Como acontece tradicionalmente durante as férias no hemisfério norte, autoridades do Federal Reserve e seus correlatos estrangeiros da zona do euro (BCE), Reino Unido (BoE) e o Japão (BoJ), entre outros convidados ilustres, reúnem-se na pequena cidade de Moran, no Wyoming (EUA). Porém, o encontro está longe de ser um acampamento de verão.
Trata-se de um dos principais eventos dos bancos centrais: o Simpósio de Política Econômica de Jackson Hole. Desde quinta-feira (24) e até sábado (26), autoridades monetárias do mundo estão reunidas na vila de Jackson, situada em um vale conhecido como Jackson Hole, que fica nas cordilheiras do Condado de Teton.
O presidente do Banco Central brasileiro, Roberto Campos Neto, por sua vez, faltou ao encontro deste ano, depois de ter participado remotamente em 2021 e enviado representante em 2022. Mas não é por causa da paisagem bucólica que Jerome Powell, do Fed, e Christine Lagarde, do BCE, se deslocaram até a região oeste dos Estados Unidos.
Quem estiver lá deve aproveitar a ocasião para conversar sobre “mudanças estruturais na economia global”, junto com economistas, políticos e empresários, que também marcam presença. Apesar de ser o principal tema do evento deste ano, a expectativa dos mercados está em pistas sobre a decisão de juros na próxima reunião, em setembro.
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O que esperar
Ainda mais depois de os investidores assimilarem a narrativa de taxas de inflação e de juros “mais altas por mais tempo” (higher for longer) nos dois lados do Atlântico Norte. No entanto, o assunto em debate no simpósio deste ano tem tudo a ver com os anseios em saber quais serão os próximos passos dos bancos centrais.
“A discussão sobre ‘mudanças estruturais na economia global’ deve fornecer pistas importantes sobre quão permanente será o atual nível elevado dos juros e quão relutantes o Fed e outros bancos centrais estarão em cortar as taxas no futuro se inflação continuar caindo”
economista-chefe do Julius Baer, David Kohl
Ou seja, o tema escolhido para o evento em Jackson Hole neste ano não foi à toa. “O assunto provavelmente deve se referir à crescente evidência de que a economia parece ser mais capaz de lidar com taxas de juros mais altas do que na última década”, completa o economista do banco suíço, descartando os riscos de recessão.
A ver, então, se Powell irá dedicar mais do que os menos de dez minutos de fala que gastou no simpósio do ano passado. Na ocasião, ele simplesmente se esquivou em dizer que o Fed estava pronto para levar a taxa de juros dos EUA para o maior nível em 22 anos, promovendo o ciclo de aperto mais rápido e agressivo já visto na história do país.
“A principal diferença é que no encontro do ano passado a inflação estava rodando próximo de 9%, então existia um ‘mantra’ do Fed de fazer tudo o que fosse necessário”, lembra o estrategista-chefe da Guide Investimentos, Alex Lima. Para ele, agora, um ano depois, com os preços ao consumidor norte-americano ao redor de 3%, o foco de Powell deve mudar.
“Ele deve ir mais na ideia de ter paciência e analisar os dados, portanto mais condicional, reconhecendo que bastante foi feito”
estrategista-chefe da Guide Investimentos, Alex Lima
Ou seja, o Fed deve se mostrar mais dependente dos dados, principalmente levando-se em conta que se trata do primeiro encontro de Jackson Hole pós-covid, cujos os efeitos da crise sanitária são duradouros.
Por que é importante
Até por isso vale lembrar da importância em si do simpósio, cuja primeira edição ocorreu em 1978, originalmente em um local diferente, no Kansas City. Quatro anos depois, o evento foi para Jackson Hole e, desde então, costuma ser palco de mensagens importantes, em especial do Fed.
Essa tradição começou em 1989, com Alan Greenspan. A mais recente, porém, em 2012, foi quando o então presidente Ben Bernanke aproveitou o evento para anunciar a terceira rodada do programa de flexibilização quantitativa (QE, na sigla em inglês). Dois anos depois foi a vez de Mario Draghi, ex-presidente do BCE, fazer o mesmo, porém na zona do euro.
Além disso, os temas debatidos ganham relevância. Nos anos 1980, por exemplo, o simpósio previu uma alta histórica dos juros dos EUA, ainda durante a chamada “Era Volcker”. Já em 2007, alertou para problemas no setor imobiliário dos EUA, que desembocariam na crise do subprime no ano seguinte.
A ver se neste ano Jackson Hole mantém o hábito de antecipar assuntos capazes de movimentar os mercados globais. Ou ao menos consiga convencer os investidores do que vem por aí. Afinal, durante grande parte deste ano, o mercado simplesmente recusou-se em acreditar que o Fed não iria cortar os juros tão logo.
“Esse consenso só recentemente começou a chegar, à medida que o fim de 2023 se aproxima, sendo que o Fed vem apresentando a visão de que a taxa não atingiu o pico ainda há meses”, ressalta a estrategista sênior do Rabobank, Jane Foley. Assim, não basta apenas monitorar na lupa, é preciso estar atento ao barulho vindo do buraco do Jackson.
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