“A Tecnologia que Muda o Mundo” é um livro inspirador e criativo que nos leva a entender o poder da informação na modelação dos negócios e sua gestão. O autor é Clemente Nóbrega, físico, pesquisador de inovação, palestrante e escritor. Com MBA Executivo pela Coppead/UFRJ, cursou o Strategic Marketing Management, na Harvard Business School. Esse é o meu segundo encontro com Clemente Nóbrega. O primeiro foi em 2017 com outra obra “Antropomarketing”.
Em tempos de pandemia, o livro nos leva logo a entender o papel da ciência no mundo atual que, por muitas vezes, nos coloca em calorosas discussões políticas na gestão da pandemia da Covid-19, que está mudando o mundo nas dimensões políticas, econômicas e sociais.
O papel da ciência no mundo real
Atualmente, a ciência é uma verdadeira pedra filosofal para explicar decisões políticas e seu poder relativo. Lembra Clemente Nóbrega: “A ciência é um método para lidarmos com a ignorância. Ela é importante porque ‘funciona’ no sentido que interessa à gestão – leva a resultados sistematicamente verificáveis no mundo real. Ciência não diz respeito à beleza, à verdade, à justiça ou à sabedoria. É 100% vinculada ao que se consegue verificar na prática. Sua legitimidade vem disso, e só disso”.
A missão da ciência é tentar responder a perguntas que possam ser formuladas assim: “Se eu fizer isto, o que vai acontecer? Se eu faço uma coisa aqui, o que acontecerá ali? Se eu aplicar este tanto de força, ou aquele tanto de calor, ou se eu misturar estes produtos químicos, o que vai acontecer?”. Importante notar que a “ciência não explica a verdade profunda de nada, ciência prevê efeitos no mundo real”, explica Nóbrega.
O físico Richard Feynman (estou tomando emprestadas dele essas formulações) explicou isso ao dizer: a técnica da ciência é “teste e verifique”. Se forem confirmadas é ciência!
O que é a informação no mundo real
Aqui me faz lembrar uma passagem do apóstolo João versículo 1°: “o princípio era o Verbo e o Verbo era Deus”. A informação pura e absoluta. Neste sentido, “verbo é a palavra responsável por exprimir ação, estado e fenômenos em relação ao tempo”.
Segundo Clemente Nóbrega, a informação, para um gestor, é tudo o que altera o curso natural das coisas. É o que gera algum tipo de surpresa produtiva, útil. É a inteligência que cria um “novo” que funcione, ou que altere um curso de ação estabelecido. Se o que se supõe ser “informação” fica aprisionada em relatórios, trancada em gavetas, arquivos, ou na cabeça de alguém, não é informação. Digital ou não, na nuvem ou no HD, não é informação.
Informação é efeito, não estoque. É transformação, movimento, não armazenamento. Não basta que alguma mensagem seja comunicada. É preciso que alguma coisa útil seja produzida. Em gestão, só é informação o que leva a uma intervenção inteligente no cenário existente. Alguém que não comprava passa a comprar; um mercado que não existia passa a existir.
Uma transação que demorava e agora é feita mais depressa, de forma menos custosa, com mais eficiência. Para um gestor, informação se traduz na obtenção de um resultado de valor que, sem ela, não seria obtido. O mundo está percebendo que todo tipo de empresa – todo empreendimento –, de qualquer setor, tem de ser “de informação”. Em outras palavras: o que faz diferença no mundo das organizações sobre o que a informação faz com as pessoas, empresas e profissões. Todas as empresas, de todos os setores, já são empresas de informação hoje, na verdade, sempre foram.
E qual é o papel da tecnologia?
Tecnologia não tem importância. A informação é que tem, lembra o professor Clemente. É a informação que dá forma às “tecnologias” ao longo do tempo. Ela (informação) existe independente das formas que molda, mas a mente humana só consegue prendê-la por meio dessas formas.
