Economia

Planos de saúde reduzem custos na pandemia, mas temem estouro da inadimplência

Com uma média de inadimplência de 2,5%, as operadoras chegaram a subir na bolsa, mas começam a receber pedidos de renegociação de empresas.

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Desde que a pandemia da Covid-19 chegou ao Brasil, os planos de saúde surfaram no meio da lama. Para conseguir manter o fluxo de caixa, interromperam todo tipo de cirurgia eletiva, deixando dinheiro disponível para os custos operacionais e leitos para as internações da doença. Mas o setor não está imune. As operadoras do segmento temem que a crise econômica leve a um aumento da inadimplência e a uma redução no número de clientes.

Manter a máquina funcionando não é simples. São necessários R$ 500 milhões por dia para bancar os hospitais, clínicas, laboratórios e todos os benefícios oferecidos pelas operadoras.

ENTREVISTAS:

“Se não entram recursos, uma hora o dinheiro acaba. R$ 10 bilhões parecem muito dinheiro, mas no mundo da saúde duram apenas para 20 dias”, comenta Marcos Novais, superintendente executivo da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), que reúne 136 operadoras no país.

Recentemente, algumas operadoras também investiram em novos leitos, ambulatórios e UTI. O resultado operacional foi positivo, segundo Novais, porque há leitos disponíveis no setor privado, caso o SUS sature.

Para André Galhardo, economista-chefe da Analise Econômica Consultoria, com a perda de emprego e renda da população, o prejuízo para os planos de saúde será inevitável. “O setor de saúde não está imune a crises. Os planos podem sofrer inadimplência ou até migração para opções mais baratas”, afirma.

De acordo com Galhardo, o único elo que sustentava o aumento de pessoas com plano de saúde foi uma melhora pontual no mercado de trabalho, geralmente CLT, que entre os benefícios incluía estes planos. Com a crise e o desemprego, a perda dos planos será uma das consequências.

Orçamento e reajuste

A Abramge explica que, para garantir a sobrevivência, muitos planos de saúde suspenderam cirurgias eletivas. Com isso, além de poupar o paciente de pegar Covid-19, deixaram mais leitos livres para quem realmente precisasse. Com menos internações e cirurgias, as despesas se enxugaram. “Parou cirurgia de coluna, que é um procedimento complicado, por exemplo. Com internações por Covid-19, temos apenas gastos com oxigênio e remédio para febre”, explica Novais.

Contudo, o incremento de outras despesas foi inevitável. Por exemplo, foi necessário contratar novos funcionários, comprar novos leitos. “Quando um funcionário estava com suspeita, precisava ser afastado 15 dias ou quando algum enfermeiro tinha uma doença crônica não podia trabalhar. Para isso era necessário contratar novas pessoas”, afirma Novais. Além desses custos, foi necessário comprar respiradores com valores três vezes maiores que o normal.

SUAS CONTAS:

Na sexta-feira (17), a Abramge e a FenaSaúde emitiram uma recomendação para que os planos de saúde suspendam temporariamente, por 90 dias, o reajuste anual das mensalidades, em função do coronavírus. A medida passaria a valer desde o dia 1º de maio até 31 de julho e incluiria planos médicos-hospitalares individuais, coletivos por adesão e de pequenas e médias empresas com até 29 pessoas cobertas.

A decisão é de caráter voluntário, deixando à escolha da operadora se tem capacidade de adiar o reajuste ou não.

Segundo a Abramge, suspender o reajuste não será fácil, devido ao fato de que as despesas tendem a crescer. Porém a prorrogação do reajuste deve aliviar famílias e microempreendedores. “Só não vamos incluir empresas de grande porte, porque elas têm um caixa maior e acesso ao crédito”, defende Novais.

Desafios

Acostumados com uma taxa de inadimplência de 2,5%, as operadoras levaram um balde de água fria quando grandes empresas começaram a pedir negociação ou parcelamento dos planos de saúde dos funcionários.

