Após o Banco Central ter anunciado a liberação de R$ 1,2 trilhão para as instituições financeiras nas últimas semanas, numa estratégia para manter a liquidez no mercado durante a pandemia do novo coronavírus, o governo demonstra preocupação com a retenção dos recursos nos bancos. Em videoconferência na tarde do sábado (4) com representantes do setor de varejo, o ministro da Economia, Paulo Guedes, admitiu que os recursos estão “empoçados no sistema financeiro”.
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Para contornar o problema, conforme Guedes, o governo está trabalhando para que o dinheiro chegue diretamente a quem precisa: famílias e empresas. “Começamos agora a dar dinheiro na veia, direto para as empresas”, afirmou o ministro.
A videoconferência com Guedes contou com representantes de entidades como a Câmara Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), o Instituto de Desenvolvimento do Varejo (IDV) e a Associação Brasileira de Supermercados (Abras).
Na última sexta-feira, o governo anunciou a assinatura de medida provisória (MP) que permite a liberação de R$ 40 bilhões, no período de dois meses, a empresas com faturamento anual entre R$ 360 mil e R$ 10 milhões. Este crédito, com taxa de 3,75% ao ano, servirá para o financiamento da folha de pagamentos das empresas.
Como 85% dos recursos (R$ 34 bilhões) serão bancados pelo Tesouro Nacional, o risco da operação, para as instituições financeiras, caiu. O mecanismo favorece que o dinheiro chegue, de fato, às empresas. Os demais 15% (R$ 6 bilhões) serão provenientes dos bancos. O BNDES será o responsável por repassar os recursos às instituições financeiras, que farão a liberação da linha aos clientes.
Esta deve ser, no entanto, apenas a primeira medida do governo para fazer com que dinheiro de crédito irrigue a ponta final. Tanto Guedes quanto o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, tem sinalizado a intenção de adotar mais medidas neste sentido.
Desde o fim de fevereiro, o BC já anunciou a liberação de R$ 135 bilhões em compulsórios. O compulsório corresponde a um recolhimento, feito pela autarquia, de parte dos recursos dos clientes depositados nos bancos. Com ele, o BC controla a quantidade de dinheiro em circulação na economia e forma “colchões de liquidez” para momentos de necessidade de recursos pelos bancos. Nas últimas semanas, em meio à crise, o BC liberou os compulsórios para manter a liquidez dos bancos.
Campos Neto
Na noite do sábado, em uma videoconferência promovida pela XP Investimentos, Campos Neto reconheceu que os bancos no Brasil estão “com medo” de conceder crédito, em função dos impactos da pandemia do novo coronavírus sobre a economia brasileira.
Ao mesmo tempo, Campos Neto afirmou que o BC fará uma fiscalização “grande” sobre os recursos que estão sendo liberados às instituições financeiras. “Estatisticamente, temos que dar resposta sobre quanto entrou em cada setor (da economia)”, afirmou. “Queremos construir uma estatística que seja transparente sobre o que estamos fazendo.”
Durante sua participação no evento virtual, Campos Neto também afirmou que está em fase de elaboração no BC uma nova liberação de compulsórios aos bancos, para irrigar o sistema.
Esta liberação, no entanto, pode seguir regras diferentes. Durante a tarde, Guedes afirmou, na conversa com os varejistas, que a redução de compulsórios a partir de agora “terá que ser focada no emprego e no capital de giro”. “Os projetos serão mais localizados. Se liberar só compulsório, o dinheiro empoça mesmo”, comentou.
Passaporte de imunidade
O ministro da Fazenda citou a possibilidade de adoção, no Brasil, de uma espécie de “passaporte de imunidade”, para que pessoas que tenham a imunidade ao vírus confirmada possam trabalhar normalmente numa segunda fase da pandemia, quando haverá a reabertura econômica. A ideia seria testar a imunidade dos brasileiros nesta segunda fase.
De acordo com Guedes, seriam 40 milhões de testes por mês.
“Hoje pela manhã, conversávamos com um amigo na Inglaterra, que criou o ‘passaporte de imunidade’. Ele faz 40 milhões de testes. Ele coloca disponível para nós, brasileiros, 40 milhões de testes por mês”, disse Guedes, durante videoconferência com representantes do setor do varejo.
Guedes afirmou já ter comunicado ao ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, ao ministro-chefe da Casa Civil, Braga Neto, e ao presidente Jair Bolsonaro a existência dos testes.
“Você fez o teste, você está positivo, você pode circular. Você está negativo, você tem que ir para casa”, disse Guedes, sobre o funcionamento do teste que atesta a imunidade. “Veja bem, isso não é agora. Agora, a gente está em isolamento. É para a gente sair lá na frente, do período de isolamento”, acrescentou o ministro da Economia.
De acordo com Guedes, quem tiver a imunidade atestada pelo teste poderá trabalhar. Este movimento será importante, na visão do ministro, para o processo de reabertura da economia, após o período de isolamento social motivado pela pandemia.
Sistema democrático
O ministro da Economia disse que as coisas no Brasil estão acontecendo apesar de opiniões contrárias, a despeito do quadro atual pelo qual passa o País. Segundo ele, o Brasil está num ciclo diferente de outras nações mundiais, citando que, internamente, o setor privado está preservado.
Ele afirmou em Live com varejistas que o Brasil tem vários recursos à sua disposição. “É um sistema democrático. O ‘pau come’ todo dia, mas estamos fazendo, tendo apoio. O Brasil tem democracia testada, já enfrentou moratória, recessão e agora essa pandemia. A economia segue inabalável. Os poderes estão colaborando, não interessa quem joga pedra contra. As coisas estão acontecendo”, disse.
Assim que o Brasil superar essa fase, Guedes disse que a ideia é avançar nas reformas. “Quando a saúde der o sinal de bandeira verde, vamos avançar profundamente nas reformas, aprofundando de forma a retomarmos o crescimento”, avaliou.
Coronavírus no Planalto
O ministro Paulo Guedes ainda disse que todos os integrantes do governo federal que contraíram a covid-19 fizeram novos testes e já se recuperaram. Apenas da comitiva que acompanhou o presidente Jair Bolsonaro em visita oficial aos Estados Unidos, 23 pessoas testaram positivo para a doença, incluindo autoridades como o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno.
Guedes disse que está em isolamento parcial com sua família na Granja do Torto, uma das residências oficiais da Presidência da República, a convite do presidente Bolsonaro. “Estou tentando manter ao máximo o isolamento”, declarou na live, revelando que tem ido ao Palácio do Planalto durante a semana para alguns despachos.
Com 70 anos, Paulo Guedes integra o chamado “grupo de risco” da covid-19.