São, além de tudo, impactos que devem ser muito mais duradouros do que os supostos benefícios do pacote, válido só até o fim do ano. Mas, em nome dos ganhos eleitorais dos parlamentares governistas ou de não serem acusados de votar contra a população, no caso da oposição, todos aprovaram uma medida que vai pesar sobre as contas públicas.
Se resta algo positivo, é a oportunidade de mostrar como funciona a tragédia dos comuns. É uma situação, como a atual, em que as pessoas, agindo em nome de benefícios imediatos e particulares, contrariam os interesses mais gerais – e geralmente duradouros – de uma comunidade.
A expressão surgiu mais de cinco décadas atrás em um artigo do ecologista Garrett Hardin, para quem estamos condenados a produzir miséria a não ser que ocorra o reconhecimento de que os recursos do planeta são limitados. Ele usa o exemplo de um um grupo de pastores que compartilha o mesmo pasto criando suas ovelhas.
Cada pastor tem a opção de elevar a própria renda aumentando o rebanho, mas se o fizer, a grama vai se degradar mais rápido, trazendo problemas para alimentar os animais no futuro. Mesmo assim o custo será compartilhado por todos e apenas no longo prazo, enquanto o ganho para cada pastor com cada novo animal é individual e imediato, fazendo que a decisão racional seja acrescentar o maior número possível de ovelhas, degradando o ambiente.
A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do aumento de gastos faz o mesmo e não à toa foi batizada de Kamikaze pelo Ministério da Economia. Com a justificativa de ajudar os brasileiros mais pobres, afetados pela alta dos preços dos combustíveis e seus efeitos, corre o risco de piorar a situação financeira deles com mais inflação e também a degradação da economia. Mas daqui até as eleições de outubro, o aumento de gastos garantiria o voto dos beneficiados.
A ideia de uma tragédia dos comuns vem sendo questionada por décadas, às vezes de maneira dura, acusada de justificar racismo, a degradação ambiental, políticas rígidas de imigração e a exploração dos índios em alguns países. A mais ampla crítica veio da economista Elinor Ostrom, ganhadora do Nobel, que revisou o trabalho e, mesmo concordando que a tragédia dos comuns ocorre muitas vezes, demonstra que na maioria dos casos a tragédia não chega realmente a ocorrer.
Diante da tragédia, segundo ela, as comunidades – ou países –, tendem a adotar medidas que evitem o pior cenário. É o que imaginam algumas análises, que, mesmo condenando o aumento de gastos, sugerem que a partir de 2023 o governo, esteja quem estiver no poder, será obrigado a conter gastos para compensar o excesso de agora, nos livrando do pior. O aumento de gastos poderia ser compensado mais adiante.
É uma aposta, mesmo que ignore a probabilidade maior de que alguns gastos temporários se tornem definitivos. Ou o cenário internacional, com os Estados Unidos caminhando para uma recessão e a economia da China mais fraca. Mas mesmo que seja mesmo assim, não será mais benéfica do que o crescimento sustentável, que exige controlar gastos, dirigindo a ajuda apenas aos realmente necessitados.
*Samy Dana é Ph.D em Business, apresentador do Cafeína/InvestNews no YouTube e comentarista econômico. |
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