Economia
‘Covid zero’ pode prejudicar planos econômicos do novo mandato de Xi Jinping
Para economistas, combate rígido ao coronavírus é ponto de atenção no 3º mandato do presidente da China.
O presidente da China, Xi Jinping, foi reconduzido no final de outubro ao seu terceiro mandato. Segundo economistas ouvidos pelo InvestNews, o novo governo, que vai durar por mais cinco anos, deve ser marcado pela ênfase doméstica, estratégia de poder no mundo e crescimento tecnológico, mas a política de incentivo à “covid zero” pode prejudicar os planos econômicos do líder chinês.
Em evento no início deste mês, Xi Jinping afirmou que o país irá compartilhar as oportunidades do grande mercado chinês com o mundo, modernizar o comércio de mercadorias, acelerar a construção de um mercado interno forte e praticar parceria transpacífica e acordos de economia digital.
Segundo o economista e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Vladimir Maciel, expectativas de continuidade da estratégia de aumentar o poder da China no mundo, controlar os anseios internos por maiores liberdades e qualidade de vida, aumentar a participação do mercado interno, crescimento da tecnologia incorporada nos produtos exportados, repressão a protestos e manifestações públicas e consolidação do poder pessoal de Xi Jinping no Partido Comunista estão entre as expectativas do que esperar do novo mandato do líder chinês.
Na mesma linha, Evandro Menezes de Carvalho, professor da FGV Direito Rio e coordenador do núcleo de estudos Brasil-China, também avalia que Xi Jinping deverá dar muita ênfase à economia doméstica, bem como dar continuidade à política de reforma e abertura para o comércio internacional.
Carvalho destaca ainda que o terceiro mandato de Xi Jinping dá mais poder ao líder, no sentido da legitimidade política, para conduzir todo esse processo de maneira mais centralizada, não deixando de mirar os resultados econômicos, mas que, no entanto, a política de “covid zero” é um empecilho.
“O comércio internacional da China com o mundo é fundamental, inclusive, para a sua economia doméstica. Então, o dinamismo da economia interna passa a ser muito importante para o governo chinês manter taxas de crescimento seguras para a continuidade da ampliação do mercado de trabalho no âmbito interno. Para isso, é preciso estimular o consumo, e a política de incentivo à ‘covid zero’ atrapalha”, diz Carvalho.
Política de ‘covid zero’
Em meio a lockdowns, testagens com frequências e quarentenas, a China vem mantendo uma abordagem de “covid zero” desde o início da pandemia.
No começo de novembro, o país reportou seu maior número de novas infecções por covid-19 em seis meses. A notícia veio dias depois de rumores de que o país asiático estaria flexibilizando seu protocolo sanitário radial contra o vírus. O governo local refutou a informação.
Ariane Benedito, economista e especialista em mercados de capitais, explica que Xi Jinping é muito assíduo à política de “covid zero” e que isso pode impactar seu governo e demais economias.
“Se houver aumento de casos, isso pode causar um retorno do fechamento da economia chinesa, impactando todo o acordo comercial da China com o mundo, em especial com o Brasil, que tem uma parcela grande dos acordos. Com o fechamento da economia chinesa, é esperada uma diminuição do nível de atividade, de consumo, sendo muito ruim para as economias no geral”, afirma Benedito.
Carvalho acredita que a política de “covid zero” não continuará com o rigor atual no país, mas que, eventualmente, poderá haver situações em que seja necessária maior rigidez, como em surto epidêmico em alguma cidade.
“O combate à covid tem sido também prioridade do governo, pois, nesse discurso que preserva a vida chinesa, Xi Jinping mostra para o público interno e internacional que, de fato, tem como prioridade a vida das pessoas e que elas estão no centro das políticas públicas. Isso é uma forma de o governo chinês mostrar a sua legitimidade e a eficiência do seus sistema político. Acaba sendo uma espécie de trunfo para o governo chinês”, explica Carvalho.
Outros pontos de atenção
Relações internacionais
Maciel, do Mackenzie, acredita, com o novo mandato, na manutenção da estratégia do poder por meio dos investimentos estrangeiros diretos em outros países e a diplomacia a favor dos acordos e tratados comerciais. Ele destaca, no entanto, dois pontos de atritos no sentido contrário: as questões territoriais do Mar da China, que passam por Taiwan, e o avanço cada vez maior sobre a autonomia relativa de Hong Kong.
Carvalho também aponta que a tensão nas relações entre Estados Unidos e China, não só econômicas, mas também políticas, é um outro ponto de atenção, já que pode definir os rumos da economia mundial, bem como o posicionamento do país asiático em relação à guerra entre Rússia e Ucrânia.
“Essa reeleição do Xi Jinping aumenta a relevância da China e o protagonismo no sistema internacional mais complexo, difícil e com mais conflitos, apesar de o país ter assumido uma postura explícita em defesa do multilateralismo”, afirma o professor da FGV.
