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Economia

Economia palestina definhando: projeção já era sombria antes de nova guerra

Restrições israelenses vão continuar a impedir a atividade econômica palestina e manter população vulnerável, diz Banco Mundial.

Segundo o Banco Mundial, a economia palestina deve definhar sob as restrições israelenses, que incluem o fechamento de fronteiras, a limitação total ou parcial de exportações, importações, comércio, câmbio, alimentos, água, energia, combustível, entre outros pontos sensíveis à sobrevivência dos palestinos. Mas o relatório é do final de setembro, dias antes do ataque de Hamas contra Israel – ou seja, a expectativa para a atividade local já era sombria antes mesmo da eclosão da nova guerra.

Dos quase cinco milhões de palestinos que vivem nos territórios de Cisjordânia e Gaza, mais de 2 milhões vivem nesta última, em uma faixa com comprimento de 41 quilômetros e largura entre 6 e 12 quilômetros de largura. A Faixa de Gaza fica espremida entre Israel, Egito e o Mar Mediterrâneo, e é descrita por grupos de direitos humanos como o território com “a maior prisão a céu aberto do mundo”.

Arte: Pedro Scavoni

Há anos que a super população empobrecida vem sendo estrangulada pelas restrições severas de Israel à economia e aos direitos de ir e vir dos cidadãos, estando 80% destes abaixo da linha da pobreza e completamente dependentes de ajudas humanitárias, segundo a Organização dos Direitos Humanos (ONU) e o Banco Mundial. E isso se dá pela disputa quanto à divisão do território controlado hoje pelo Hamas, facção que é considerada braço político para uns e grupo terrorista para outros.

O grupo islâmico usa a via armada para lutar contra a ocupação israelense, assim como toda a forma de governo direto ou indireto de Israel em território palestino. A questão é que no meio dessa artilharia estão os habitantes da região que, quando sobrevivem aos ataques, vivem em situação precária, resultado de uma economia quase fechada em Gaza. E segundo relatórios da ONU e do Banco Mundial, isso se dá pelas restrições de circulação e acesso impostas pelo país liderado pelo premiê israelense, Benjamin Netanyahu. 

“No cenário base, espera-se que a economia palestina continue a definhar sob o sistema multifacetado de restrições israelenses ao acesso ao movimento e ao comércio na Cisjordânia, além do quase bloqueio de Gaza”,

Banco Mundial em trecho do relatório de Monitoramento Econômico Palestino

Ainda segundo o órgão, as restrições israelenses continuarão a impedir a atividade econômica e a desencorajar o desenvolvimento do setor privado, impedindo a economia palestina de atingir o seu potencial. Como solução é apresentada a remoção ou redução significativa das restrições por parte de Israel, sendo isso considerado como um pré requisito vital, segundo relatório, cujo título é sugestivo: “corrida contra o tempo”. 

Soldados de Israel patrulham área perto da fronteira com Gaza 19/10/2023 REUTERS/Amir Cohen

O contexto econômico na Cisjordânia e Gaza – dois territórios ocupados por palestinos e também por assentamentos israelenses no caso do primeiro — continua a ser marcado por elevados riscos, levando a taxas de pobreza elevadas, segundo o Banco Mundial.

Entre eles está o fato de esses assentamentos continuarem a se expandir por toda a Cisjordânia. Nos últimos 20 anos, a população de colonos israelenses mais que dobrou, para mais de 500 mil pessoas, segundo a Oxfam Brasil. E isso resultou no confisco de terras e recursos naturais palestinos.

De acordo com o Banco Mundial, as restrições de acesso dos palestinos à Área C – os mais de 60% de território local que está sob controle total do governo de Israel e onde a maioria dos assentamentos está localizado – custa à economia palestina cerca de US$ 3,4 bilhões por ano.

Palestinos se reúnem em busca de água em Khan Younis 15/10/2023 REUTERS/Mohammed Salem

Além dos poucos recursos naturais disponíveis na área, com dois terços da eletricidade consumida sendo fornecida por Israel, a região depende da passagem de combustível por território israelense. Não diferente acontece com o fornecimento de água, mas com um agravante: boa parte das fontes locais está poluída por falta de infraestrutura de esgoto. E com o recente ataque terrorista do Hamas, Israel cortou o fornecimento de eletricidade, água, combustível e comida para a população.

