A União Europeia e o bloco sul-americano do Mercosul fecharam um acordo comercial há muito procurado, apesar das veementes objeções da França, que se comprometeu a liderar uma ação para obstruir sua ratificação.
As partes concordaram em princípio com os termos do pacto comercial nesta sexta-feira (6), depois que a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, viajou para o Uruguai para participar da cúpula do Mercosul desta semana. O presidente francês Emmanuel Macron, entretanto, enfurecido, disse a ela que os termos eram “inaceitáveis”.
Depois de mais de duas décadas de negociações, o acordo é uma chance para a UE e a união alfandegária sul-americana fundada por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai aproveitarem novos mercados para seus produtos em meio à concorrência acirrada da China e às ameaças tarifárias do presidente eleito Donald Trump. Esse seria o maior acordo comercial já concluído por qualquer um dos blocos.
“Esse acordo é uma vitória para a Europa”, disse von der Leyen ao anunciar o acordo, observando que ele inclui salvaguardas destinadas a proteger os agricultores do bloco. “Isso criará enormes oportunidades de negócios.”
A ratificação será uma luta longa e difícil na UE. Se for aprovado, o acordo criará um mercado integrado de 780 milhões de consumidores, impulsionando o setor manufatureiro da UE, que está em dificuldades, e o vasto setor agrícola do Mercosul. Também fortaleceria a presença da UE em uma região onde a China emergiu como um grande fornecedor industrial e o principal comprador de commodities, ao mesmo tempo em que ajudaria a isolar ambos os blocos de uma possível guerra comercial de Trump.
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Os exportadores de automóveis da UE, em particular, podem se beneficiar da remoção gradual das atuais tarifas de 35%. As altas tarifas sobre produtos industriais, como peças de automóveis, maquinário, produtos químicos, roupas e têxteis, também seriam eliminadas.
No entanto, vários países europeus, especialmente a França e a Polônia, continuam se opondo firmemente, principalmente devido a preocupações sobre como isso afetará o setor agrícola. Os agricultores europeus dizem que os produtos da América Latina são produzidos com padrões mais baixos, o que daria ao agro dos países do Mercosul uma vantagem injusta.
Produtores sulamericanos têm rechaçado os argumentos dos franceses e poloneses. Eles reafirmam a qualidade e os padrões ambientais seguidos pelos países do bloco e dizem que as críticas são, na verdade, puro protecionismo.
Macron enfrentou a indignação dos agricultores que se opõem ao acordo e atualmente está lidando com o colapso de seu governo no país. Autoridades francesas próximas a Macron têm criticado Ursula von der Leyen da UE, insistindo que o acordo pode ser rejeitado pelos estados membros mesmo depois de assinado por ela.
Dado o grande consenso na França contra o acordo, é provável que Macron continue a luta, já que ele enfrenta um conjunto crescente de desafios políticos internos. O gabinete de Macron não respondeu imediatamente a um pedido de comentário.
O acordo também deve provocar tensões políticas e a ira dos agricultores na Polônia, que realizará uma eleição presidencial na primavera de 2025. O primeiro-ministro polonês, Donald Tusk, disse que seu governo, que também inclui um partido de coalizão júnior apoiado pelos agricultores, se oporá ao acordo. Tusk levantou fatores internos para sua decisão, dizendo que o acordo teria repercussões para a agricultura polonesa.
A Alemanha, que representa cerca de um quinto da população da UE, é um forte apoiador do acordo, assim como a Espanha.
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Da mesma forma, os dois lados chegaram a um acordo preliminar em 2019, mas nunca o assinaram devido, em grande parte, ao protecionismo europeu e à hostilidade em relação às políticas ambientais do ex-presidente do Brasil, Jair Bolsonaro.
No entanto, o atual líder do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, tem sido um dos maiores defensores do acordo desde que assumiu o cargo em 2023. O presidente uruguaio, Luis Lacalle Pou, também tem se empenhado para que o acordo seja concluído.
“Na vida, é mais difícil destruir do que construir”, disse Lacalle Pou. “Este anúncio exige a melhor política.”
Para a maior economia do Mercosul, o Brasil, o acordo deve impulsionar ainda mais as exportações do gigantesco setor de commodities agrícolas do país. O último estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) mostrou que as exportações relacionadas à agricultura para o bloco europeu poderiam crescer em mais US$ 7,1 bilhões entre 2024 e 2040.
Produtos como carne suína, aves, óleos e gorduras vegetais podem ser os principais ganhadores, enquanto no café o país espera expandir a venda de grãos verdes para o envio de produtos de valor agregado, como o café instantâneo.
Embora exista a possibilidade de um acordo para reduzir as tarifas e facilitar o acesso dos produtos brasileiros ao bloco, a nação sul-americana também terá que trabalhar para atender às crescentes exigências ambientais da Europa. Novas regras antidesmatamento na Europa têm o potencial de afetar cerca de dois terços das exportações agrícolas do Brasil para a Europa, disse Sueme Mori Andrade, diretora de Relações Internacionais da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil.