria denúncias contra o então presidente Michel Temer. O vazamento da informação derrubou a Bolsa brasileira, acionando o circuit breaker no pregão que ficou conhecido como “Joesley Day”. Os irmãos Batista chegaram a ser presos naquele mesmo ano.
O episódio, claro, tirou os irmãos Batista de cena. Mas isso começou a mudar recentemente, de forma gradual. Em outubro de 2023, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) absolveu os dois das acusações de manipulação de mercado ainda ligadas à crise de 2017, o que abriu caminho para que Joesley retornasse ao dia a dia das empresas — em especial da jóia da coroa do grupo, a JBS. Em março de 2024, os irmãos foram reconduzidos ao conselho da companhia.
Nessa versão mais comunicativa, Joesley faz postagens que evitam temas espinhosos e focam na rotina empresarial da J&F. Em um vídeo recente, aparece ao lado de um funcionário listando uma a uma das mais de 50 marcas do portfólio da holding. Sem precisar dizer nada, lembrou que ainda comanda uma das maiores empresas do mundo — para isso, bastou contar até 55.
Uma pessoa próxima ao empresário afirmou ao InvestNews que a decisão de voltar às redes sociais ocorreu após a constatação de que o grupo estava defasado em sua comunicação direta com o público. A ideia de o empresário falar mais com as pessoas tem como objetivo ajudar nos negócios da J&F. Ainda segundo a fonte, Joesley sabe que é uma figura controversa, mas lembra também que isso nunca o impediu de fazer nada.
Joesley já reúne quase 75 mil seguidores no Instagram e mais de 7 mil no LinkedIn — o que, segundo a classificação do marketing digital, o credencia como um influenciador de porte médio. A maior parte das postagens é produzida por sua equipe de comunicação, com estética cuidada e linguagem corporativa.
“No nosso instituto, nós temos um lema: conhecimento, trabalho, prosperidade e felicidade. Essa é a construção do pensamento do objetivo maior da vida: ser feliz. Evidentemente você tem que prosperar da forma certa para ser feliz”, disse Joesley, em outra postagem.
De vez em quando, ele se arrisca em vídeos no estilo selfie. Há também momentos de interação com outros empresários. Em fevereiro, posou sorridente ao lado de Luiza Trajano, do Magazine Luiza — uma imagem que, embora aparentemente casual, ajuda a consolidar o novo enquadramento: o de um executivo reinserido no circuito.
Longe das redes, ativo nos negócios
Enquanto Joesley e Wesley Batista mantinham um perfil discreto nos últimos anos, o grupo J&F seguiu em plena expansão — inclusive para além do setor de alimentos.
A Âmbar Energia, por exemplo, consolidou-se como um dos principais players do setor elétrico ao adquirir 12 usinas termelétricas da Eletrobras por R$ 4,7 bilhões no ano passado. Também participou de uma intrincada negociação para assumir o controle da distribuidora Amazonas Energia.
No setor de mineração, a J&F Mineração, hoje rebatizada como LHG Mining, investiu US$ 1,2 bilhão em ativos de minério e manganês da Vale em Mato Grosso do Sul. Já a entrada no setor de óleo e gás foi marcada pela compra da Fluxus, uma petroleira independente com ativos na Argentina — um movimento que sinaliza a intenção da holding de ampliar sua presença na América Latina.
Fora dos holofotes, a J&F também esteve no centro da maior disputa societária da história recente do país. Desde 2018, trava uma batalha judicial e arbitral com a indonésia Paper Excellence pela venda da Eldorado Brasil Celulose, em um negócio avaliado em R$ 15 bilhões.
A J&F chegou a celebrar um acordo plea venda da companhia de celulose para o grupo indonésio, mas contestou o cumprimento de algumas cláusulas e pede cancelamento do acordo — na arbitragem, a Paper saiu vitoriosa, mas o caso agora é discutido nos tribunais. O imbróglio envolve acusações de espionagem, debate sobre terras brasileiras em mãos estrangeiras e segue sem solução definitiva.
Por sua vez, a JBS comprou neste ano 50% da Mantiqueira Alimentos, maior produtora de ovos da América do Sul, marcando sua entrada no setor avícola e reforçando a estratégia de diversificação em proteínas.
Também fechou acordo com o BNDES para avançar na tão desejada dupla listagem da companhia na Bolsa de Nova York — uma aposta do grupo para destravar valor e atrair investidores internacionais. Em 2024, a JBS registrou R$ 9,6 bilhões de lucro líquido.
Sem impedimentos
Em termos legais, o passado parece superado para Joesley e Wesley Batista. A prisão domiciliar de dez meses imposta à dupla, parte de novo acordo de delação firmado em 2020, foi cumprida. As sanções da CVM foram arquivadas. Hoje, os irmãos não respondem a processos criminais ou administrativos relativos ao “Joesley Day”. Estão, juridicamente, livres.
Para quem acompanha de perto o circuito de eventos empresariais e políticos, o retorno de Joesley também tem nuances que não aparecem nas redes. Em encontros mais reservados, como os promovidos pelo grupo Esfera Brasil, o empresário tem marcado presença. Em um deles, em tom informal — quase de desabafo — se apresentou como um “operário do Brasil”.
A frase, dita fora do microfone, ajuda a entender não apenas o personagem, mas a visão que Joesley tem de si mesmo: a de um empresário que construiu uma potência global e que, em vez de ser exaltado, foi perseguido. Para pessoas próximas, ele costuma dizer que, se a JBS tivesse nascido em outro país, sua história empresarial teria sido mais valorizada.
A reaproximação não envolve apenas o empresariado. Joesley também voltou a circular no meio político. Em abril do ano passado, ele e Wesley participaram de uma solenidade com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em uma das fábricas da JBS em Mato Grosso do Sul.
“[Joesley e Wesley são] responsáveis por essa empresa se transformar na maior produtora de proteína animal do mundo. E isso, para mim, é motivo de orgulho”, disse o presidente Lula na ocasião. “Fico sempre muito orgulhoso quando alguém consegue vencer na vida, em qualquer que seja a sua atividade.”
Comeback
Com uma fortuna estimada em US$ 3,9 bilhões, segundo o último ranking da Forbes, e à frente de um grupo com alcance global, Joesley não precisa de microfone. Mas decidiu voltar a usá-lo. E, sem dúvida, será ouvido — porque, nos bastidores do poder e da economia, ele nunca deixou de ser.
Além da J&F, Joesley ainda move os ponteiros de muitos negócios no Brasil e no mundo. A imagem pode ter passado por quarentena. A influência, nunca.
Procurada, a J&F não comentou até a publicação do texto.
(Colaborou Lucinda Pinto)