Uma das primeiras preocupações que tomaram conta do mercado após a disparada dos preços do petróleo foi o possível efeito inflacionário e, consequentemente, o impacto nas decisões sobre taxas de juros, especialmente nos Estados Unidos e outras economias avançadas. No Brasil, no entanto, economistas apontam que é muito pouco provável que haja mudança no rumo da Selic.
A cotação do petróleo passou parte do dia em alta nesta quarta-feira (4). No dia anterior, a disparada foi de 6%, com o mercado reagindo ao corte inesperado de produção anunciado pela Organização dos Países Exportadores de Petróleo e seus aliados (Opep+).
O barril do Brent está rondando os US$ 85 nos últimos dias e o petróleo nos EUA, o WTI, perto de US$ 80. Mas, logo após o anúncio da Opep+, algumas previsões chegaram a apontar preços em US$ 100.
Petróleo em alta pode elevar o preço dos combustíveis e, assim, impactar a inflação. O provável efeito desse cenário seria uma postura ainda mais agressiva dos bancos centrais, especialmente o Federal Reserve (Fed), que segue em seu ciclo de aperto dos juros nos Estados Unidos para combater a inflação – mesmo em meio aos receios pela crise bancária e possibilidade de recessão.
Já no Brasil, segundo economistas, o espaço para mudança de planos do Banco Central por conta dos movimentos da Opep+ é menor. Alex Agostini, economista chefe da Austin Rating, comenta que, se de fato houver alta significativa dos combustíveis, “esse aumento se dará dentro do ano de 2023, (…) e o BC tem reiterado diversas vezes que o horizonte de tempo que ele está focando passou a ser 2024, até pelo efeito defasado da política monetária”.
“2023 já foi, dificilmente a gente vai conseguir reverter essa situação de preços. A não ser que, daqui até o final do ano, tenha uma reversão de cenário muito grande e os preços despenquem, em uma forte recessão – o que não está no radar”, diz Agostini.
Para 2024, o economista cita que diversos índices de inflação já têm dado “sinais de desaceleração”, motivo pelo qual ele mantém a previsão de queda da Selic, atualmente em 13,75% ao ano. “Tem alguns sinais que o deixam relativamente confortável para reduzir os juros a partir de junho.”
Rafael Pacheco, economista da Guide Investimentos, afirma que é preciso se atentar à cotação do petróleo que o BC está considerando em suas projeções de inflação. “Ele escreveu explicitamente que está usando um preço lá por volta de US$ 78, US$ 79 o barril para o final do ano. É um preço até um pouco abaixo do que a gente está hoje”, aponta.
Assim, qualquer mudança nos planos para a Selic baseada na cotação do petróleo viria de um cenário diferente desse. “Supondo que o preço continue subindo, passando de US$ 90, claro que vai ter algum impacto na inflação interna e isso entra no preço do Banco Central, nos seus modelos tanto de juros quanto de inflação, e isso, sim, poderia levar a uma prorrogação do ciclo de manutenção dos juros”, diz Pacheco.
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Mas o petróleo vai mesmo subir?
Apesar do susto inicial com os cortes da Opep+, não há um consenso firme no mercado de que a tendência para a cotação do petróleo seja de alta. Existem especulações e que o movimento dos países produtores tenha sido baseado na percepção de que a demanda por combustíveis deve cair em meio à fraqueza das principais economias.
“A Opep, sempre que cai muito o preço do petróleo, chega a bater US$ 80 ou abaixo disso, ela acaba fazendo alguma intervenção – corte de produção etc. Então tem dois lados. A demanda e a oferta”, explica Pacheco, da Guide.
“Quando a gente olha a oferta, ela é bastante definida pela Opep. Mas você tem o lado da demanda. Quando a gente olha para as economias globais, as principais economias (EUA, Europa), a situação da atividade econômica está bem ruim”, diz o economista. “E isso deve continuar mantendo o preço do petróleo em queda. Talvez não vá muito abaixo desses US$ 80, mas, pelo menos não vai, na nossa visão, seguir uma trajetória de alta novamente, pelo menos no longo prazo, até o final do ano.”
Na mesma linha, Eduardo Nishio, head de research da Genial investimentos, escreveu em relatório nesta terça que o impacto sobre a inflação de uma redução da oferta de petróleo no mercado deve ser minimizado pela demanda fraca. “A redução da oferta e aumento dos preços deverão levar a uma diminuição do crescimento da economia global, o que é desinflacionário. O efeito líquido é provavelmente positivo sobre a inflação, mas menor do que o efeito direto da redução da oferta da commodity”.
Jason Vieira, economista chefe da Infinity Asset, diz que, apenas com base no anúncio da Opep+ e no movimento do mercado nos últimos dois dias, não é possível fazer nenhum tipo de previsão (especialmente sobre um eventual impacto sobre a Selic). “Você precisa de tempo suficiente para que isso comece a afetar preços mesmo. Tem estoque, toda uma série de coisas que ficam no meio de caminho.”
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