Cartagena (COL)* – A Ternium decidiu colocar dinheiro em um cenário em que poucas multinacionais colocariam. A companhia, controlada pelo grupo ítalo-argentino Techint, vai desembolsar cerca de US$ 315 milhões (R$ 1,7 bilhão) para comprar a fatia da japonesa Nippon Steel na Usiminas — operação que, quando aprovada pelo Cade, lhe dará mais de 70% das ações com direito a voto na siderúrgica mineira.

O valor é expressivo para um setor que atravessa um de seus períodos mais duros em anos, sufocado pelo avanço do aço chinês e pela queda de preços no mercado brasileiro. Mesmo assim, o CEO da Ternium, Máximo Vedoya, insiste que o movimento é parte de uma aposta de longo prazo. 

“O mundo está entendendo agora o que nós dizíamos há 20 anos: sem indústria, não há desenvolvimento”, afirmou em conversa com jornalistas.

Segundo ele, os investimentos que a Ternium vem realizando na região — da expansão do complexo de Pesquería, no México (US$ 2,2 bilhões), às melhorias operacionais na Usiminas e em plantas na Argentina — representam “um gesto de confiança na reindustrialização da América Latina”.

Vedoya, que assumirá o comando da Alacero (associação das siderúrgicas latino-americanas) em 2026, afirma que o objetivo da empresa é fortalecer a cadeia produtiva regional e reduzir a dependência da China.

“Em todos os mercados onde atuamos, procuramos fortalecer a cadeia de valor local. Já substituímos diversos fornecedores chineses por produtores da região. Queremos gerar emprego e valor onde estamos”, disse.

O executivo defende que o problema do aço latino-americano não é de custo ou qualidade, mas de competição desigual. “A indústria siderúrgica latino-americana é competitiva. Investimos bilhões em tecnologia e eficiência. O problema não é de custo ou qualidade — é competir com quem não joga sob as mesmas regras.”

A Ternium controla 18 plantas industriais em nove países e capacidade instalada para produzir cerca de 20 milhões de toneladas por ano, consolidando-se como o maior grupo siderúrgico da América Latina.

Cautela

Na Usiminas, o discurso é mais cauteloso. O CEO, Marcelo Chara, evita falar em novos projetos e repete que o foco é preservar a competitividade da operação num ambiente de margens comprimidas. 

A siderúrgica mineira mantém apenas os investimentos já aprovados — como a nova coqueria, unidade que transforma carvão em coque para alimentar os altos-fornos, em Ipatinga (R$ 1,7 bilhão), e o sistema de injeção de carvão pulverizado, tecnologia que reduz o consumo de coque e melhora a eficiência energética (R$ 600 milhões) —, mas não há planos de novos aportes enquanto o mercado seguir distorcido pelo aço chinês.

“Estamos vendo o equivalente a três usinas entrando no país via importações, com preços que nenhum produtor local consegue acompanhar”, disse Chara, em referência às 12 milhões de toneladas de aço estrangeiro que devem chegar ao Brasil neste ano.

Embora a Usiminas mantenha em curso os investimentos aprovados, já sinalizou que poderá revisar para baixo o capex projetado se não houver reação do mercado e das autoridades à concorrência das importações. Conforme explicou Chara, ‘sem previsibilidade, não há como garantir novos aportes’.

Marcelo Chara, CEO da Usiminas
Marcelo Chara, CEO da Usiminas (Divulgação)

Em seu balanço mais recente, a Usiminas registrou receita líquida de R$ 6,6 bilhões e resultado operacional (Ebitda) ajustado de R$ 434 milhões, com margem de 7%. O trimestre foi marcado por um prejuízo contábil de R$ 3,5 bilhões, decorrente de um impairment de R$ 2,2 bilhões — uma reavaliação para baixo do valor de ativos no balanço — e de um ajuste de R$ 1,4 bilhão em impostos diferidos, ambos sem impacto de caixa.

Apesar disso, a empresa encerrou o período com dívida líquida de apenas R$ 327 milhões e alavancagem de 0,16 vez o Ebitda, o que lhe daria fôlego para investir mais, caso as condições de mercado fossem favoráveis.

Voo solo

A saída da Nippon Steel da Usiminas encerra uma relação iniciada nos anos 1950, quando o Japão participou da criação da siderúrgica mineira ao lado do governo brasileiro, e põe fim a um modelo de controle compartilhado. 

Com a aquisição das ações, a Ternium vai elevar sua participação para 71,97% do capital votante, passando a concentrar 92,9% dos votos do bloco de controle — os 7,1% restantes permanecem com a Caixa de Previdência dos Empregados da Usiminas.

A transição ocorre após anos de disputas societárias, incluindo a briga com a CSN sobre a Ternium ter que fazer uma oferta pública de ações (OPA) ao ter entrado no bloco de controle da empresa.

A entrada da Ternium na Usiminas ocorreu em 2012, quando o grupo ítalo-argentino desembolsou cerca de US$ 2,7 bilhões para adquirir as participações de Votorantim e Camargo Corrêa, então sócias no bloco de controle da siderúrgica ao lado da Nippon e do fundo de pensão dos funcionários da Usiminas.

O caso gerou decisões na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e no Superior Tribunal de Justiça (STJ) — que chegou a fixar R$ 5 bilhões em indenizações, depois reduzidos para R$ 3 bilhões, valor que ainda aguarda análise no Supremo Tribunal Federal (STF).

Em paralelo, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) multou a CSN em R$ 128,7 milhões e determinou a redução de sua participação na Usiminas para menos de 5%.

Com a saída da Nippon, analistas veem espaço para uma integração total entre as operações da Usiminas e da Ternium Brasil, que produz placas em Santa Cruz (RJ). O movimento pode abrir caminho para uma reorganização industrial, com sinergias logísticas entre as plantas de Ipatinga (MG), Cubatão (SP) e Santa Cruz, além de ganhos de escala.

Juntas, as duas empresas possuem três plantas no país produzem cerca de 8,5 milhões de toneladas de aço por ano, volume que coloca o grupo entre os maiores fabricantes de aços planos das Américas.

Vedoya e Chara não comentam o negócio.

*O jornalista viajou a convite da Alacero