Raio-x da economia palestina

A questão é que esse embate permanece há anos, e faz pelo menos sete décadas que a proposta de criação de dois Estados — um judeu e um árabe — não se concretiza.

Mesmo com os desafios humanitários, a economia palestina registrou um crescimento anual do seu Produto Interno Bruto (PIB) real de 3,9% em 2022, em um movimento de tentativa de recuperação após a forte retração de 11,03% em 2020 devido à pandemia. Mas dados preliminares para o 1º trimestre de 2023 indicam que o crescimento vem desacelerando no ano para 3,1%, e isso sem levar em conta os recentes ataques.

Fonte: Banco Mundial | Arte: Pedro Scavoni

O crescimento positivo para o PIB até então é justificado pelo consumo, que foi impulsionado por um aumento no número de palestinos que trabalham em Israel e nos assentamentos judaicos, onde os trabalhadores ganham mais que o dobro do salário médio diário na Cisjordânia — outro território palestino, maior e mais populoso, mas que permanece sob ocupação militar direta de Israel. 

Entretanto, as restrições sistêmicas impostas pelo governo israelense devem continuar a limitar a atividade econômica, especialmente em Gaza, onde a economia contraiu 2,6% no primeiro trimestre de 2023, de acordo com dados do Bureau Central de Estatísticas Palestino (PCBS).

Isso se deve em grande parte ao declínio do setor agrícola, florestal e pesqueiro, que encolheu em quase 30% após uma decisão do governo israelense restringir a venda de peixe de Gaza na Cisjordânia em agosto do ano passado, de acordo com o Banco Mundial.

Por outro lado, na Cisjordânia, a economia cresceu 4,3% no primeiro trimestre de 2023, graças ao crescimento do comércio varejista e serviços.

Desemprego é maior em Gaza

Condições de trabalho desfavoráveis ​​e baixos salários também são uma dura realidade na região. No final de 2022, a taxa de desemprego nos territórios era de 24,4%, dois pontos percentuais abaixo do ano anterior. No 2º trimestre deste ano, a taxa subiu para 24,7%, puxada por Gaza, já que há uma divergência no desemprego quando comparado a Cisjordânia. E isso se deve às maiores restrições ao acesso e circulação impostas por Israel.

Ataque israelense na Faixa de Gaza 22/10/2023 REUTERS/Mohammed Salem

Em Gaza, os números são bastante alarmantes, com quase metade (45,3%) de sua população desempregada. Já na Cisjordânia essa taxa é de 13,1%, segundo o Banco Mundial.

E desemprego leva à pobreza. As últimas estimativas indicam que a taxa de pobreza em território palestino atingiu seu pico em 2020 devido à pandemia e, mesmo caindo ligeiramente, ainda se mantém alta.

O Banco Mundial aponta que cerca de 1,25 milhão de palestinos de Gaza vivem abaixo da linha da pobreza. Mas na Cisjordânia, as taxas são mais baixas do que seu vizinho. E isso se deve ao crescente número de assentamentos israelenses na região. Estes são reconhecidos pela comunidade internacional como uma violação da lei internacional e um obstáculo central à paz. Segundo a Oxfam Brasil, o impacto negativo dos assentamentos israelenses nas vidas e subsistência dos negócios palestinos é visível.

“Esses assentamentos são uma das principais causas da pobreza e da negação dos direitos palestinos”.

Oxfam brasil

Ainda segundo a Oxfam, o aumento da população de colonos ameaça a viabilidade de um futuro Estado palestino.

Impactos da crise no sistema de saúde

Já o Banco Mundial alerta que tanto os assentamentos como as restrições impostas por Israel dificultam até mesmo o sistema de saúde local, que fica sem receber recursos e vê seus custos aumentar com a crescente carga de doenças e de colonos israelenses que utilizam os hospitais locais, já superlotados das vítimas dos ataques aéreos. 

Pelo menos 5.087 palestinos foram mortos em ataques israelenses desde 7 de outubro, incluindo 2.055 crianças, segundo informou o Ministério da Saúde de Gaza em 22 de outubro, acrescentando que 15.273 ficaram feridos.

