Vamos imaginar a seguinte situação: o orçamento do mês da família já está apertado. Então, estoura um cano no banheiro. O conserto passa de R$ 1 mil. De onde virá o dinheiro?
O cérebro é obrigado a decidir, mas, devido à falta de verba, funciona como um computador com muitos programas abertos. Fica mais lento, assim como a internet, no caso dos computadores, tem mais dificuldades para processar informação.
A razão é porque nossa capacidade de resolver problemas está ocupada, segundo o psicólogo Eldar Shafir (Princeton) e o economista Sendhil Mullainathan (Harvard). Os dois são autores do livro Escassez – Uma Nova Forma de Pensar a Falta de Recursos na Vida das Pessoas e nas Organizações. Obra que desmonta muitas explicações sobre por que as pessoas são pobres e como podem ser ajudadas a escapar da pobreza.
Uma cabeça lotada de problemas financeiros, dizem os dois cientistas, vai ficar sobrecarregada. E, como resultado, tende a tomar decisões financeiras ruins.
Para verificar se é isso mesmo, os dois pesquisadores foram a um shopping dos Estados Unidos e aplicaram testes para medir a inteligência de 101 frequentadores de rendas variadas. Havia, por exemplo, quem ganhava o equivalente a R$ 350 mil por ano e quem ganhava R$ 100 mil. São salários altos para um brasileiro médio, mas que ficam dentro da média nos Estados Unidos.
O estudo teve duas etapas. Na primeira, os participantes foram confrontados com a necessidade de gastar US$ 300 no conserto do carro. Depois, passaram por um teste elaborado para medir a inteligência. Nesta fase, as respostas não mostraram grande diferença entre quem tinha maior ou menor renda.
Então, tudo foi repetido, mas subindo o gasto de US$ 300 para US$ 3 mil. Dessa vez, houve diferença significativa nos resultados, com as pessoas de menor renda acertando 13% a menos das perguntas do que as pessoas com a renda mais alta.
O resultado, segundo o estudo, expressa o efeito da falta de dinheiro sobre o que chama de banda larga mental. É como se o cérebro fosse um computador obrigado o tempo todo a focar em algo urgente, negligenciando as outras decisões. O resultado é que tomamos mais decisões ruins devido ao foco estar na falta de dinheiro.
A inteligência é mais prejudicada se há pouca margem para cometer erros. O que coloca algumas questões quando se pensa em por que algumas pessoas acabam na pobreza.
É comum se ressaltar o papel da responsabilidade individual diante de informações como a de que, hoje, 77,5% da população brasileira possui alguma dívida, segundo pesquisa da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo. Número que está 10,2 pontos percentuais acima do patamar de 2021.
Coaches financeiros e até mesmo o ministro da Economia, Paulo Guedes, já ressaltaram a responsabilidade dos mais pobres nesta situação, dizendo que os mais ricos buscam capitalizar seus recursos enquanto os mais pobres consomem tudo que ganham.
Mas uma pesquisa da Serasa, de março, mostrou que 70% das dívidas com o cartão de crédito foram feitas com a compra de comida no supermercado. Ou seja, estão fazendo dívida para arcar com as despesas do dia a dia. Bem diferente de gastar, por exemplo, com um celular novo.
E a pobreza não influencia apenas como as pessoas administram o dinheiro. Um outro trabalho de um dos autores desse estudo do shopping demonstrou que a pobreza também reduz a capacidade das pessoas de obterem mais renda.
O grupo demonstrou essa teoria em um experimento com mais de 400 trabalhadores em uma fábrica na Índia. Os operários trabalhavam produzindo pratos, vendidos depois no comércio. É um trabalho realizado apenas em alguns meses do ano. Nos outros meses, eles trabalhavam na agricultura.
Ocorre que quando estavam trabalhando no campo, a dívida não pagava a sobrevivência. Os operários chegavam à fábrica endividados e acabavam usando tudo que ganhavam para pagar as dívidas, sem melhorar de vida.
Os pesquisadores então decidiram adiantar a um grupo de operários o salário do primeiro mês na fábrica, equivalente a US$ 20. Com o dinheiro, eles pagaram todas as dívidas ou pelo menos a maior parte antes de começar a trabalhar. Resultado: produziram 6,2% a mais de pratos na comparação com um grupo que não recebeu o dinheiro.
O estudo demonstra que uma das maneiras de liberar as pessoas da pobreza é aliviar a sobrecarga mental e que isso deveria fazer parte das políticas públicas direcionadas aos mais pobres.
E não só os governos. As empresas, ajudando quem ganha menos, seriam beneficiadas com a alta da produtividade, lucrando mais.
*Samy Dana é Ph.D em Business, apresentador do Cafeína/InvestNews no YouTube e comentarista econômico. |
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