Sabe aquele malabarista que precisa equilibrar vários pratos sobre bastões? A ideia ilustra bem os desafios que o banco central americano, o Federal Reserve, ainda enfrenta.
Ontem a plateia global pôde, finalmente, soltar a respiração pela primeira vez após 14 meses. Isso porque o Banco Central americano iniciou o tão aguardado ciclo de queda de juros e sinalizou ver, potencialmente, mais dois cortes pela frente neste ano. O problema é que esse foi só o primeiro prato salvo.
“As rachaduras ainda estão aí”, afirma Steven Blitz, diretor e economista-chefe para os EUA da casa global de análise TS Lombard. Existem muitos obstáculos no caminho da política monetária americana. Inclusive viver um “efeito Orloff”, aquele do “eu sou você amanhã”. No caso, de ter de espelhar o Brasil e, em algum momento, precisar subir os juros de novo. “Mas é muito prematuro fazer qualquer projeção˜, ressalta Blitz. “Estamos ainda no primeiro corte.”
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O que vai acontecer daqui para a frente vai depender das habilidades de equilibrista de dados do Fed, ou seja, de calibrar muito bem as respostas em relação a incertezas como as eleições americanas, a resiliência da economia e do mercado de trabalho, além de eventuais surpresas fiscais e até erros de decisão do banco central.
Blitz cita haver o risco, por exemplo, de o Fed cortar demais. Reduzir os juros além do ponto de equilíbrio pode aquecer muito a economia e levar ao crescimento das pressões sobre preços, ou seja, à volta da inflação.
Por outro lado, o especialista ainda vê perigo de a economia americana enfrentar uma recessão, embora esse cenário se mostre a cada mês menos provável.
“É claro que eu não espero uma recessão, mas todas as questões estão em aberto.”
Steven Blitz
O que vai definir qual cenário deverá se concretizar é, em grande parte, por quanto tempo e o quão rápido o Fed vai reduzir e manter os juros dentro do atual ciclo de cortes de taxas.
O economista da TS Lombard projeta um nível de juros entre 3,50% e 3,75% no fim do ciclo de cortes pelo BC americano. Depois da decisão de ontem, na qual o Fed reduziu em 0,50 ponto percentual o patamar das taxas básicas, essa faixa está agora entre 4,75% e 5,00%.
Blitz acredita que o Fed vai cortar o juro em mais 1,25 ponto, em doses de 0,25 a cada encontro. Como o BC americano tem só mais duas reuniões em 2024, em novembro e dezembro, o ciclo pode se estender até maio de 2025. Isso se a autoridade monetária nos Estados Unidos não pisar no acelerador das reduções.
Para o Brasil, se nenhum prato cair, isso significará uma ajuda considerável à política monetária. Esse apoio pode vir na forma de um dólar mais fraco e menos volátil, ou seja, com uma valorização do real e um posterior período de maior estabilidade na taxa de câmbio, mas também na melhora dos custos de financiamentos para empresas e o governo globalmente.
Um cenário de real mais valorizado e estável ajuda a atrair recursos de investidores ao país. Pelo menos, esse é o esperado, diz Blitz. Além disso, como o BC local está subindo os juros, a diferença entre os rendimentos de aplicações, como, por exemplo, a renda fixa, aqui e lá fora vai aumentar. O mercado chama essa relação de diferencial de juros.
Hoje, com as recentes decisões do Fed e do BC, essa distância entre as taxas está em 5,75 pontos percentuais. Mas pode subir para 7 pontos no fim do ano, se as expectativas sobre as escolhas das autoridades se confirmarem.
Blitz chama a atenção ainda para a dificuldade de se prever como vai se comportar o próximo governo dos Estados Unidos em termos de política fiscal.
“A verdadeira batalha ainda está por vir. E será no lado fiscal.”
Steven Blitz
Um dos campos dessa luta será no Congresso americano. O economista explica não haver clareza, atualmente, sobre qual partido vai levar a maioria no Senado e na Câmara dos Deputados nos EUA.
A forte polarização política também pode se tornar um risco para a economia e um fator de impulso à inflação. Isso no caso de ocorrer um forte crescimento de gastos ou renúncias fiscais exageradas em meio a um controle legislativo mais frouxo. Isso significa que, ao menos até o início do próximo ano, o Fed vai ainda precisar salvar muitos pratos antes de o público realmente poder respirar aliviado.
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