Há também 130 bebês recém-nascidos em incubadoras elétricas em toda a Faixa de Gaza e, segundo declaração de Nasser Bulbul, do hospital Al-Shifa, à agência Reuters, eles podem morrer em minutos se suas incubadoras ficarem sem energia no enclave palestino sob cerco israelense.

Bebê palestino prematuro em incubadora do hospital Shifa, na Cidade de Gaza 22/10/2023 REUTERS/Mohammed Al-Masri

Desde 2015, quase 90 mil casos de internações por ano foram encaminhados de unidades de saúde públicas para hospitais privados ou administrados por ONGs em Jerusalém Oriental, Cisjordânia, Gaza ou Israel, resultando em um encargo financeiro médio anual de cerca de US$ 250 milhões. E segundo o Banco Mundial, o montante equivale a um terço das despesas anuais com saúde ou cerca de 1,3% do PIB de 2022. Porém, há mais US$ 345 milhões a serem contabilizados nessa conta devido a dívidas hospitalares por serviços já prestados.

Um Banco Central que não emite moeda e nem define a taxa de juros

Com uma economia pressionada, não é de se espantar que a Autoridade Monetária Palestina (AMP) não controle a inflação, a taxa de juros e nem emita ou administre uma moeda nacional. E hoje pelo menos três moedas estrangeiras estão em circulação em território palestino: o shekel israelita, o dinar jordano e o dólar americano.

Dinar jordano, shekel israelita e dólar.

A ausência de uma moeda nacional deixa a AMP incapaz de controlar a procura de moeda ou de utilizar ferramentas monetárias padrão, como as taxas de juro, para estimular a atividade econômica. E, da mesma forma, carece de flexibilidade para ajustar a taxa de câmbio para absorver choques econômicos internos e externos.

Isso mantém a economia palestina sujeita a fatores monetários externos, como as decisões monetárias dos EUA e de Israel sobre taxas de juro e políticas cambiais, segundo comentou Feras Milhem, presidente da AMP, em entrevista recente à Global Finance.

O setor bancário palestino compreende treze bancos espalhados pela Cisjordânia e Gaza – sete bancos locais, cinco bancos jordanianos e um egípcio. Em julho de 2023, os ativos totais do setor atingiram US$ 21,8 bilhões.

No entanto, o excesso de dinheiro na divisa israelense vem sendo um problema. Grande parte do papel moeda chega à Cisjordânia através dos palestinos que trabalham em Israel e nos assentamentos judaicos em território palestino, e recebem seus salários em dinheiro.

Israel reabre passagem de Gaza para trabalhadores palestinos entrarem em Israel e Cisjordânia. 28/9/2023 REUTERS/Ibraheem Abu Mustafa

E o Banco Mundial teme que o acúmulo de divisas em papel moeda possa sufocar o sistema financeiro palestino. Um exemplo é que comprar bens do exterior, em geral, requer a conversão de shekels para dólares ou euros, mas a abundância de moeda israelense no mercado os obriga a aceitar uma taxa desfavorável.

E esse excesso de liquidez vem causando dores de cabeça para bancos e estabelecimentos comerciais. Ao utilizar cada vez mais as transações digitais, os bancos israelenses não querem reabsorver o papel moeda que se acumula na Cisjordânia, mas não circula rapidamente na economia da nação judaica.

Além disso, o Banco de Israel cita a segurança como outro motivo para não querer as cédulas, citando que transferências em dinheiro feitas sem controle poderiam ser mal utilizadas, especialmente em lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo, segundo o Banco Mundial. 

Palestinos vasculham escombros de mesquita destruída por ataque israelense no norte da Faixa de Gaza 22/10/2023 REUTERS/Anas al-Shareef

O excesso de liquidez motivou alguns especialistas palestinos a recomendarem o descarte do shekel e a adoção de uma moeda palestina ou de outra nação, como o dinar da Jordânia, que também circula na Cisjordânia.

Enquanto isso, a AMP pressiona o Banco de Israel para que aceite mais dinheiro em efetivo. Mas depois da última ofensiva terrorista do Hamas, Israel está indo além do seu tradicional bloqueio à economia palestina.

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