Estímulos ao mercado interno
Maciel defende que haverá continuidade da estratégia dos últimos anos de avançar na consolidação do mercado interno como um direcionador mais forte do crescimento chinês e diminuir o peso do mercado externo em um mundo que sai da covid-19 mais protecionista.
O professor da FGV, Evandro Carvalho, lembra que há uma preocupação de haver uma regulação da economia que permita o desenvolvimento de prosperidade comum, de evitar o abuso de posição dominante de algumas empresas privadas, a concentração de atividades nas mãos de algumas empresas, sobretudo de tecnologia, bem como preocupações com infraestrutura, que não deve continuar com os estímulos anteriores, fazendo empresas buscarem mercados fora da China.
China continuará crescendo?
O Produto Interno Bruto (PIB) da China cresceu 3,9% no terceiro trimestre em relação ao mesmo período do ano passado. No trimestre imediatamente anterior, o crescimento da economia chinesa foi de 0,4%.
Entre as metas anunciadas no 14º Plano Quinquenal (2021-2025), o país asiático estabeleceu crescimento econômico em cerca de 5,5% em 2022.
Maciel avalia que, no novo mandato de Xi Jinping, o crescimento do país ainda será positivo e significativo, mas com maior moderação, buscando lidar com os desequilíbrios que foram gerados na última década e aumentando a influência do mercado interno. Ele alerta, no entanto, que a própria política de “covid zero” impacta o ritmo de crescimento.
Maciel pontua também que metade da população ainda está na China rural e de baixa produtividade e que incorporar essas milhões de pessoas em uma economia de mercado, sem gerar uma pressão enorme por recursos e os desequilíbrios decorrentes, é ainda o grande desafio.
Já Evandro Menezes de Carvalho, professor da FGV, estima que o crescimento econômico da China deve se manter entre 4% e 4,5% após a fase mais aguda da politica de “covid zero” no país, podendo tentar alcançar o crescimento de 5%.
Carvalho explica que a China tem uma infraestrutura muito boa para desenvolver seu mercado interno, já que, atualmente, o país conta com 400 milhões de pessoas na faixa de renda média e a estimativa do governo chinês é dobrar essa população até 2035.
“O país tem uma população cada vez mais educada, que vive em cidade com infraestrutura espetacular. A logística dos portos é muito avançada. O governo atual, com a força que tem, provavelmente, terá condições de fazer esse sistema econômico chinês funcionar a todo vapor tão logo as condições permitam”, avalia o professor da FGV.
Para Carvalho, além da pandemia, estão entre os principais desafios para a economia chinesa a relação com os Estado Unidos, a crise econômica internacional, a questão imobiliária do país e o consumo interno, no sentido de a população dinamizar a economia interna e criar estímulos para o crescimento.
Relação Brasil e China
A China é o principal parceiro comercial do Brasil. Segundo o Ministério da Economia, no ano passado, o país asiático foi responsável por 31,28% das exportações brasileiras e 21,72% das importações do Brasil.
Para Carvalho, com o novo mandato de Xi Jinping, a relação entre China e Brasil dependerá mais do Brasil do que do país asiático.
“A China está em busca de novos fornecedores de soja e do aumento da sua produção de produtos que possam substituir outro dos quais ela importa do Brasil. A balança comercial é favorável, muito boa para o Brasil, mas nosso país continua exportando commodities e importando da China uma variedade de produtos com alto valor agregado. Isso precisa ser revisto, mas a partir de uma política não só de industrialização, mas de precificação do desenvolvimento de sua tecnologia para competir com os produtos chineses”, explica o professor do Mackenzie.
Maciel defende que o Brasil precisa ter um governo que olhe, converse e dialogue com o setor empresarial para poder desenvolver produtos que possam competir no mercado internacional e diversificar produtos que não sejam só commodities. E, para isso, o professor avalia que o Brasil pode aumentar parcerias com a China no setor de tecnologia.
“A China está assumindo posição de liderança em diversos setores e inovação. Então, o Brasil poderia aumentar as cooperações com o país na área de inovação, tecnologia, inteligência artificial, Big Data e aproveitar que o país asiático está na fronteira de vários desses temas. Com isso, gerar oportunidades de negócios para o Brasil no mundo e também negócios do Brasil na China. Há possibilidades imensas, inclusive de aumentar um intercâmbio cultural, acadêmico e em outras áreas também”, defende Maciel.
O professor do Mackenzie aponta ainda que a China pode ser também um parceiro fundamental no desenvolvimento da economia verde, por ter interesse em investimentos na energia eólica e solar, o que pode fazer, de acordo com Maciel, que o Brasil ganhe muito com isso.
Relação da China com governo Lula
Em mensagem a Luiz Inácio Lula da Silva parabenizando-o pela vitória na eleição presidencial, Xi Jiping disse estar disposto a trabalhar com Lula para elevar, a partir de uma visão estratégica de longo prazo, a parceria entre as duas nações, de forma a trazer benefícios a ambos os países e seus povos.