O que chamamos de “tecnologia” é, na verdade, a manifestação da informação por meio de arranjos de pessoas, processos e ferramentas tecnológicas. Informação é uma coisa física porque só existe se for produzida alguma mudança no mundo real. Ela faz isso alterando um curso de ação que está dado. É seu efeito que caracteriza sua existência, não a definição que usamos para ela. É a tríade que faz a mudança se materializar. É na tríade que a informação mora desde o começo da humanidade. A tríade que muda o mundo. Existe uma entidade que molda (e muda) o mundo desde que ele existe.
O que significa ciência no mundo da gestão?
A gestão é a ciência de construir e manter as pessoas, os processos e as ferramentas funcionando de forma conexa. A gestão consiste em organizar essa tríade. A gestão consiste em organizar atividades humanas e requer o consumo de energia humana .
A vantagem das ciências como Física e Química é que podemos realizar experimentos — do tipo “teste e verifique” — em ambientes que nos permitem ajustar os inputs e registrar os resultados. Mas, no domínio em que empresas atuam (mercados, economias), só é possível fazer experimentos deste tipo em circunstâncias relativamente triviais. Por exemplo: para vender mais, é melhor colocar o produto do lado esquerdo ou direito no corredor do supermercado? Teste e verifique.
No entanto, para decidir se compro ou não uma empresa, por exemplo, “teste e verifique” já não é possível. Empresas que têm muitos dados de usuários estão cada vez mais adotando práticas “teste e verifique” (big data, analytics, algoritmos de inteligência artificial).
Nas mais vanguardistas, como Amazon e Netflix, isso é central para seu resultado, mas mesmo empresas de setores “velhos” como varejo de alimentos (WalMart), ou conglomerados com vocação industrial (GE/Siemens) estão embarcando na mesma tendência. Elas sabem que não há opção para permanecerem competitivas. A indústria farmacêutica usa “teste e verifique” para produzir novas drogas. Como estão sendo vivenciadas agora no desenvolvimento das vacinas contra a Covid. Testar e verificar.
A poderosa tríade do mundo da gestão
Negócios e empresas são criações humanas para coordenar ações de gestão. Empresas e negócios não são ativos da natureza do reino animal, mineral nem vegetal. São ativos criados pelo homem para gerir atividades humanas. Neste sentido existe uma lógica nessa gestão , enfatizada pelo Clemente Nóbrega que define gestão como “um conjunto de protocolos para gerar resultados práticos”.
A tríade “pessoas-processos-tecnologias” define a essência da gestão e da inovação. Resultados significa produção de efeitos concretos no mundo real, coisas como aquele osso usado para alterar o destino dos macacos. Ou soluções para a diminuição da fome/pobreza. Ou ainda, aumento de qualidade de vida, longevidade, renda, empregos, crianças na escola, saúde, menos violência. Gestão existe para tornar esses (e outros) efeitos possíveis e sustentáveis.
Os algoritmos na tríade pessoas, processos e ferramentas
Algoritmos são receitas, sequências de regras simples, passos automáticos sem charme algum, que podem produzir resultados extremamente complexos. A seleção natural – o processo de filtrar ordem. Um algoritmo é, essencialmente, um processo sem cérebro que faz coisas inteligentes. É um conjunto de passos precisos que não precisam de grande esforço mental para seguir, mas que, se obedecidos exata e mecanicamente, levarão a algum resultado desejável.
A não necessidade de “cérebro” é fundamental: cada passo deve ser tão simples e tão livre de ambiguidade quanto possível. Receitas de culinária e instruções de direção são algoritmos (já instruções como “cozinhe a carne até ficar macia”, ou “a cidade está a poucos quilômetros de distância”, são vagas demais para serem fundamentais.
*Aloísio Sotero é professor de Finanças para Economia Digital e cofundador da BAEX, Escola Internacional de Educação para Executivos.