“O povo não compra dólar”, disse Lula na semana passada. O colunista Vinicius Torres Freire, da Folha de S.Paulo, rebateu de forma didática: “O povo não compra dólar, mas come dólar”. O exemplo mais batido é o do pão: 60% do nosso trigo é importado; logo, o preço do pão depende do preço do dólar – e ele subiu 16,5% desde janeiro.
A cotação internacional daquilo que a gente produz por aqui mesmo também conta, lógico. Com o dólar alto, quem produz café prefere exportar do que vender por aqui. A oferta de café rareia no mercado interno, e o preço sobe.
LEIA MAIS: O que fazer para o dólar baixar?
O comércio exterior não só flutua ao sabor do câmbio. Ele ajuda a determinar o câmbio. Quando a cotação de produtos que o Brasil exporta aos borbotões está caindo, o real desvaloriza. As exportadoras daqui recebem menos dólares. A oferta de dólar, então, rareia no mercado de câmbio. E o preço dele em reais aumenta.
Em parte, é o que acontece neste quarta (24), na qual o dólar ronda os R$ 5,65, depois de ter fechado em R$ 5,58 na terça. Uma das pressões para a alta foi a cotação do minério de ferro. Queda de 1,65% em Dalian, a US$ 106,5 – pior cotação desde o início de abril.
O problema aí é a economia chinesa. O mercado imobiliário segue em crise por lá. Depois de décadas levantando edifícios como se não houvesse amanhã, alimentadas por subsídios do governo, as construtoras se depararam com um fato da vida: o número de clientes em potencial não era infinito. As vendas caíram, os caixas secaram, falências vieram.
A construção civil responde tradicionalmente por 30% do consumo de aço da China. Com ela ferida, a demanda por aço vai para o buraco, e a cotação do minério, matéria-prima da coisa, cai junto. Como a China importa 60% do nosso minério, não há o que segure a cotação dele.
LEIA MAIS: China, pressão do governo e indenizações: entenda as pedras no sapato da Vale
Outra questão. A construção civil responde por 30% do PIB da China. Com ele em crise, o resto da economia vai junto.
“Mas o povo não vive na China”, alguém poderia dizer. Não vive; mas uma parte do povo vive de fazer coisas para a China. Ela importa 30% de tudo o que a gente vende para fora.
Com a economia chinesa capengando, o preço que eles pagam por tudo o que importam tende a diminuir. Aí entram menos dólares aqui dentro, a oferta rareia… Aquela história toda.
É claro, óbvio, que os dois grandes fatores que forçam o dólar para cima são outros. 1) O governo gastar muito mais do que arrecada e ter de se enfiar numa dívida cada vez mais brutal; no jargão econômico, a “questão fiscal” – algo que por si só tira força do real. 2) A inflação americana. Enquanto ela não ceder, o dólar seguirá pagando juros nababescos, e a demanda por moeda americana seguirá firme – o bastante para manter sua cotação bem ao norte dos R$ 5,00.
Mas a convalescência do dragão chinês também tem um papel nessa história. No mínimo, tão relevante quanto nos idos de 2011, quando a força das nossas exportações para a China reduziu o dólar a US$ 1,57 – o equivalente a R$ 2,33 de hoje.
Nunca subestime o Império do Meio.
Veja também
- Dólar acompanha exterior e fecha em baixa ante o real
- CEO do JPMorgan vai continuar no banco e não têm planos de participar do governo Trump
- Em dia de grandes expectativas, dólar à vista recua 1,21%, e fecha a R$5,6774 na venda; Ibovespa também cai
- Alta do dólar perde tração; bolsas americanas sobem com Trump; Ibovespa cai
- Perspectiva de reunião de Haddad com Lula em Brasília arrefece alta do dólar