Mas algum impulso em direção a esse objetivo pode estar começando a surgir, graças a uma nova geração de reatores e a certo apoio do governo Trump para explorar o transporte marítimo movido a energia nuclear como parte do esforço para revitalizar a indústria naval dos Estados Unidos.
Os novos reatores são menores e menos perigosos do que os que atualmente abastecem um pequeno número de navios das marinhas dos EUA e da Rússia, além de submarinos e quebra-gelos, segundo um artigo publicado em outubro por um grupo de cientistas nucleares e arquitetos navais do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). Esses reatores — desenvolvidos por empresas como Westinghouse, Babcock & Wilcox, entre outras — aguardam certificação de diversos órgãos reguladores para uso no transporte comercial, entre outros setores.
O estudo, financiado por alguns dos maiores armadores, construtores navais e registros marítimos do mundo, busca impulsionar o transporte comercial movido a energia nuclear ao apresentar sugestões sobre o projeto e o uso seguro de embarcações nucleares.
Veja o que é preciso saber sobre a possibilidade de navios comerciais movidos a energia nuclear.
Quais são as vantagens?
As despesas operacionais seriam muito menores para navios movidos a energia nuclear, já que não haveria necessidade de reabastecimento durante toda a vida útil da embarcação, estimada em cerca de 25 anos. Atualmente, o combustível representa quase metade dos custos operacionais de um navio.
Além disso, a energia nuclear não produz emissões de carbono. Os navios são responsáveis por cerca de 3% das emissões globais de dióxido de carbono, segundo a Organização Marítima Internacional (IMO), órgão regulador marítimo das Nações Unidas. Outras alternativas ao óleo combustível usadas no transporte marítimo comercial — como metanol, amônia e gás natural — ou estão em oferta limitada, são tóxicas ao meio ambiente ou reduzem as emissões em apenas cerca de 25%.
A ausência de emissões significa que navios movidos a energia nuclear não estariam sujeitos às taxas de emissão que armadores terão de pagar aos governos a partir de 2028, de acordo com as regras da IMO.
“O transporte marítimo comercial nuclear representa um caminho viável para alcançar a descarbonização em larga escala”, afirma Evangelos Marinakis, presidente da Capital Maritime & Trading, com sede na Grécia, que opera mais de 150 embarcações. “Sua implementação bem-sucedida pode trazer benefícios substanciais para uma ampla gama de partes interessadas, incluindo empresas de navegação, estaleiros e reguladores.”
A Capital Maritime forneceu à equipe do MIT as plantas do Manzanillo Express, um navio porta-contêineres, para que eles pudessem criar e testar um modelo computacional de uma embarcação adaptada para propulsão nuclear.
Quais são os desafios?
O custo de um navio movido a energia nuclear pode ser um problema para muitos armadores — ele é cerca de quatro vezes maior do que o de um navio convencional. Esse valor seria mais do que compensado pela economia com combustível ao longo da vida útil da embarcação, mas o investimento inicial é elevado.
Além disso, ainda há muita incerteza em torno do uso potencial desses navios. Ainda não existe um arcabouço regulatório para a operação de navios comerciais movidos a energia nuclear, nem acordos diplomáticos que permitam a entrada dessas embarcações em águas territoriais e portos ao redor do mundo.
Registros de navios e alguns dos principais países marítimos — Japão, Grécia, Reino Unido, França e China — estão discutindo a infraestrutura necessária nos portos para receber navios movidos a energia nuclear, como primeiro passo para resolver as questões em torno dessas embarcações. Um memorando de entendimento recente assinado por Estados Unidos e Reino Unido prevê o estudo dos usos da energia nuclear no mar e a criação de um corredor marítimo transatlântico — a uma distância segura de outras rotas — onde navios nucleares poderiam ser testados em situações de emergência, como falhas de motor e alagamentos.
A aceitação pública é outro obstáculo. Será necessário convencer as pessoas de que esses navios são seguros.
Quão seguros eles seriam?
Os novos reatores utilizam urânio enriquecido a 4%, em comparação com mais de 90% nos reatores mais antigos, o que significa que, em caso de vazamento, haveria muito menos contaminação. Além disso, ao menos em teoria, quando um navio colide ou afunda, não deveria haver vazamento de radiação; o reator se desligaria automaticamente.
Os pesquisadores do MIT usaram o modelo computacional do Manzanillo Express adaptado para testar a integridade da embarcação em condições extremas simuladas, como afundamento, alagamento, clima severo, perda de energia ou incêndio.
“Demonstramos que a adaptação de um microrreator a um navio convencional movido a diesel é técnica e financeiramente viável”, afirma Themistoklis Sapsis, professor de tecnologia marítima e diretor do Centro de Engenharia Oceânica do MIT. “O projeto do navio convertido atende a todos os padrões de segurança para sobreviver a uma colisão sem vazamentos nucleares.”
Quando eles podem se tornar realidade?
O estudo do MIT concluiu que os primeiros navios porta-contêineres movidos a energia nuclear poderiam entrar em operação ao longo da próxima década. Mas isso pode ser ambicioso, dada a necessidade de um arcabouço regulatório e de amplos acordos diplomáticos sobre como e onde essas embarcações poderão operar.
Entre os temas que ainda precisam ser definidos estão estruturas de resposta a emergências, incluindo treinamento de tripulação; medidas de segurança portuária; e o desmonte seguro dos navios ao fim de seu ciclo de vida.
Nos Estados Unidos, o presidente Trump afirmou que quer revitalizar a indústria naval americana, e dois integrantes de sua administração disseram que navios movidos a energia nuclear poderiam ajudar nesse esforço. Segundo eles, os EUA estão pelo menos cinco anos à frente de outros países na corrida para desenvolver novos reatores e implantá-los em navios.
A administração identificou vários caminhos comerciais potenciais para o uso de energia nuclear no mar, incluindo plataformas flutuantes de geração de energia e usinas de dessalinização que poderiam ser usadas para lidar com apagões causados por furacões, tempestades de neve, secas e terremotos.
Outra ideia em análise é a criação de portos que usariam energia nuclear para gerar eletricidade para uso próprio e para embarcações atracadas. Até mesmo centros de dados de inteligência artificial flutuantes, movidos a energia nuclear, estão sendo considerados.
“Veremos alguns portos produtores de energia antes de 10 anos” e, eventualmente, navios porta-contêineres movidos a energia nuclear, afirma Christopher Wiernicki, presidente-executivo do American Bureau of Shipping, que terá de certificar a segurança dessas embarcações. Navios não podem navegar legalmente sem certificação.
Segundo Wiernicki, o órgão já trabalha no estabelecimento de padrões para a certificação de navios movidos a energia nuclear.
Costas Paris é repórter do Wall Street Journal e seu e-mail é: costas.paris@wsj.com
Traduzido do inglês por InvestNews