A abertura de novas empresas, em especial os chamados MEIs, de microempreendedores individuais, deu um salto maior durante a pandemia do coronavírus. Pessoas que perderam o emprego ou tiveram salários reduzidos viram na criação de um negócio próprio a alternativa para obter renda extra. Com a redução ou o fim do pagamento da ajuda emergencial do governo, é possível que esse movimento siga em crescimento.
LEIA MAIS: Fim do auxílio emergencial deve levar 15 milhões de volta à pobreza, diz FGV
Dados do Mapa de Empresas, do Ministério da Economia, mostram que no segundo quadrimestre houve um saldo de 782,6 mil novas empresas, resultado da abertura de 1,114 milhão de CNPJs e de baixas de 331,5 mil. O número de aberturas, a maioria MEI, é o maior para o período desde 2010 e 2% superior ao do ano passado. Já o encerramento de atividades é o menor em quatro anos e também 17% abaixo do verificado no mesmo período de 2019.
Entre os novos microempreendedores, está Bárbara Camilo, de 31 anos, demitida em março após oito anos numa empresa de Belo Horizonte (MG). Junto com um casal de amigos que também ficou desempregado, ela abriu um MEI e, em junho, criou a Zé Donut. Eles começaram a produzir rosquinhas na própria casa, mas a clientela cresceu rapidamente e Bárbara decidiu alugar uma loja com mais equipamentos e espaço.
O casal preferiu não ir adiante e ela convidou o marido, que ficou desempregado um mês depois dela, e uma prima para se juntarem ao negócio. “Inauguramos a loja há 15 dias e já pensamos em ampliar, abrir espaço com mesas para que o cliente possa comer os donuts aqui e tomar um café”, diz ela.
O economista do Ibre/FGV Rodolpho Tobler afirma que o aumento de novas pequenas empresas já vinha ocorrendo nos últimos anos, mas teve impulso na pandemia. “As pessoas precisaram se reinventar, seja porque perderam o emprego ou precisam de renda extra.” Segundo ele, houve um processo de desburocratização para a abertura de empresas e, no caso do MEI, há benefícios para atrair a formalização de pequenos negócios, como cobertura previdenciária do INSS (aposentadoria por idade, auxílio-doença e salário-maternidade), ao custo de 5% do valor do salário mínimo.
Além disso, há incentivos estaduais. São Paulo, por exemplo, deu isenção de taxa de abertura de MEI por dois meses (até o próximo dia 25) e empresas de planos de saúde dão descontos para essa categoria.
“Com o auxílio emergencial caindo pela metade e a sinalização do governo de que pode acabar, as pessoas ficam cada vez mais com o orçamento apertado e começam a buscar novas fontes, e há uma proteção social com o MEI, mesmo que menor em relação a um trabalho com carteira assinada”, diz Tobler, que também vê no movimento de alta a retomada da economia, mesmo que lentamente.
Marketplace. O presidente do Sebrae, Carlos Melles, lembra também da parceria da entidade com o Magazine Luiza (MGLU3), que permite aos empreendedores oferecerem seus produtos no marketplace da rede. Segundo o Magalu, a iniciativa já atraiu cerca de 7 mil participantes, 60% deles MEIs, que venderam no último trimestre R$ 1,8 bilhão. O Sebrae também avalia parcerias semelhantes com as Lojas Americas e o Mercado Livre, além de ter projeto para um marketplace próprio.
Melles, porém, teme por uma alta significativa na extinção de empresas pela Receita Federal ainda este ano em razão de inadimplência. O Sebrae tenta negociar uma “moratória” das dívidas até o próximo ano.
O País fechou o segundo quadrimestre com 19,289 milhões de empresas ativas, sendo 90% de pequeno porte e MEIs. Em setembro, houve novo saldo positivo de 252,8 mil empresas.
O crescente número de microempreendedores também impulsiona outras empresas. A Compufour, de Concórdia (SC), oferece cursos e softwares de gestão e, em maio, criou o ClippMei, ferramenta específica para gerenciamento de MEI. O presidente da empresa, Wagner Müller, conta que atraiu 1,2 mil clientes até agora, além de registrar alta de 10% na clientela de micro e pequenas empresas.
‘Não volto mais a trabalhar em banco’
Bancária por 19 anos, Kellen Chagas teve o salário reduzido no início da pandemia com o corte das gratificações. O marido, o personal trainer Felipe Augusto, perdeu alunos e também viu o rendimento despencar. Para tentar garantir uma renda extra, decidiram vender risotos e tábuas de queijo, pratos que eles costumavam preparar e sempre eram elogiados por amigos.
“No começo, vendíamos de três a quatro pratos por dia, mas logo passamos para 12 a 15”, conta Kellen. O casal de Goiânia (GO), que prepara os alimentos em casa, abriu a empresa Adorê Comedoria. Há um mês, Kellen pediu demissão do banco para se dedicar ao negócio e foi convidada por um amigo para outro projeto, de transformar uma distribuidora de bebidas em gastrobar, local que serve bebidas, petiscos e tábua de frios.
“O bar foi inaugurado no dia 6 deste mês e tivemos, inclusive, de dar uma parada no Adorê, mas até o fim do ano vamos abrir um local físico para ele também”, informa Kellen, que diz já estar tendo retorno financeiro com os negócios.
“O bar tem bom movimento e até teremos um show ao vivo, tudo muito controlado”, afirma ela, que é formada em Economia e tem 39 anos. “Não volto mais para o banco.”
‘Meu sonho é ampliar e poder empregar mais’
A corrida pelo ambiente virtual provocada pela pandemia levou o estudante de 19 anos João César Nogari a despertar o desejo de ser microempreendedor na área de design e marketing digital. Com as aulas suspensas na faculdade e sem interesse em seguir o curso online, ele trancou a matrícula do curso de Administração, abriu uma MEI em agosto e passou a oferecer serviços como criação de sites, controle de rede social e identificação visual. “Comecei fazendo para amigos, mas um foi falando para o outro e apareceram vários interessados”, conta Nogari, que hoje tem 20 clientes para os quais oferece serviços eventuais, e sete fixos. Com o trabalho, diz ele, ganha mais de um salário mínimo por mês e, como mora com a mãe em Curitiba (PR), não tem tantos gastos. “Dá para me manter, mas meu sonho é me profissionalizar, ampliar a empresa e poder dar emprego a outras pessoas.”
Aos 21 anos, Larissa Mello contratou a primeira funcionária em sua loja Fashion Seasons em Bom Princípio (RS). Ela abriu o MEI em março para vender roupas pela internet e em sua casa. No último dia 10 abriu a loja física. “Com CNPJ posso comprar de atacadistas”, diz ela, que mantém o emprego em uma empresa de jeans.