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Guru do Vale do Silício defende ‘aprendizagem escalável’ no futuro do trabalho

Para John Hagel, especialista em gestão e líder do Center for The Edge, precisamos redefinir nosso modelo atual para atender as necessidades do mundo corporativo nos próximos anos.

John Hagel

As novas tecnologias estão impactando rapidamente os mais variados modelos de negócios, impondo grande pressão sobre as empresas, que se veem obrigadas a se adaptar a esse novo mercado. O desafio, entretanto, é saber como se preparar para essas mudanças que ocorrem de maneira exponencial, e preparar desde já os profissionais e colaboradores da companhia para um ambiente de trabalho em que inovações e máquinas farão cada vez mais parte do dia a dia corporativo.

Esse é um tema que traz muitas dúvidas ao mercado pois abrange uma verdadeira transformação no modelo tradicional de trabalho que imperou por décadas dentro das corporações, e que agora está sendo colocado em xeque com o advento das novas tecnologias. Para nortear as ações voltadas ao trabalho nos próximos anos, conversei com John Hagel, um dos maiores especialistas do mundo em gestão.

Hagel tem propriedade de sobra para falar sobre o tema. Com experiência de mais de 40 anos no Vale do Silício, o consultor é autor de vários best-sellers que falam sobre a eficiência de indivíduos e instituições, faz parte do corpo docente da Singularity University, tem passagens por McKinsey e Boston Consulting Group, e hoje é líder do Center for The Edge, da Deloitte, baseada no Vale do Silício.

Em sua avaliação, o mercado de trabalho passa por um momento de crescente pressão, e de maior competição entre indivíduos e instituições. Esse movimento deve-se à introdução de novas ferramentas e máquinas que têm acelerado o ritmo de mudanças das atividades e elevado a produção onde é possível criar muito mais com menos recursos, e de maneira bem mais rápida.

Esse ambiente é criado pelo modelo que ele chama de “eficiência escalável”, que tem como base o conceito de “mais por menos” que perdura por décadas no mercado global. Nesse cenário, os profissionais tendem a perder cada vez mais espaço para as máquinas por conta da maior eficiência, onde tarefas padronizadas serão realizadas por algoritmos de software cada vez mais preparados e capacitados para desempenhar essas atividades. Segundo Hagel, esse modelo não abrange apenas as corporações mas também em instituições, governos e universidades.

Mas se as oportunidades surgem em momentos de dificuldade, o professor da Singularity University aponta que esse é momento de adotar o que ele chama de “aprendizagem escalável”, modelo institucional cujo objetivo é que todos os profissionais acelerem o seu aprendizado. A iniciativa não ocorre por meio de Programa de Treinamentos, como muitos executivos pensam, mas sim em aprender a desenvolver novos conhecimentos, e também ser confrontado a problemas inéditos para criar valor a partir dessas situações. “A solução é ver os problemas e pensar em soluções, formas criativas de solucionar e criar valor da forma mais rápida. Esse é o jeito para restaurar o lado humano nas tarefas”, aponta Hagel.

Para introduzir esse modelo, ele aponta que o melhor jeito é criar pequenos grupos formados por três a quinze funcionários que chama de “grupos de impacto”, cujo compromisso é realizar ações que vão impactar todo o ambiente da empresa. Independente da inteligência e qualificação de cada indivíduo, todos vão aprender rapidamente ao lidar de maneira conjunta com problemas tendo como objetivos criar oportunidades e gerar valor para a corporação.

A criatividade, segundo Hagel, está em todos os profissionais, independente da qualificação de cada um deles. Para exemplificar, ele faz uma relação do poder de criação com os músculos, que está presente em todas as pessoas mas os mais fortes são os que fazem exercícios todos os dias. Ou seja, a criatividade está diretamente relacionada ao quanto as pessoas a colocam em prática para desenvolver novas ideias.

Esse modelo de “aprendizagem escalável” necessita de uma grande mudança de mindset e toda a corporação, e que impacta também inclusive no perfil dos líderes, que terão o desafio de levar empresas e instituições a se adaptarem a esse novo ambiente de trabalho que está tomando conta do mercado de maneira acelerada. Esse é um dos temas que abordei com Hagel nas questões a seguir.

Em qualquer grande mudança dentro de uma corporação, a base para seu sucesso é a aceitação e adequação dos funcionários ao novo modelo de atuação. Como você vê esse desafio para introduzir a “aprendizagem escalável”?

