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Economia

Articulação política gera receios sobre reforma tributária

Embora as diretrizes gerais tenham sido bem avaliadas, especialistas apontam incerteza sobre tramitação.

O relatório com as principais diretrizes da reforma tributária foi apresentado na terça-feira (6) pelo deputado e relator Aguinaldo Ribeiro (PP-PB). A reforma é uma das apostas da equipe econômica do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e também amplamente esperada pelo mercado. Mas, mesmo avaliando a proposta como positiva em linhas gerais, especialistas julgam que o texto deve passar por um caminho turbulento até a sua aprovação. 

Muito dessa percepção passa pela dificuldade na articulação política do Executivo com o Legislativo, que tem encarado a falta de uma base no Congresso Nacional e, consequentemente, sinergia para a aprovação de projetos.

Vista aérea do Congresso, em Brasília 18/04/2013 REUTERS/Ueslei Marcelino

O documento propõe novas diretrizes para o sistema tributário do Brasil, sobretudo com alterações em relação ao consumo. Segundo Ribeiro, o texto da reforma, a ser votado pelos deputados, deve ser apresentado no começo de julho. A previsão contraria a expectativa do presidente Lula e do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), que visam uma votação ainda neste mês.

O que deve mudar após a reforma

O principal objetivo, considerando as novas diretrizes, é simplificar a tributação com um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual, que terá um tributo para unir os impostos federais (PIS, Cofins e IPI), e outro para o estadual (ICMS) e municipal (ISS). O novo imposto é chamado de Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).

“Um enorme ponto positivo está no fato de que o IVA dual poderá ter alíquotas diferenciadas para os setores de produção rural, imobiliário, saúde, educação e transporte público, bem como sobre os produtos que compõem a cesta básica”

Gustavo Degelo, advogado tributarista da Briganti Advogados

Ainda que se trate de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC), Degelo julga que as diretrizes anunciadas foram claras e que o plano é positivo.

O economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini, também julga a iniciativa como um bom avanço.

“Alguns estudos indicam que, no Brasil, as empresas levam mais de mil horas por ano para levantar seus tributos e realizar os pagamentos, enquanto em países emergentes essa conta fica em torno de 300 horas. A unificação de impostos deve racionalizar esse processo, e essa é uma vantagem enorme para o sistema”

economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini

O economista-chefe da Ativa Investimentos, Étore Sanchez, comenta que “estamos falando de uma redução e simplificação do sistema tributário, o que tende a melhorar a produtividade da nação”. 

O relator da proposta disse que a mudança na tributação do consumo não implicará em aumento da carga tributária, tampouco redução. “O governo não tem condições de provocar uma redução. Já estamos falando de uma estimativa de déficit primário em 2023 de mais de R$ 100 bilhões, e de R$ 50 bilhões para 2024. Dificilmente haverá a redução de tributos”, explica Agostini. 

Principais incertezas

Contudo, o impacto nos setores envolvidos, além do próprio cenário econômico em si, ainda são preliminares, diante das incertezas para a aprovação do texto como foi apresentado nesta semana. 

“Os impactos sobre a inflação de curto prazo apresentam gigantesca dispersão à medida que não se sabe até quando teremos o início da vigência da reforma”, aponta o economista-chefe da Ativa. “Ainda é difícil calcular os efeitos setoriais sem um texto definitivo, especialmente sem uma regra de transição definida.”

Outros pontos que podem ser levantados são como alguns dos mecanismos propostos funcionarão. Entre eles, o “cashback”, que possibilita a devolução do imposto sobre a compra de alimentos e produtos da cesta básica para a população de baixa renda, e a retomada da cobrança do Imposto de Renda sobre a distribuição de lucros e dividendos das empresas para pessoas físicas.

Cesta básica (Foto: Geraldo Magela/Agência Senado)

Para o economista-chefe da Austin Rating, a reforma tributária também não é – ainda – a resposta para o desequilíbrio fiscal do Brasil. “O governo não discutiu nem agora, nem na proposta do arcabouço fiscal, um programa de concessões ou redução de despesas. Apenas a receita tem recebido atenção”, diz Agostini.

Articulação política entre Executivo e Legislativo

Na visão de especialistas, a tramitação da proposta não deve ser fácil sem algumas mudanças a serem implementadas.

“Seguimos céticos com relação à aprovação do texto como exposto ontem por envolver muitas áreas de interesse com extrema representatividade em Brasília. O tema é debatido no Brasil há mais de 30 anos, com diversas iniciativas, inclusive em períodos com mais unidade entre Legislativo e Executivo”

Ativa Investimentos, Étore Sanchez

“O grande ponto negativo da proposta tem relação com a instabilidade da articulação política feita pelo Executivo junto ao Congresso Nacional”, reforça Gustavo Degelo. O especialista aponta que a PEC deve ser discutida e votada em dois turnos na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, com aprovação de três quintos dos votos dos deputados e senadores.

Lula e Lira se cumprimentam durante reunião no Palácio do Planalto em janeiro 11/01/2023 REUTERS/Adriano Machado

O presidente Lula tem enfrentado dificuldades no entendimento com o Legislativo. Três em cada quatro projetos de lei enviados pelo governo para a Câmara dos Deputados estão parados. Segundo um levantamento do jornal “Valor Econômico”, das 12 propostas encaminhadas pelo Executivo, apenas três foram aprovadas. As outras nove aguardam despacho do presidente da casa, Arthur Lira.

As dificuldades acontecem em meio à falta de maioria do governo no Congresso, com interlocução junto aos deputados prejudicada. Recentemente, Lira, que detém grande influência no Legislativo, e diversos líderes da Câmara criticaram a articulação política do governo durante as negociações envolvendo a medida provisória (MP) dos ministérios no último mês.

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