Economia

Crise bancária no exterior pode reduzir oferta de crédito no Brasil

Embora colapso do SVB e Credit Suisse não tenha gerado grandes impactos no país, especialistas não descartam efeitos no sistema financeiro nacional.

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A crise bancária que atingiu bancos dos Estados Unidos e da Europa ainda não provoca grandes impactos no Brasil, mas pode contribuir para diminuir a oferta de crédito no país, de acordo com especialistas ouvidos pelo InvestNews.

A falência dos bancos americanos Silicon Valley Bank (SVB) e Signature Bank, além do Credit Suisse (C1SU34), considerado o segundo maior banco da Suíça, provocou um temor global do risco sistêmico de contaminação.

Na visão de Fabrício Gonçalvez, CEO da Box Asset Management, ao colapso dos bancos tem potencial para gerar impacto no setor bancário brasileiro, elevando o risco de crédito e abalando a confiança de investidores e consumidores.

“Isso pode ocasionar uma redução na oferta de crédito, prejudicando o desenvolvimento dos negócios e investimentos no país. Contudo, é válido ressaltar que a maioria dos bancos brasileiros possui um ‘Índice de Basiléia’ saudável e não está exposta ao SVB, o que diminui a possibilidade de riscos significativos.”

O Índice de Basiléia é um indicador que mensura a saúde financeira dos bancos.

Risco de saques em massa

Bancos do Brasil têm uma base de clientes mais diversificada do que o SVB, o que reduz a probabilidade de uma grande quantidade de saques em um curto período de tempo, de acordo com Gonçalves. “Ainda que nenhum banco esteja completamente isento de riscos em uma corrida a saques, essas características contribuem para minimizar os impactos da falência de bancos estrangeiros no setor bancário brasileiro”, afirmou.

Unidade do Silicon Valley Bank em São Francisco, nos EUA 13/03/2023 REUTERS/Kori Suzuki

Milton Rabelo, analista da VG Research, afirma que a crise bancária ainda terá seus desdobramentos, porém existem evidências que levam a crer que seus impactos no ecossistema bancário brasileiro serão relativamente limitados porque as instituições financeiras são saudáveis e possuem liquidez em patamares adequados.

“O sistema bancário brasileiro é altamente regulado e impede um nível muito elevado de alavancagem de crédito e empréstimos como acontece nos EUA, por exemplo. Além disso, é interessante notar que, apesar do surgimento de inúmeras fintechs nos últimos anos, o mercado brasileiro ainda é extremamente concentrado, o que facilita a fiscalização do Banco Central, como órgão regulador”, disse.

Impacto sobre a oferta de crédito

O analista da VG Research disse que, por outro lado, inevitavelmente deverá haver uma diminuição na oferta de crédito no Brasil, ainda que não esteja plenamente clara a sua magnitude.

“Na realidade, já está havendo desde o segundo semestre de 2021, uma maior apreensão no mercado bancário com o aumento da inadimplência e, consequentemente, com níveis de concessão de crédito pelos bancos. A crise bancária internacional tende a aumentar os níveis dessa restrição da oferta de crédito, intensificando as consequências do cenário macroeconômico desafiador vivido no Brasil”, argumentou.

A oferta de crédito no Brasil é uma preocupação do ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), que já manifestou a necessidade de democratizar o acesso ao crédito no país para pessoas físicas.

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Uma das dificuldades da expansão do crédito no país, no momento, é o atual nível da Selic, a taxa básica de juros, que está em 13,75% ao ano. A ata do Copom, divulgada pelo Banco Central na última terça-feira (28), observou que há um aperto adicional nas condições para concessão de crédito em algumas modalidades.

“Para alguns membros deve-se esperar ainda um aumento da inadimplência e uma desaceleração na concessão do crédito, mas em linha com o que se observou em ciclos anteriores de aperto de política monetária. Em contraste, outros membros avaliam que, no período mais recente, o aperto nas concessões de crédito foi mais intenso do que o esperado, mas focalizado em alguns mercados específicos”, diz o texto da ata.

REUTERS/Arnd Wiegmann

Sinal de alerta

Guilherme Lamonica, sócio da Matriz Capital, diz que, em um primeiro momento, o risco de crédito no Brasil não será afetado visto que a situação já foi aparentemente controlada.

