Diante de ameaças do presidente da Venezuela de invadir a Guiana para anexar o território de Essequibo, o exército brasileiro enviou na terça-feira (5) blindados para Boa Vista, em Roraima, para impedir uma invasão por terra na fronteira entre Brasil e Venezuela, a fim de atacar Essequibo pelo sul. A região virou centro de disputa após a recente descoberta de reservas de petróleo na região.

Uma das nações mais pobres do Ocidente – num passado não tão distante – tornou-se hoje o país com o maior crescimento de Produto Interno Bruto (PIB) real do mundo. A economia Guiana cresceu 62,3% em 2022 (somando US$ 15,36 bilhões), segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI). Para 2023,  o FMI projeta um PIB 38% maior e um crescimento “extremamente rápido” .

Olhando pelo retrovisor, oito anos antes, o PIB do pequeno país era um dos menores da América do Sul. E isso se deve à recente descoberta de recursos naturais, que colocou o país de pouco mais de 800 mil habitantes entre os maiores exportadores de petróleo do mundo. Mas a exploração só foi possível depois que foram encontrados bilhões de barris em águas profundas na região de Essequibo, que ocupa dois terços do território guianês.

Isso atraiu a disputa da região pela Venezuela, que reinvindica o petróleo encontrado em 2015, apontado ter sido em águas venezuelanas. À época, o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, prometeu lutar para provar que a área marítima onde o petróleo foi encontrado pela americana Exxon Mobil, a 200 quilômetros da costa, não é da Guiana. 

Disputa por Essequibo: mapa detalha reivindicações de terra e mar entre Venezuela e Guiana, incluindo bloco petrolífero.

Em 3 de dezembro, o caso foi julgado na Corte Internacional de Justiça, em Haia, que ordenou que a Venezuela não tome qualquer atitude que modifique a situação atual da região de 160 mil quilômetros quadrados, administrada e controlada pela Guiana. 

Em seu perfil na rede X (antigo Twitter), Maduro disse que o “sol da Venezuela nasce em Essequibo e foi ratificado pelo país, no domingo”, em referência ao plebiscito levantado pelo mandatário em defesa da anexação do território. Mas esse movimento vem sendo visto como estratégia para tirar o foco da crise econômica e ganhar apoio da sociedade local.

Uma economia com crescimento meteórico

Antes de ser encontrado petróleo, o país tinha como principal produto de exportação o ouro, entre outros minérios. No entanto, estima-se que a extração do metal no país funcione de forma precária por garimpeiros por meio de uma fiscalização duvidosa. 

Atualmente, o Banco Mundial estima que a Guiana tenha uma reserva de mais de 11,2 bilhões de barris de petróleo, incluindo cerca de 17 bilhões de pés cúbicos de reservas de gás natural. No ano passado, o petróleo foi quase 88% do total das exportações do país.

É esperado que o país continue a ser uma das economias de crescimento mais rápido, com taxas de dois dígitos em 2023 e 2024, à medida que campos petrolíferos adicionais entrem em operação, segundo o Banco Mundial.

Mas a prosperidade proporcionada pelo petróleo está também apoiando o crescimento nos setores de serviços, enquanto a agricultura, a mineração e a extração apresentam um bom desempenho, segundo o FMI, que projeta um crescimento real sustentado do PIB não petrolífero de 5,5%.

“Depois de um ano de 2022 forte, no primeiro semestre de 2023, o PIB real não petrolífero cresceu 12,3% […]. A balança corrente externa registrou um grande excedente em 2022, de 23,8% do PIB, e espera-se outro grande excedente em 2023. Os bancos estão bem capitalizados e têm liquidez, aponta o órgão.

No médio prazo, a previsão do Banco Mundial é que o país registre um crescimento real médio de 20% ao ano para o PIB entre 2024 a 2028, sem criar desequilíbrios macroeconômicos. Também espera que o investimento público seja financiado principalmente pelas receitas do petróleo, e que a dívida pública diminua gradualmente no médio prazo. Em 2022, ela reduziu para 26% do PIB ante a 43,2% em 2021.

Riscos econômicos

Apesar das perspectivas favoráveis ​​de crescimento no médio prazo para a Guiana, riscos não são descartados, a exemplo de maiores pressões inflacionárias e à apreciação da taxa de câmbio real.

O relatório aponta ainda que choques climáticos adversos (a Guiana corre alto risco de inundações, aumento do nível do mar e tempestades), e a volatilidade nos preços de commodities também podem impactar negativamente a economia.

Contra esse último, o Banco Mundial destaca que é necessário reformas estruturais a fim de diversificar a economia nacional e assim, reduzir a dependência do petróleo e a vulnerabilidade aos choques de preços. 

A questão é que o progresso na economia com o petróleo não vem sendo suficiente para extinguir a pobreza no país, não havendo dados recentes para monitorar a redução. Ainda assim, a educação registrou progressos notáveis nos últimos anos em termos de acesso.

Em 2022, a Guiana alcançou 91% e 103% de matrículas nos níveis maternal e primário, respectivamente. Porém, os resultados de aprendizagem ainda precisam ser melhorados em todos os níveis, segundo o Banco Mundial.

Foto: Vitor Abdala, Agência Brasil

De acordo com o Índice de Capital Humano de 2022, uma criança nascida na Guiana pouco antes da pandemia será apenas 50% tão produtiva quando crescer como poderia ser se desfrutasse de educação completa e saúde plena, o que permanece inferior do que a média da região da América Latina e do Caribe. 

Quem é a sociedade guianense

Segundo o Banco Mundial, a população da Guiana é étnica e religiosamente diversa, abrangendo indo-guianenses, afro-guianenses, mestiços guianenses, ameríndios indígenas e outros que migraram após a abolição da escravidão.

É o único país da América do Sul em que o inglês é uma língua oficial, uma herança do período em que a nação foi uma colônia do Reino Unido. Mas a maioria da população tem como primeiro idioma o crioulo da Guiana, cuja base é o inglês.

Cerca de 90% dos habitantes vivem na estreita planície costeira, representando apenas 10% da área do país. 

As inundações – que seguem aumentando dado às alterações climáticas e pela subida do nível do mar – são um risco grave, uma vez que grande parte da população e da atividade econômica e agrícola do país, incluindo sua capital, Georgetown, estão concentradas em áreas baixas ao longo da costa.

Vista aérea de rios de cores distintas que se encontram, serpenteando por vasta floresta densa.
Rio Essequibo, zona de disputa há décadas entre Guiana e Venezuela — Foto: Wikimedia Commons

Entenda a disputa do território pela Venezuela

Tudo começou de uma confusão da divisão colonial, que em 1899 decretou que a região integrava a então Guiana Britânica. Passados 67 anos, os venezuelanos assinaram um acordo com Londres a fim de negociar os limites territoriais, tornando posteriormente a Guiana independente.

Mas a Venezuela resolveu interferir, negando o acordo em curso com o caso sendo remetido para a Organização das Nações Unidas (ONU). Após décadas em que a discussão estava paralisada, ela foi retomada nos últimos anos após a descoberta de petróleo e gás na região marítima.