Encha uma bexiga. Agora deixe o ar sair. O ar jorra na forma de um jato porque sempre vai se mover de uma zona de alta pressão (o interior da bexiga, neste caso) para uma de zona de baixa pressão (o lado de fora).
O vento também funciona assim. Vento só venta porque a Terra tem uma região de alta pressão (os pólos) e uma de baixa (a parte mais próxima ao equador). Quem manda na equação aí é a temperatura. Em áreas frias (caso dos pólos) o ar é mais denso, como no interior de uma bexiga. Nas regiões quentes, as moléculas da atmosfera ficam mais espalhadas.
No Hemisfério Sul, então, temos uma corrente constante de vento subindo da Antártida em direção à linha do equador. Mas o vento não vai “reto” o tempo todo, nesse sentido sul-norte. Não. A rotação da Terra bagunça o coreto.
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Na área do equador, o vento faz uma curva no sentido oposto ao da rotação – “da direita para a esquerda” do ponto de vista de quem olha para um mapa-múndi. Isso cria os “ventos alísios”, que sopram da África para a América do Sul, e da América do Sul para a Austrália. Vamos falar mais sobre esses ventos adiante.
Bom, na região do Trópico de Capricórnio (que passa praticamente na cidade de São Paulo), acontece o contrário. Forma-se uma jet stream (“corrente de jato”) que acompanha o sentido de rotação da Terra – “da esquerda para a direita” no mapa-múndi.
E isso cria um fenômeno interessante: a jet stream gera uma barreira, separando de forma nítida duas zonas climáticas diferentes: a tropical, imediatamente ao norte de SP, e a temperada, ao sul. Trata-se da vida como ela é nas condições normais de temperatura e pressão.
Mas não estamos sob condições normais de temperatura e pressão. Esta é uma época de El Niño. Vale uma explicação breve.
Em anos normais, sem El Niño, os ventos alísios (olha eles aqui de novo) empurram com força a água do Pacífico no sentido América do Sul-Austrália. O vento não leva o mar inteiro, claro, só a superfície da água.
Mas temos que a superfície da água é mais quente que as camadas mais fundas. Resultado: a superfície do Pacífico fica mais fria na costa da América do Sul. E vai se acumulando uma coluna de água quente lá pelas bandas da Austrália.
Isso cria mais diferença de pressão, que fortalece os ventos alísios. A coisa se retroalimenta: a ação do vento cria mais vento. E tudo bem. É assim que a Terra funciona.
Só que uma hora rola uma rebordosa. Num intervalo que varia de três a sete anos, a água quente acumulada lá do outro lado do mundo “se revolta”, espalhando-se Pacífico afora. Aí os ventos alísios perdem seu motor. E enfraquecem.
Dito isso, voltemos à jet stream. O clima da Terra é um relógio suíço – mexeu numa pecinha, as outras 250 dão pau. Um dos efeitos-borboleta da mexida que o El Niño dá no sistema todo é “empurrar” a jet stream mais para baixo, onde estão Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Na “posição errada” a corrente de jato interage com outro tipo de clima, e isso causa chuvas fora da curva. E quanto mais intenso o El Niño, por que a força da rebordosa varia, mais chuva.
Foi o que aconteceu em 1941, ano da maior enchente da história de Porto Alegre até a de agora, quando o rio Guaíba, que banha a cidade, subiu a um nível 4,76 metros acima do normal.
No sábado (4) esse nível chegou a 5,16 metros. De o resto, o que tivemos foi a devastação toda que estamos vendo no noticiário.
E ainda tem o aquecimento global. Ele complica a situação em duas frentes. Primeiro, amplifica a intensidade do El Niño. Segundo, diminui a diferença de pressão entre os pólos e a linha do equador (já que a temperatura nos pólos sobe mais rápido). Isso enfraquece o jet stream. E a corrente fica ainda mais propensa a mudar de posição, ocupando uma zona climática onde não deveria estar.
Como o aquecimento global definitivamente não vai se reverter num horizonte vislumbrável, tragédias como a de agora vão se tornar ainda mais frequentes.
Dos 497 municípios do Rio Grande do Sul, pelo menos 300 foram afetados pelas chuvas, de acordo com a Defesa Civil do estado. Até a manhã desta segunda (6), eram 78 mortos e 115 mil desalojados.
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