A Localiza atravessa um dos períodos mais intensos desde que abriu o capital na bolsa. Depois de mais de uma década marcada por consistência e execução exemplar, a empresa viveu uma correção profunda: do fim de 2022 até março de 2025, as ações caíram quase 60%.

Foi um choque de confiança — especialmente para um mercado que via a Localiza como um ativo quase imune aos ciclos econômicos. A dúvida que surgiu não era sobre a solidez da companhia, mas sobre a resiliência do seu modelo de negócio em um ambiente de juros altos, crédito escasso e veículos mais caros.

Nos últimos trimestres, porém, a empresa começou a mostrar sinais concretos de recuperação. O lucro voltou a crescer, as margens se recompuseram e o mercado já enxerga os primeiros indícios de um novo ciclo. Mas para entender essa virada, é preciso olhar para a raiz do problema: a depreciação da frota — a perda de valor dos veículos com o tempo.

Durante anos, essa linha era previsível e controlada, representando de 4% a 5% da receita. A partir de 2022, porém, ela disparou, chegando a 15% no auge de 2024. Em 2025 começou a ceder, mas ainda permanece acima do nível histórico.

Cinco fatores explicam essa distorção:

  1. Descontos menores das montadoras. Durante a pandemia, as fabricantes priorizaram o varejo, onde as margens são maiores, reduzindo o espaço para negociações com frotistas. Com a produção voltando ao normal, esses descontos começaram a retornar.
  2. Frota mais envelhecida. A Localiza reteve carros por mais tempo diante do mercado de usados enfraquecido — o que elevou a perda de valor.
  3. Mudança no canal de vendas. Cresceu a fatia de revendas no atacado, onde as margens são menores. O plano agora é reequilibrar o mix com mais vendas no varejo.
  4. Alta dos preços de carros novos. O encarecimento dos veículos novos afetou diretamente o valor dos usados.
  5. Escala da operação. Com uma frota superior a 600 mil veículos, qualquer variação mínima no preço unitário tem efeito bilionário sobre o resultado.

Mesmo nesse ambiente, o segundo trimestre de 2025 mostrou uma recuperação consistente. O lucro ajustado chegou a R$ 768 milhões, alta de quase 30% em relação ao mesmo período do ano anterior.
O resultado operacional somou R$ 3,3 bilhões, um avanço de mais de 40%. O destaque veio do aluguel de curto prazo, com margem de 67%, reflexo de tarifas equilibradas, ocupação elevada e menor gasto com manutenção.

O único ponto de fraqueza veio da divisão de seminovos, que desacelerou no fim do trimestre após o decreto do IPI Sustentável — programa do governo que reduz o imposto sobre carros novos conforme critérios de eficiência. A medida barateou os novos e derrubou o valor dos usados, exigindo um ajuste contábil (impairment) estimado entre R$ 800 milhões e R$ 1 bilhão no terceiro trimestre.

Esse impacto, no entanto, não afeta o caixa e tende a ser temporário, já que os carros novos serão comprados a preços mais baixos.

Além do efeito do IPI, um novo fator global voltou ao radar: a crise dos chips. O governo da Holanda interveio na fabricante chinesa Nexperia, e a China respondeu restringindo exportações de semicondutores.

O temor é de escassez de peças que poderia reduzir a produção de veículos e, indiretamente, os descontos concedidos à Localiza. Apesar do ruído, analistas avaliam que o impacto seria limitado e distante do colapso vivido em 2021.

Mas o ponto central para o futuro da companhia continua sendo o custo do dinheiro. A Localiza é uma das empresas mais sensíveis à taxa Selic na Bolsa brasileira. Cada corte de juros reduz o custo de\ financiamento da frota, melhora o valor de revenda e impulsiona o crédito.

Metade da dívida da empresa está travada em taxa fixa, mas as novas emissões já saem a CDI +1%, refletindo o alívio monetário recente. Os bancos já projetam que as despesas financeiras podem cair de 12% para 7% da receita até 2026 — um movimento que amplia o lucro e melhora o retorno sobre o capital investido.

Na prática, a tese volta ao básico: execução, eficiência e juros em queda. O BTG descreve o momento como uma fase de “reconstrução de margens”. O Bradesco BBI vê melhora gradual e mantém visão positiva.

O Itaú BBA segue otimista, mas com cautela diante dos ajustes contábeis e da volatilidade no mercado de usados.

Os próximos capítulos dependem de cinco variáveis-chave: a estabilização dos preços de seminovos, o ritmo de renovação da frota, tarifas de aluguel sustentáveis, redução real do custo da dívida e ausência de novos ajustes relevantes.

Se essas engrenagens se alinharem, a Localiza pode sair desse ciclo mais eficiente, rentável e preparada para um novo período de expansão. Depois de uma das maiores correções da sua história, a companhia começa a reconstruir a confiança do mercado com resultados concretos — reafirmando o que sempre foi seu maior diferencial: a capacidade de se adaptar, resistir e voltar a crescer.