Se a desaceleração da economia brasileira é reflexo dos juros altos, um possível corte da Selic neste ano não deve ser suficiente para que o Produto Interno Bruto (PIB) volte a crescer com força ainda em 2023. Por outro lado, uma nova regra fiscal factível poderia dar mais ímpeto à economia nos próximos meses.
Essa foi a avaliação feita por economistas após a divulgação do PIB de 2022 nesta quinta-feira (2) pelo Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE). A expansão no ano foi de 2,9%, mas a atividade vem perdendo força. No 4º trimestre, houve queda de 0,2% na comparação com os três meses anteriores.
Adriana Dupita, Economista-chefe na Bloomberg Economics para Brasil e Argentina, aponta que “uma contração no quarto trimestre mostra que as altas taxas de juros estão afetando a economia brasileira – e coloca as perspectivas de crescimento para o primeiro ano do presidente Luiz Inácio Lula da Silva mandato de em bases fracas”.
David Beker, chefe de economia para Brasil e de estratégia para América Latina do Bank of America, diz que “a leitura do PIB do 4T22 deve se tornar mais um argumento para o governo aumentar a pressão sobre o banco central por cortes de juros”.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e outros integrantes do governo têm feito uma série de críticas ao Banco Central e à condução da política monetária, apontando que a Selic deveria ser reduzida para estimular a economia. A taxa básica de juros foi elevada pelo BC para conter a inflação, que, mesmo assim, terminou 2022 acima da meta.
Apesar dessa discussão, Beker diz que, “no entanto, o foco deve estar na implementação de uma nova regra fiscal, para reduzir a incerteza e permitir uma taxa de juros menor, e na reforma tributária para aumentar a produtividade no país”.
Na mesma linha, Dupita, da Bloomberg, opina que, “em vez de brigar com o banco central”, “uma nova regra fiscal ajudaria a garantir a solvência fiscal de médio prazo e taxas de juros mais baixas baseadas no mercado”.
Corte da Selic não salvaria PIB de 2023?
A projeção para a economia neste ano é de crescimento fraco. Segundo a estimativa mais recente do Boletim Focus, o mercado espera que o PIB cresça 0,84% neste ano, mas há especialistas prevendo um resultado ainda mais baixo, ao redor de 0,2%.
Economistas veem pouco espaço para que a Selic caia de maneira substancial neste ano para reverter esse quadro e, mesmo que isso aconteça, o efeito leva meses para ser sentido na chamada “economia real”.
“Já não podemos olhar só para 2023 porque qualquer movimento nos juros a partir de agora vai fazer efeito, como é esperado, depois de pelo menos uns 6 meses. Então, a depender de quando a taxa de juros for baixada, os efeitos são só para 2024”, lembra Bruno Mori, economista e sócio fundador da consultoria Sarfin.
Diego Hernandez, economista e fundador da Ativo Investimentos, acrescenta que “a possibilidade do início da redução da taxa de juros pelo BC (…) vai depender muito da âncora fiscal que vai ser apresentada agora em março de 2023 pelo ministro (da Fazenda, Fernando) Haddad e o quão crível essa âncora fiscal, que substituirá o teto de gastos, será”.
Com desconfiança sobre as contas públicas, investidores enxergam mais risco e pedem mais prêmio para investir no mercado brasileiro, o que eleva a taxa de juros. Além disso, uma situação de desequilíbrio das contas públicas tem efeito negativo sobre a inflação, o que também puxa os juros para cima.
‘Efeito recuperação’ deixa de ajudar
Além do impacto dos juros altos sobre a atividade econômica, os especialistas também ressaltam que o efeito positivo da reabertura após a pandemia já está se dissipando. Isso também ajuda a explicar as projeções de crescimento fraco em 2023.
O crescimento de 2,9% do PIB em 2022 foi “basicamente ainda o impulso da abertura econômica pós-covid”, aponta Hernandez. “Isso a gente pode ver no consumo das famílias. Foi muito elevado, puxando bastante o PIB em 2022. Existia uma demanda reprimida de uma série de bens e serviços. Esse reflexo se reduziu no 4º trimestre.”
O que diz o governo
Horas depois da divulgação dos números, Lula criticou o resultado e defendeu investimentos públicos e a retomada de obras como um dos motores para fazer a economia crescer.
Já o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, apontou o reflexo dos juros altos sobre o PIB e disse que “evidentemente a manutenção das taxas nesse patamar enseja…uma desaceleração da economia”. Ele também voltou a tratar da questão fiscal.
“Temos que harmonizar, como eu sempre digo, a política fiscal e a política monetária, para que o Brasil não desacelere, mas, pelo contrário, retome as suas atividades econômicas com preocupação com o crédito e o investimento, que é isso o que nós estamos buscando. Não é só abaixar os juros, é fazer o que estamos fazendo.”
Perspectivas
Dupita, da Bloomberg, diz que “é improvável” que a expansão de quase 3% de 2022 se repita em 2023. “Não há espaço para estímulos fiscais extraordinários e aumento o ruído da política acrescentou obstáculos para o banco central começar a cortar as taxas (de juros) – o que significa que a política monetária permanecerá rígida ao longo do ano.”
De maneira semelhante, especialistas do Itaú disseram em relatório que “como esperado, o PIB do 4T22 mostrou que a economia está desacelerando devido à piora do mercado de trabalho e ao efeito defasado da política monetária contracionista”. “Mantemos a nossa expectativa de desaceleração da atividade econômica à frente”, apontaram.
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