Patricia Krause, economista da Coface, avalia que, apesar de o Brasil ter um novo presidente a partir de 2023, as relações entre os líderes não devem mudar muita coisa economicamente, pois, mesmo em momento de atrito, ela se manteve forte, com fluxo de comércio e investimentos diretos que continuaram e crescendo.
Impacto negativo para investimentos no Brasil
Régis Chinchila, analista da Terra Investimentos, considera que o novo mandato de Xi Jinping não trará impactos positivos nos investimentos no Brasil. De acordo com o analista, não está claro se Xi Jinping está realmente focado em retomar a economia do país ou adotar medidas que aumentem ainda mais o seu poder.
“O novo mandato tem impacto negativo em investimentos no Brasil, que são dependentes da demanda chinesa por produtos e insumos brasileiros. Como a economia da China está desacelerando cada vez mais e o presidente do país não demonstra colocar isso como uma das suas prioridades, a perspectiva se torna muito incerta”, diz Chinchila.
Já a economista e especialista em mercado de capitais Ariane Benedito diz que Xi Jinping priorizou no seu discurso, ao assumir o terceiro mandato, o crescimento do país com base no consumo das famílias, com mais investimentos em infraestrutura e empreendimentos imobiliários. Benedito explica que a China já faz há décadas investimentos no setor imobiliário, em infraestrutura, o que fomenta e destaca o país no consumo de minério de ferro, aço e outras commodities das quais o Brasil exporta muito para o país asiático.
“Se for consolidada essa movimentação, no sentido de aquecimento da atividade econômica chinesa por via de infraestrutura, isso vai ser muito benéfico para o nosso país, com a exportação dessas commodities ligadas a infraestrutura”, diz a economista.
Benedito aponta ainda que o líder chinês também fala do aumento do consumo das famílias de forma qualitativa, ou seja, melhorando a qualidade de vida da população, possibilidade que pode ser vista refletida no setor de agronegócio, com a melhora de vida dos chineses começando pelas necessidades básicas, como alimentação.
“Há uma década, a gente vê que a própria alimentação do chinês mudou, o que foi o principal driver de potencializar a exportação de soja do Brasil para China, entre outras commodities, como trigo, milho, cevada”, lembra Benedito.
Ações impactadas com novo mandato de Xi Jinping
O mercado financeiro reagiu negativamente à recondução do líder chinês ao cargo. No primeiro dia útil após ao anúncio, o índice Hang Seng de Hong Kong caiu mais de 6%, com ações recuando para mínimas de 13 anos, e o iuan onshore despencou para o nível mais fraco em quase 15 anos, com preocupações de que o crescimento do país será sacrificado por políticas orientadas pela ideologia. Ações do setor de tecnologia figuraram entre as maiores perdas do mercado chinês.
O ETF XINA11, que replica o índice MSCI China, que tem na sua composição companhias de grande e médio porte que são listadas em todos os mercados da China, também teve dia negativo, registrando seu segundo maior recuo histórico.
Quando observado o mercado de ações brasileiro, a especialista em mercado de capitais Ariane Benedito afirma que não deve haver grandes mudanças em quais empresas podem se beneficiar mais do que as que já se observa atualmente, mas com possíveis mais chances para empresas do setor de agronegócio.
“Entre as 10 maiores empresas exportadoras para China, temos Vale (VALE3), Petrobras (PETR3, PETR4), Suzano (SUZB3), JBS (JBSS3) e CSN Mineração (CMIN3). São companhias ligadas a commodities e que serão beneficiadas por essas condições de mercado chinês. Outra questão diferente que Xi Jinping traz na sua fala é a responsabilidade socioambiental. Se a China defende essa causa e vai se enquadrar nela, abre mais espaço para o agronegócio”, diz Benedito.
A especialista destaca ainda que, se os investimentos em infraestrutura e imobiliários continuarem por parte do governo chinês, commodities ligadas ao setor voltarão ao “jogo”, com empresas do setor ganhando mais espaço.
Chinchila, da Terra Investimentos, destaca, no entanto, que, se considerar a retração econômica da China, a princípio, não existem empresas no Brasil que possam ser beneficiadas. Segundo o analista, já olhando para o ambiente internacional, as únicas companhias que poderiam ser favorecidas nesse contexto seriam as empresas de alta tecnologia dos Estados Unidos, pois, em alguns casos específicos, como as redes sociais ou e-commerce, essas empresas competem entre si.
Por outro lado, quando analisados os setores que mais se prejudicam com o movimento lento de recuperação da China estão, segundo Chinchila: os frigoríficos, tendo em vista que o mercado consumidor de alimentos processados é grande no país asiático e as empresas são altamente expostas a esse; as petrolíferas, que dependem da demanda chinesa por combustíveis para alavancar suas margens com o alto preço da commodity; e as mineradoras, que já apresentam resultados desfavoráveis com os preços do minério caindo nos últimos meses.
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