“O SVB já foi comprado pelo 30º maior banco americano, o First Citizens Bank, que já garantiu honrar com todos os depósitos feitos no SVB, e na Suíça, a situação do Credit Suisse já foi contornada pela compra por parte da UBS.”

No entanto, ele acrescenta que, apesar do alívio do mercado, é preciso manter o sinal de alerta aceso caso a crise dos EUA e Europa se mostre como algo sistêmico.

“Isso pode gerar problemas na parte de geração de crédito no mercado interno, principalmente por bancos digitais que, declaradamente utilizam-se de recursos do exterior para disponibilizar crédito no Brasil por um custo melhor. Ou seja, esse estancamento momentâneo da sangria bancária americana alivia os mercados, mas mantém aceso o sinal de alerta.”

Bancos blindados?

O CEO da iHub Investimentos, Paulo Cunha, discorda que a crise bancária do exterior possa contaminar o sistema financeiro brasileiro. No entanto, ele destaca que a obtenção do crédito corporativo ficou mais complicada.

“O nosso sistema financeiro é pouco pulverizado globalmente. Os bancos aqui têm mais crédito local, têm mais papéis, basicamente títulos públicos, então sofre pouca contaminação, blindado quase como em uma bolha.”

Cunha diz que o lado positivo do Brasil ser pouco globalizado é que em casos de crises como essa o impacto no cenário interno é bem menor. Ele também destaca a solidez dos bancos brasileiros.

“Nossos bancos são bastante sólidos, têm basicamente títulos públicos, com uma carteira de crédito equacionada. Podem haver casos individuais, de bancos menores apresentando problemas, mas um risco sistêmico acontecendo no Brasil é um pouco difícil.”

Ele alerta que a situação pode ficar mais difícil no caso do crédito corporativo para empresas que estão operando e precisam arrolar suas dívidas, ou seja, adiar pagamentos – lembrando que, após o caso da Americanas, a concessão de crédito para empresas ficou mais difícil.

“Quando dão crédito, ou a taxa é mais alta, como spread que se tinha antes, ou é um prazo muito curto. Se você é uma empresa hoje com muita dívida e que necessita de crédito para suas operações, não está tendo lucro operacional, a vida pode ficar muito difícil. Mas para outros tipos de empresas com resultados operacionais mais estáveis, a situação deve ser um pouco melhor.”

Prédio do Banco Central, em Brasília 22/03/2022 REUTERS/Adriano Machado

Concessão de crédito no país fica menor

Com a alta de juros e aumento da inadimplência, as concessões de empréstimos no Brasil tiveram queda de 9,5% em fevereiro na comparação com o mês anterior, totalizando R$ 383,7 bilhões no mês.

Já o estoque total de crédito, que é o saldo de todas as operações de crédito do país, recuou 0,1% no mês ante janeiro, totalizando R$ 5,319 trilhões.

De acordo com o Banco Central, tanto o crédito para as pessoas jurídicas quanto para as pessoas físicas desacelerou em fevereiro, para 5,9% (8% em janeiro) e 17,4% (17,9% em janeiro), respectivamente.

As concessões de financiamentos com recursos livres, nos quais as condições dos empréstimos são livremente negociadas entre bancos e tomadores, tiveram queda de 9,6% em relação ao mês anterior. Para as operações com recursos direcionados, que atendem a parâmetros estabelecidos pelo governo, houve recuo de 8,6% no período.

Moedas de reais 15/10/2010 REUTERS/Bruno Domingos

O spread bancário, diferença entre o custo de captação dos bancos e a taxa final cobrada do cliente, aumentou para 31,6 pontos percentuais nos recursos livres, contra 30,6 pontos no mês anterior.

Já o Indicador de Custo do Crédito (ICC), que mede o custo médio de todo o crédito do sistema financeiro nacional, atingiu 22,3% ao ano, uma alta de 0,3% no mês e 2,9% em 12 meses.

A inadimplência da carteira de crédito, por sua vez, atingiu 3,3% em fevereiro, acréscimo de 0,1% no mês e de 0,8% em 12 meses.

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