O economista Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central, costuma dizer que, no futuro, caberá aos psicólogos e sociólogos explicar a relação do ministro da Economia, Paulo Guedes, com o presidente Jair Bolsonaro.
Amigo de Guedes e liberal como ele, Franco expõe com fina ironia o enigma que cerca a permanência do ministro no cargo, em meio às rasteiras em série que leva do chefe.
Para quem acompanha a relação de Guedes com o presidente, é difícil entender o que o leva a manter o seu “casamento hétero” com Bolsonaro, enquanto muitos de seus auxiliares já deixaram o governo, seja por terem se desapontado com o rumo das coisas, seja porque foram defenestrados por ordem do “capitão”.
Verniz liberal
De “Posto Ipiranga” e “superministro” da Economia, que pretendia dar um “banho” de liberalismo no Brasil, Guedes se transformou em avalista de medidas populistas e eleitoreiras que vão contra tudo o que sempre pregou ao longo de sua trajetória profissional.
Embora Bolsonaro alterne suas bordoadas com afagos ocasionais, Guedes se tornou na prática uma espécie de “troféu” que o presidente preserva na Esplanada dos Ministérios, para tentar manter acesa a chama do liberalismo, que ele simboliza, de olho no apoio dos liberais – ou de uma parte deles, cada vez menor – nas eleições de 2022.
Muitas das propostas anunciadas por Guedes na campanha de 2018, que deram a Bolsonaro um verniz liberal e lhe renderam votos preciosos, não saíram do papel ou foram desfiguradas por determinação do presidente.
A violação do teto de gastos, para viabilizar o pagamento de R$ 400 por mês aos beneficiários do programa Auxílio Brasil, que deverá suceder o Bolsa Família, é apenas o exemplo mais recente dos sapos que ele teve de engolir desde o início do governo.
Foi assim também na reforma da Previdência, quando Bolsonaro manteve os privilégios dos militares; na proposta de reforma administrativa encaminhada ao Congresso, que preservou a estabilidade dos atuais servidores; nas privatizações, que não deslancharam; e na abertura econômica, torpedeada pela indústria com apoio do Planalto, entre outros casos do gênero.
Para completar o quadro, o presidente ainda decidiu recriar o Ministério do Trabalho e da Previdência, que havia sido incorporado à pasta da Economia no início da atual gestão, para acomodar interesses políticos.
Hoje, a margem de manobra de Guedes e o seu poder se estreitaram dramaticamente. Alguns analistas chegam a comparar o papel que desempenha ao que foi exercido pelo general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde – aquele que afirmou numa live com Bolsonaro que “um manda e o outro obedece”.
Zumbi
Outros passaram a se referir a Guedes como “o ministro da semana que vem”, por prometer mundos e fundos e não conseguir levar adiante muitos de seus planos, por oposição de Bolsonaro, cujas decisões são influenciadas por uma espécie de “gabinete paralelo” que atua na economia, formado por um grupo de “conselheiros” de seu círculo mais próximo. “O Paulo Guedes começou como ‘posto Ipiranga’, mas o Bolsonaro nunca lhe deu combustível”, ironiza o economista Antônio Delfim Netto, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento e da Agricultura.
Até entre os liberais, que o tinham como guru, Guedes se tornou alvo de comentários jocosos. “Ele virou um zumbi”, afirma um representante dos Chicago Oldies, como é chamada a velha guarda de economistas do País formados na Escola de Chicago, o templo do liberalismo global, na qual Guedes, de 72 anos, também estudou.
Surpreendentemente, para os que lhe são próximos, só Guedes não vê que o seu “prazo de validade” venceu e que não tem muito mais a fazer no governo, sem continuar a passar vexame e a ser desgastado por Bolsonaro.
Aos que lhe perguntam por que se presta a isso, o ministro diz acreditar que ainda pode, de alguma forma, influenciar o governo, na linha do “ruim comigo, pior ‘sem migo'”. Mas, nas atuais circunstâncias, o mais provável é que até para fazer o mínimo seja complicado.
Se Guedes chegar mesmo ao fim do governo, como diz ser sua intenção, é alta a probabilidade de que tenha de fazer novas concessões, arranhando ainda mais a sua biografia. Será um fim doloroso para quem fez sua fama como um arauto do liberalismo e falava com empolgação sobre os efeitos positivos que seus planos teriam para o Brasil.
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