A expressão “dados são o novo petróleo”, criada por Clive Humby, um matemático londrino especializado em ciência de dados, nos leva a pensar nesse novo paradigma da revolução digital, visto que existem diversas empresas trabalhando no tratamento e refinamento de informações para oferecê-las a diversas formas de consumo.
Nesse sentido, a doutoranda e mestra Shoshana Zuboff, criou a expressão e o conceito “Capitalismo de Vigilância” e nos brinda com reflexões em seu livro “A era do capitalismo de vigilância” que acabo de ler e transcrevo suas ideias para este texto.
De acordo com o livro, um exemplo desse problema são aplicativos que coletam dados, porque assim criam o novo capitalismo, onde “somos os objetos dos quais as matérias-primas são extraídas e expropriadas para as fábricas de predição”. É difícil existir um aplicativo inocente; se ele não estiver rastreando agora, pode vir a fazê-lo na semana ou no mês que vem, segundo Shoshana Zuboff.
O novo capitalismo de vigilância
“A conexão digital é agora um meio para fins comerciais de terceiros. As tecnologias da informação estão mais disseminadas do que a eletricidade, alcançando três dos sete bilhões de pessoas no mundo”, menciona no livro.
É importante lembrar que “o capitalismo de vigilância não é tecnologia; é uma lógica que permeia a tecnologia e a direciona numa ação”. E mais, o capitalismo de vigilância é uma forma de mercado que é inimaginável fora do meio digital, mas não é a mesma coisa que “digital”.
O poderoso mercado de dados se desenvolve a partir de informação que deixamos por aí, Zuboff diz que “há um monte de gente que está monetizando dados hoje em dia. Você entra no Google, e parece que é de graça. Mas não é de graça. Você lhes dá informação; eles vendem a sua informação”.
Portanto, segundo a autora, vivemos uma nova era onde “os verdadeiros clientes do capitalismo de vigilância são as empresas que negociam nos mercados os comportamentos futuro das pessoas”.
As estratégias do Google e Facebook
A análise de nossas identidades e ações — muitas vezes sem nosso consentimento —, são transformadas em dados e usadas para prever nosso comportamento futuro em determinados contextos.
“Essas informações são muitas vezes vendidas para outras empresas, para que estas possam oferecer bens e serviços direcionados ao nosso perfil, mas também moldar nosso comportamento, manipulando nossos desejos, necessidades e até visão de mundo”, diz no sumário e resenha do livro.
A questão chave: quem são os donos dos dados?
“Quem é o dono dos dados?”, indagamos. Qualquer discussão sobre proteção de dados ou propriedade de dados omite a questão mais importante de todas: para começo de conversa, por que a nossa experiência é compilada na forma de dados comportamentais?
“Tem sido muito fácil ignorar esse passo importante no processo que gera o superávit comportamental. Porém, traz um alerta para a lacuna existente entre experiência e dados, bem como para as operações específicas que visam lidar com ela por meio de uma missão de transformar experiência em dados. Eu chamo essas operações de renderização”, diz Zuboff.
O fantástico poder da renderização
Não pode haver capitalismo de vigilância sem renderização. Em inglês, o substantivo rendition [“execução”] vem do verbo to render [que pode ser traduzido tanto como “reproduzir” quanto como “traduzir” / “converter” ou, ainda, “deixar”], uma palavra com significado duplo que descreve uma equação de dois termos que captura com perfeição o que ocorre na lacuna entre a experiência humana e os dados comportamentais.
Num lado da equação, o verbo descreve um processo no qual algo é produzido a partir de outra coisa originalmente dada. Denota a ação causal de transformar uma coisa em outra, como fazer converter gordura em óleo (extração) ou converter um texto do latim para o inglês, por exemplo, (tradução). Esses significados também ocorrem no vocabulário da tecnologia digital.
Por exemplo, Shoshana Zuboff cita em trechos do livro: uma “máquina renderizadora” [rendering engine] converte o conteúdo codificado de uma página de HTML para exibição e impressão. No outro lado da equação, render também descreve a forma pela qual a coisa permite se render ao longo.
O mercado dos algoritmos preditivos
Criam-se, nesta lacuna da conversão do conteúdo, os algoritmos dos mercados preditivos de compras e atitudes que operam como verdadeiras fábricas, onde os aplicativos coletam dados das pessoas e criam o novo capitalismo, onde “somos os objetos dos quais as matérias-primas são extraídas e expropriadas para as fábricas de predição”.
Esse novo mercado de dados humanos “sabe tudo sobre nós, ao passo que suas operações são programadas para não serem conhecidas por nós”. Funcionam com o propósito de transformar experiência em dados.
E mais: “(…) a experiência humana torna-se matéria-prima gratuita para práticas comerciais dissimuladas de extração, previsão e vendas”. Elas acumulam vastos domínios de um conhecimento novo proveniente de nós, mas que não é para nós.
Elas predizem nosso futuro a fim de gerar ganhos para os outros, não para nós.
Exemplo das seguradoras de carros
Seguradoras de carros sabem há muito tempo que há uma enorme correlação entre o risco, o comportamento e a personalidade do motorista, mas elas pouco podiam fazer em relação a isso. Agora, os sistemas sensíveis de monitoramento remoto da moderna telemática são capazes de prover um fluxo contínuo de dados sobre onde estamos, para onde vamos, os detalhes do nosso comportamento ao volante e as condições do nosso veículo.
A telemática baseada em aplicativos também pode calcular como estamos nos sentindo e o que estamos dizendo. Para tanto basta integrar informação do painel do carro e até mesmo do smartphone. Seguradoras de carros são assediadas por consultores e parceiros tecnológicos em potencial que oferecem estratégias capitalistas de vigilância com a promessa de um novo capítulo de sucesso comercial. “A incerteza será muitíssimo reduzida”.
A perigosa arrogância da civilização da informação
Zuboff nos alerta que, neste exato momento, estamos no início de uma nova era que chamei de civilização da informação e a qual repete a arrogância perigosa. O objetivo agora não é dominar a natureza e sim a natureza humana.
O foco mudou de máquinas que superam os limites do nosso corpo para máquinas que modificam o comportamento de indivíduos, grupos e populações em prol de objetivos mercadológicos de compra venda dos dados pessoais.
Portanto, sejamos cautelosos e alertas ao novo Capitalismo de Vigilância.
*Aloisio Sotero é professor e mentor em Precificação e Gestão de Negócios. Vice-diretor da Faculdade Central do Recife e membro associado do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. |
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