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Economia

Com renda pressionada, brasileiro busca crédito mais caro para consumo

Estudo da FGV aponta que cresceu procura por linhas como cartão de crédito e consignado, enquanto financiamento imobiliário estagnou.

O brasileiro passou a contrair um volume maior de dívidas para consumo rápido e com juros mais elevados entre 2016 e 2022. Neste período, o volume deste tipo de crédito cresceu em relação à economia, revelou um levantamento do Centro de Estudos de Microfinanças e Inclusão Financeira da FGV (FGVcemif). Em contrapartida, o volume de crédito imobiliário – aquele com juros mais baixos e considerado de maior qualidade – estagnou no período.

Quando comparado a outros países, o crédito para pessoas físicas voltado para o consumo encontrava-se em patamar bem elevado em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) em 2022, atingindo quase 23%, segundo o estudo da FGV (veja o gráfico abaixo).

Estas modalidades de crédito mais “emergenciais” incluem, principalmente, consignado, crédito pessoal, aquisição de veículos e cartão de crédito – estes dois últimos com as taxas de juros mais altas do mercado e com potencial maior que comprometer a renda.

Em março, os juros do rotativo do cartão de crédito no Brasil (quando o cliente atrasa o pagamento da fatura) estavam em 430% ao ano, segundo dados do Banco Central.

Consignado é mais barato, mas compromete renda

Mesmo o crédito consignado, que oferece um dos menores juros no crédito para pessoa física, “contribui para o comprometimento de renda devido a mudanças de regras, como aumento da margem consignável, que favorecem o superendividamento”, destacaram os autores do estudo Lauro Gonzalez, coordenador do FGVcemif, João Pedro Haddad, pesquisador, e Julio Leandro, professor do Mackenzie e pesquisador.

Em agosto do ano passado, o governo elevou o limite de renda que pode ser comprometido com o consignado para 40%, enquanto que para aposentados, esse limite passou a 45%.

Adobe Stock

No relatório da FGV, os pesquisadores avaliam que a busca por crédito de curto prazo reflete o baixo crescimento, estagnação e até contração da economia brasileira em anos recentes.

“Cai a participação do crédito de maior qualidade (imobiliário), associado a acúmulo de ativos, maior otimismo na economia e menor juros, e ganham espaço modalidades de consumo, tipicamente de maiores juros e que servem para mitigar perdas de renda”.

Lauro Gonzalez, João Pedro Haddad e Julio Leandro, da FGVcemif

Segundo a professora e economia do Insper Juliana Inhasz, a renda da população brasileira tem crescido muito pouco frente a um poder de compra cada vez mais pressionado pela inflação, o que explica a busca maior por crédito de curto prazo.

Por outro lado, ela destaca que o crédito de longo prazo, embora potencialmente mais barato, também está com taxas relativamente elevadas. Hoje, os juros do financiamento imobiliário estão em torno de 11% a 12% ao ano.

“A inflação ficou mais alta em um cenário no qual as pessoas estão com possibilidade de compra cada vez menor. Isso, por si só, tem feito com que as pessoas não consigam arcar com o que precisam no curto prazo”.

JULIANA INHASZ, PROFESSORA DO INSPER

Com crise, juros do crédito podem cair?

Segundo da professora do Insper, o cenário atual é de risco, com a economia brasileira sem crescer satisfatoriamente e dando sinais de preocupação constante com políticas que não são efetivadas, além de um cenário externo complicado, com bancos quebrando na economia americana.

“O endividamento elevado aqui pode levar a uma situação cada vez mais delicada, fazendo com que as políticas do governo eventualmente não deem certo, o que pode gerar um complicador daqui pra frente”.

Por outro lado, Juliana acrescenta que ainda existe uma esperança de que a taxa de juros caia ao longo do tempo e que os financiamentos fiquem mais baratos. “A expectativa é que essas quedas aconteçam agora no final do ano. Nesse aspecto, tem sido racional aguardar para fazer financiamento imobiliário”, destaca.

Uso de cartão de crédito no Brasil supera EUA

O estudo também revela que o volume de uso do cartão de crédito no Brasil em relação ao PIB saltou de 2,6% em 2012 para 5% em 2022, ultrapassando os Estados Unidos, que apresentaram queda neste volume nos últimos anos, caindo para 2,7% no ano passado. Entenda como são cobrados os juros do cartão.

“A expansão dos cartões de crédito propicia aumento de crédito de curtíssimo prazo, quando o cartão é utilizado essencialmente como meio de pagamento e a fatura é quitada por completo ou provoca aumento de crédito de prazos mais dilatados se pagamento não for quitado, caso no qual os juros são bastante elevados no Brasil”, explicou no estudo Gonzalez.

Quando se observa a participação do crédito imobiliário no endividamento das famílias, o cenário é bem diferente entre os dois países. Enquanto nos EUA essa proporção era de 70% em 2021 (último dado disponível), no Brasil era de apenas 37,2%. Ou seja, o restante (62,8%) das dívidas dos brasileiros está ligado ao consumo.

Os autores do levantamento defendem que o comprometimento de renda atrelado ao crédito para consumo é “extremamente elevado” no Brasil, “aumentando a fragilidade financeira das famílias, não representando avanços reais na inclusão financeira”. Segundo eles, ​​avanços na inclusão financeira demandam um crescimento do crédito considerado de maior qualidade, sobretudo imobiliário, para pessoa jurídica e microcrédito.


 

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