Novais explica que esta é uma situação nunca vivida antes. “Tem setores com inadimplência de até 50%. Nós não sabemos quanto a nossa inadimplência vai ser ainda”, desabafa. O dado ainda não pode ser contabilizado, pois é necessário esperar 60 dias para declarar inadimplência. Mas os pedidos de renegociação das empresas não param, segundo a Abramge.

Outro dos desafios que o setor deve enfrentar, em breve, é a retomada dos serviços eletivos. “Quando isso ocorrer, muitas cirurgias vão ser agendadas de uma só vez, aumentando a despesa financeira dos hospitais”, conclui Novais.

Olho no mercado

No Ibovespa, há quatro operadoras de planos de saúde listadas: Qualicorp (QUAL3) , Hapvida (HAPV3) , Intermédica (GNDI3) e SulAmerica (SULA4). Segundo Bruno Vidal, analista do setor saúde da Modulo Capital, o desempenho das ações de operadoras de saúde na B3 passou por duas etapas de alta volatilidade.

No primeiro período, de 14 de fevereiro até 18 de março, a Covid-19 manifestava mais sinais no exterior. Surgiram os primeiros casos nos EUA e Espanha. “O mercado se antecipou à pandemia e, ao desconhecer como seria o comportamento no Brasil, as ações caíram”, explica o analista.

Já no segundo período, que coincide com a quarentena, já havia uma visão clara de como a pandemia funciona, justificando a alta das ações no período. “Cirurgias eletivas foram adiadas, a ocupação dos hospitais caiu para 40% e as despesas foram reduzidas, aumentando a margem de lucro”, acrescenta Vidal. Mas entre 14 de fevereiro até o dia 17 de abril, as empresas do setor acumularam perdas na Bolsa.

Para Ilan Arbetman, analista da Ativa Investimentos, a recuperação destas ações aconteceria com o conhecimento da pandemia e o isolamento social. No entanto, ele vê o mês de março como o pior desempenho do setor. Entre o dia 28 de fevereiro até 31 de março, a Intermédica perdeu 28,66%, a SulAmérica caiu 37,83%, a Hapvida desvalorizou 23,19% e a Qualicorp cedeu 31,09%.

“As operadoras seguiram o movimento da bolsa, que teve o pior mês nos últimos 22 anos, com aversão forte ao risco. Em abril, com medidas de auxilio macroeconômico, vemos melhoria nos planos de saúde”, explica. Segundo Ilan, após os primeiros casos de Covid-19 no Brasil, foi possível precificar o custo médio por paciente, o que foi materializado nas ações do mercado.

Com estratégias de combate à pandemia e a quarentena, as ações subiram no período mais recente. Segundo o analista, no período de 1º de março até 20 de abril, as ações acumularam alta: Intermédica cresceu 24,73%, SulAmérica 39,57%, Hapvida 24,74% e Qualicorp 8,90%.

No entanto, Ilan destaca que o futuro é incerto e um eventual aumento da inadimplência nos planos poderia prejudicar os preços das ações. “Quem quer investir neste setor tem que saber lidar com uma alta volatilidade”. Ficou com dúvida? Veja o gráfico:

Os analistas acreditam que a operadora de saúde que mais pode sofrer neste cenário é a Qualicorp. Para Ilan, o motivo seriam as falhas de governança corporativa da empresa, que podem impactar nos resultados do primeiro trimestre. Vidal aponta que a Qualicorp trabalha com planos de adesão e pode ser prejudicada pelos reajustes e perder beneficiários. Ou, com o aumento nas demandas de procedimentos médicos, aumentar as taxas de inadimplência.

A operadora mais resistente à crise seria a SulAmérica, segundo Ilan, porque ela não opera com hospitais, e sim com a carteira de seguros. Desta forma, não tem gastos, o que é uma vantagem porque não fica exposta a riscos. Já na visão de Vidal, a ação mais resistente é a Hapvida, pelo fato de que a pandemia se iniciou em São Paulo e a operadora tem grande abrangência no Norte e Nordeste do Brasil, a região menos impactada ate o momento.

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