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Economia

Desafios do governo Lula vão além de teto de gastos e reforma tributária

Na visão de analistas, o novo governo terá de enfrentar entraves na área econômica que vão bem além da questão fiscal.

Prédio do Congresso Nacional em Brasília 25/05/2017 REUTERS/Paulo Whitaker

Ao assumir em 1.º de janeiro de 2023, o governo Lula vai ter de lidar com inúmeros problemas econômicos e terá pouco tempo para solucionar cada um deles sem que haja uma piora de expectativas dos agentes econômicos com o Brasil. Para economistas consultados pelo jornal O Estado de S. Paulo, a prioridade é resolver o nó das contas públicas e mostrar um caminho para os investidores de credibilidade fiscal, ou seja, de que o País vai ser capaz de controlar o seu endividamento no médio e no longo prazos.

“Todos os esforços deveriam estar voltados para resolver questões urgentes, para que o juro real caia no País e impeça que a trajetória da dívida fique insustentável”, diz Solange Srour, economista-chefe do banco Credit Suisse.

Durante a campanha, Lula afirmou que vai acabar com o teto de gastos, a regra fiscal que limita o crescimento das despesas à inflação do ano anterior, mas ainda não indicou qual será a sua âncora fiscal.

Outro problema: a equipe econômica do petista vai lidar com um orçamento considerado irreal em 2023. A proposta enviada pelo governo Jair Bolsonaro ao Congresso Nacional não contempla, por exemplo, o pagamento de um Auxílio Brasil de R$ 600 (promessa de campanha tanto de Lula quanto de Bolsonaro), mas de R$ 405.

Para dar conta de pagar um auxílio mais robusto, além de cumprir outras promessas de campanha, como o reajuste real do salário mínimo, a equipe do presidente eleito pode enviar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição para aumentar os gastos sem que eles estejam sujeitos ao teto.

Outra opção avaliada por integrantes do PT é abrir um crédito extraordinário. Ministros do Tribunal de Contas da União (TCU) veem precedente para o uso de crédito extraordinário para programas que já estão em curso.

Demanda de servidores

“Há um Orçamento completamente desconectado da realidade”, afirma Alessandra Ribeiro, sócia e economista da consultoria Tendências. “Estão falando de (ampliar) gastos sociais, mas tenho receio em relação a outros gastos. Um deles é o reajuste do funcionalismo público.”

Sem uma clareza sobre o rumo das contas públicas, os analistas alertam que pode haver uma piora da percepção de risco dos investidores com a economia brasileira. Nesse cenário, haveria uma fuga de capitais do País, com impactos direto no câmbio, desembocando em mais inflação.

“O governo precisa controlar as demandas por mais gastos e reestruturar as novas regras fiscais para que tenhamos maior previsibilidade”, afirma Rafaela Vitória, economista-chefe do banco Inter. “Sem âncora fiscal, o prêmio de juros continuará elevado e a inflação em risco. A prioridade no início de governo é garantir que a inflação seguirá em queda, o que trará alívio para as famílias e permitirá juros menores e crescimento nos anos seguintes”, acrescenta Rafaela.

Reforma tributária

Um outro ponto de partida importante para o novo governo, de acordo com os economistas, será aproveitar o capital político de início de mandato para aprovar uma reforma tributária.

“O mais fundamental é aprovar a reforma dos impostos indiretos”, afirma Samuel Pessôa, pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV). “É um item muito importante para gerar ganhos de produtividade.”

Na campanha eleitoral, Geraldo Alckmin (PSB), agora vice-presidente eleito, indicou que um dos pontos primordiais de uma reforma tributária seria a criação de um Imposto sobre Valor Agregado (IVA), reunindo Cofins, PIS, ICMS e ISS. “Uma reforma (tributária) pode ter um efeito muito grande e positivo nas expectativas”, diz Alessandra.

Também será preciso que o novo governo brasileiro consiga retomar o diálogo com os principais países, sobretudo na área ambiental. Um passo importante será dado nos próximos dias, quando Lula deverá participar da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2022 (COP 27), que ocorrerá entre 6 e 18 de novembro no Egito.

“Eu acho que o Brasil tem um grande potencial para se tornar um dos melhores países em termos de clima – as pessoas gostam de dizer que o País é uma potência verde”, afirma José Alexandre Scheinkman, professor da Universidade de Columbia. “Acho que, ao mesmo tempo que vai trazer uma melhora do humor do mundo com relação ao Brasil, pode ajudar em investimentos.”

Obras e Habitação

A equipe do presidente eleito avalia pedir ao Congresso uma “licença” para gastar de R$ 25 bilhões a R$ 30 bilhões fora do teto de gastos públicos em infraestrutura e habitação no próximo ano.

De acordo com pessoas que participam da elaboração da chamada Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, o governo eleito quer dobrar o volume de investimentos previsto atualmente no Orçamento de 2023 para deixar marcas logo no primeiro ano de mandato. O valor final ainda não foi definido, e é motivo de debate na equipe do petista.