Quando surge um desafio inesperado, a reação dos funcionários tem que ser de animação e motivação pois poderão criar algo de valor e impacto para toda a companhia. As pessoas precisam ter paixão ao receber esse tipo de desafio, ter intenção de se juntar a outras pessoas para encontrarem a melhor solução. O grande desafio das empresas é saber extrair essa paixão em seus funcionários, e essa motivação existe em todos nós, mas em uma sociedade onde impera a eficiência escalável, essa paixão fica em segundo plano e as pessoas só querem se desviar das tarefas designadas. Temos que nos identificar e realmente aceitar a potência dessa paixão nas organizações. Recentemente, realizamos um projeto em um laboratório de análises clínicas que tinha o seguinte problema: o call center deles tinha uma alta rotatividade tanto de clientes como também de operadoras, que se sentiam frustradas por não conseguir ajudar os clientes tanto quanto poderiam. O primeiro passo foi falar que ninguém seria demitido, e depois pedir para recriarem as tarefas rotineiras que eles desempenhavam. Esses operadores trabalhavam junto ao TI e criaram abordagens automatizadas, onde todas as perguntas eram respondidas rapidamente, com muito mais agilidade. Dessa forma, liberaram os operadores para realizar outras tarefas, além de aproveitar esse tempo livre para se reunir em grupos pequenos para identificar os problemas realmente desafiadores que os clientes tinham. Junto ao TI, passaram a trabalhar de maneira mais eficaz e criativa para solucionar os problemas dos clientes. Como consequência, a satisfação dos clientes aumentou muito e a rotatividade dos funcionários foi reduzida pois eles ficaram motivados, sentiam que estavam fazendo algo relevante para a empresa, não estavam só seguindo padrões e ordens.

Você comentou que a chave do sucesso para um mundo que está mudando rapidamente é também aprender rápido. O Brasil é um país que tem sérios problemas em educação e gostaria de saber como as empresas brasileiras podem preparar-se para lidar com essa nova realidade sem ter um sistema educacional forte como ocorre em economias como a China e a Coreia do Sul?

Qual o papel dos líderes nessa mudança de cultura da empresa onde o foco passa a ser a aprendizagem dos funcionários?

Primeiro que as mudanças não têm que começar pela empresa toda, mas sim por uma área específica, pequena, mas que tenha um impacto importante no desenvolvimento da empresa como um todo. Isso ajuda a motivar os outros funcionários e departamentos a também criarem uma forma alternativa de trabalho. Mas o papel dos líderes é fundamental nesse processo onde há também uma mudança sobre a natureza da liderança. No mundo da eficiência escalável, um líder forte é aquele que responde a todas as perguntas. E caso ele não saiba responder algumas dessas questões já pensam que é momento de trocar o líder e procurar alguém que saiba a resposta. Já no modelo da aprendizagem escalável, o que marca um líder forte nessas instituições é aquele que faz as perguntas mais potentes e poderosas, e que admite não ter a resposta para essas questões. Além disso, ele pede ajuda para tentar respondê-las. Essa nova abordagem é fundamental para a mudança da cultura da empresa pois ela encoraja as pessoas a fazerem as perguntas pois isso cria um novo conhecimento. Além disso, ele sabe que não tem problema algum pedir ajuda. Já no mundo da eficiência escalável, quando alguém pede ajuda é sinal de fraqueza, mas no mundo da aprendizagem escalável isso é uma mostra de motivação, de paixão e de interesse coletivo em obter uma resposta. Eu acredito nesse modelo de liderança para criar essa abordagem da aprendizagem escalável e começar a mudar a cultura de uma empresa de maneira profunda.

Nos melhores cenários, como estaria o mundo daqui a dez anos com relação ao futuro do trabalho?

Eu sou um otimista por natureza e acredito que o futuro do trabalho será uma grande oportunidade para todos nós, e isso tem a ver com criar mais valor para todos os envolvidos, para os funcionários, os clientes, a comunidade, os investidores, etc. A capacidade de criar mais valor é ilimitada, uma vez que atendemos algumas necessidades, logo encontramos novos desafios e precisamos de outras necessidades. Dessa forma vamos sempre ter a prosperidade florescendo de maneira inimaginável e nos tornando cada vez mais eficientes.

É sempre inspirador saber como pensam caras como John Hagel em relação a temas tão desafiadores como é o futuro do trabalho, principalmente em momentos de grandes transformações como é o do atual mercado devido às novas tecnologias. Mas o mais importante desse papo com o consultor é que em tempos de grandes mudanças, há também um aumento de oportunidades. Nos resta saber aproveitá-las.

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