Tem muita gente animada com a ideia de que o Banco Central poderá cortar a taxa de juros a partir do fim deste ano. Mas a verdade é que o Brasil ainda não está pronto para isso. Ao contrário: o BC não tem a intenção de reduzir os juros tão cedo, porque não tem o amparo de uma inflação sob controle para isso. Essa é a opinião de José Júlio Senna, doutor em economia e ex-diretor do Banco Central.

“O Banco Central não dá o menor sinal nessa direção [de corte de juros]”, afirma Senna em entrevista ao InvestNews. “Ele ainda é bastante insistente na necessidade de manter a política monetária restritiva por um período prolongado.”

O BC brasileiro decidiu manter a taxa de juros em 15% ao ano, no mesmo dia em que o Federal Reserve, o BC dos EUA, cortou os juros em 0,25 ponto percentual. Uma queda lá fora costuma dar espaço para uma flexibilização monetária por aqui. Portanto, a decisão do Fed ampara algumas apostas de que a Selic possa começar a cair já a partir do fim deste ano. Mas essa relação não é automática, lembra Senna.

“Muita gente faz uma ligação muito estreita entre o que acontece lá fora e o que acontece aqui. Essa ligação não existe, pelo menos não dessa forma”, diz. O ponto central é um só: a inflação, que ainda não está nem perto da meta de 3% ao ano. O último IPCA, divulgado no começo deste mês, mostrou uma inflação de 5,13% nos últimos 12 meses.

Outro tópico essencial no debate entre a atuação do BC brasileiro e o americano é que ambos têm mandatos diferentes.

O Fed tem um duplo mandato: controlar a inflação ao mesmo tempo em que garante emprego máximo. E lá, o emprego começou a fraquejar. Por aqui, a autoridade monetária tem o ritmo de preços da economia como grande norte. E essas projeções seguem bem acima da meta de inflação: o último boletim Focus, do BC, indica uma expectativa para o IPCA de 4,83% para 2025 e de 4,30% para 2026. Ambas acima da meta, de 3%.

Pelo relatório de projeções divulgado hoje pelo Fed, o chamado “dot plot”, duas quedas ainda devem acontecer até o fim do ano. Por aqui, isso “não deve sensibilizar o BC”.

Para o corte de juros acontecer aqui, a política monetária precisa andar junto com a política fiscal. A lógica é simples: gastos públicos podem ser inflacionários e, portanto, dar mais trabalho para a política monetária. O ex-diretor do BC é categórico em destacar os riscos na frente fiscal no Brasil hoje, que envolvem um volume alto de gastos em muitas frentes: precatórios, reembolsos após as fraudes no INSS, o novo crédito consignado para o setor privado e mais programas de transferência de renda do governo.

“O que precisa de fato é uma convergência maior entre as duas políticas”, afirma o ex-diretor. “O BC não tem como ceder, senão as expectativas para a inflação sobem e a própria inflação sobe junto.”

Com juro caindo lá fora e uma rodada de otimismo por aqui de que a Selic também possa seguir na mesma direção, os ativos brasileiros vêm disparando. O Ibovespa já sobe 21% ano ano até agora, enquanto o dólar marca uma queda de 14%.

Senna nota que é um movimento chama a atenção, mas não uma euforia que possa ser classificada como uma bolha. O importante mesmo é o fluxo estrangeiro que vem para o Brasil após o movimento do Fed. É isso que vai definir a continuidade do movimento positivo visto até agora.

A despeito de todas as questões locais, Senna destaca que tem coisas boas acontecendo no Brasil. A começar pelas expectativas de inflação, que, embora elevadas, vêm melhorando. Ao mesmo tempo, existem sinais concretos de desaceleração da economia que podem abrir espaço para um corte de juros mais à frente. “Mas resta a questão: tudo isso é muito bom, mas cada um desses fatores tem relevância à medida que tem efeito para a inflação, e não sabemos quando isso vai acontecer.”

O presidente do Fed, Jerome Powell, passa também por uma situação bastante sensível, com uma forte pressão do presidente americano, Donald Trump, para que a autoridade monetária corte os juros. Essa é uma história que o Brasil já viveu, mas está, hoje, no passado. “Gabriel Galípolo pensa rigorosamente como um bom banqueiro central, preocupado em cumprir a meta”, afirma.