O projeto de Orçamento de 2023, enviado em agosto pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), prevê R$ 22,4 bilhões para investimentos federais no ano que vem – o menor valor da história. O governo atual cortou os investimentos para reservar recursos ao orçamento secreto, modalidade de destinação de verbas sem critérios técnicos ou mesmo vínculos com políticas públicas, como mostrou o Estadão. Os investimentos destinados ao Ministério da Infraestrutura representam apenas R$ 4,7 bilhões, 21% do total.

A PEC começou a ser articulada pela equipe de transição para bancar gastos com programas que os petistas classificam como prioritários, incluindo o Auxílio Brasil de R$ 600, que será rebatizado de Bolsa Família. O valor total dessa licença pode chegar a R$ 200 bilhões. No mercado financeiro, a PEC causou preocupação porque está sendo negociada sem que o novo ministro da área econômica tenha sido anunciado por Lula e por abrir uma margem para gastos permanentes.

“O presidente tem um conjunto de ações que dependem de investimentos. Para o programa Minha Casa, Minha Vida, precisa de investimentos e tem apenas R$ 34 milhões para o Brasil inteiro. E, assim, (também) outros investimentos com obras paralisadas”, disse o senador eleito Wellington Dias (PT-PI), escalado por Lula para negociar a votação do Orçamento de 2023 com o Congresso.

‘Cheque em branco’

Articuladores do futuro presidente dizem que a proposta é essencial para aumentar o orçamento do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), retomar obras paralisadas e reforçar os recursos do Minha Casa, Minha Casa – que no governo Bolsonaro recebeu o nome de Casa Verde e Amarela. “A preocupação é não ter interrupção de serviços públicos e paralisação de obras”, afirmou o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin.

A PEC deve estabelecer programas e ações que ficarão fora do teto em 2023. Dirigentes do Congresso cobram da equipe de transição a definição de um valor para evitar um “cheque em branco” ao novo governo.

Os desafios para o governo Lula

Lula
Lula dá entrevista coletiva em São Paulo. 01/10/2022 REUTERS/Carla Carniel 

O novo governo que assume em 1.º de janeiro terá de enfrentar entraves na área econômica que vão bem além da questão fiscal, na avaliação de analistas ouvidos pelo jornal O Estado de S. Paulo. A economia que espera o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva já mostra sinais de desaceleração, taxa de juros alta, inflação ainda elevada e uma produtividade que não cresce há cerca de dez anos. E, para piorar, a economia internacional também enfrenta um cenário difícil. A tendência, dizem os especialistas, é que esse panorama faça a “lua de mel” de Lula ser curta quando comparada à de outros governos.

Antes mesmo das eleições, os economistas já vinham projetando uma desaceleração brusca para 2023. Enquanto neste ano o PIB deve avançar ao redor de 2,75%, para o ano que vem é esperado um crescimento entre 0,5% e 1%. Se ficar nesse patamar, será o pior resultado desde 2016, excetuando 2020, cuja atividade foi impactada pela pandemia.

“A desaceleração já está encomendada, e a responsabilidade vai cair nas costas do novo presidente. É meio que dado que a lua de mel vai ser curtíssima. Normalmente, ela dura de três a quatro trimestres passadas as eleições. Não vai durar isso com esse quadro de polarização e desaceleração”, diz o economista Braulio Borges, da LCA Consultores.

A economista Zeina Latif vai na mesma linha: “Não é que vamos para um quadro de colapso, mas terá uma arrumação na economia. A população em geral não sabe disso e pode dizer que (a desaceleração) é culpa do Lula. Será importante esse balanço ser feito (pelo novo governo) e cuidar da comunicação.”

Segundo Zeina, o quadro é mais difícil agora do que o enfrentado por Jair Bolsonaro em 2019, quando a situação fiscal estava encaminhada e a taxa básica de juros, a Selic, encontrava-se em patamar baixo. No início do governo Bolsonaro, a taxa era de 4,5%; hoje, está em 13,75%.

Na comparação com o primeiro governo de Lula, o cenário também é tido como mais delicado. Apesar de 2002 ter terminado com uma inflação de 12,5% e com uma Selic de 25%, a situação fiscal era mais controlada e o cenário internacional mais favorável, com o superciclo das commodities dando seus primeiros sinais.

“O desafio do novo governo não é só digerir a herança fiscal (do governo Bolsonaro), mas trazer o crescimento sustentado de volta quando o mundo está entrando em recessão. Tem uma herança maldita não só na área fiscal, mas na ambiental e na de resultados econômicos e sociais”, diz o economista José Roberto Mendonça de Barros, da MB Associados.

Ele destaca que foi feito um “embelezamento” nos indicadores econômicos no último ano. Isso porque a relação dívida/PIB caiu em parte devido à inflação. Também por conta do aumento do preço das commodities, que ajudou o PIB brasileiro no início de 2022, e à postergação de gastos para 2023.

Com Agência Estado

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