O preço dos imóveis seguiu em alta ao longo de 2023, embora o avanço tenha perdido força frente ao ano anterior. Agora, com perspectiva de maior demanda pelos juros em queda, incorporadoras reduzindo lançamentos e custos de construção ainda elevados, especialistas acham difícil que 2024 seja um ano de recuo dos preços – e isso mesmo que as parcelas do financiamento caiam em algum momento, pelo efeito dos juros menores.
O número mais recente do Índice Geral do Mercado Imobiliário Residencial (IGMI-R ABECIP) mostra que os preços dos imóveis acumularam alta de mais de 5,7% em 2023 até o terceiro trimestre. Embora ainda subindo, os preços já mostram desaceleração. No mesmo período de 2022, o avanço era de mais de 10%.
Parte do alívio na subida dos preços pode ser explicada pela desaceleração dos custos para a construção, com alta de 3,05% no acumulado até novembro, contra 9,11% no mesmo período de 2022. Os números são do Índice Nacional de Custo da Construção (INCC), e foram puxados pela forte queda de 0,68% nos materiais em 2023 até agora, contra alta de mais de 6% nos serviços e mão de obra.
Ana Maria Castelo, coordenadora dos projetos de construção do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV-IBRE), aponta que a desaceleração veio após a disparada nos preços durante a pandemia, quando itens como “vergalhões e tubos de PVC chegaram a dobrar de preço”. O reajuste nas cadeias de produção, no entanto, não apaga os efeitos na indústria, ainda que os preços tenham se reajustado.
“Podemos dizer que o pior momento certamente já passou. Houve uma devolução de parte dos aumentos, mas o custo de construir hoje está acima do que estava antes da pandemia”.
Ana Maria Castelo, do FGV-IBRE.
O custo da construção ainda foi pressionado pela Selic alta, que encarece o crédito para as empresas, como resume Walter Franco, professor de economia no Ibmec-SP, citando outros fatores. “O custo de capital está caro. O financiamento ainda é caro para o construtor. O terreno ainda é caro para a construção.”
Mas, apesar de terem puxado o preço dos imóveis para cima, as condições adversas não parecem ter sido motivo de preocupação para as empresas desse mercado no último ano.
Os números mostram resiliência. No acumulado de 2023 até agosto, as vendas de imóveis no Brasil subiram mais de 20%, com alta tanto no segmento de Minha Casa, Minha Vida (18%) quanto médio e alto padrão (23%). Os dados são da Associação Brasileira de Incorporadoras (Abrainc) e da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe).
Aquecimento de demanda já aquecida?
Se um cenário com custos elevados e juros altos não foi suficiente para reduzir a demanda a ponto de puxar as vendas para baixo nos últimos meses, o que se tem à frente torna ainda mais difícil falar em queda nos preços: a expectativa de que a queda da Selic, mesmo que demore, reflita nas taxas do financiamento e a estratégia das empresas, que nos últimos meses reduziram o número de lançamentos.
Segundo a pesquisa Abrainc/Fipe, a redução foi de quase 5% no acumulado do ano até agosto, puxada pela forte queda, perto de 47%, no segmento de médio e alto padrão. “A oferta está se reduzindo. Esse é o ponto de atenção”, comenta Castelo diante desses números.
Ao mesmo tempo, a expectativa é de que a demanda aumente. “Se você reduz a Selic e a taxa na ponta para financiamento (o que é excepcional e tem que acontecer, porque está muito alta), você aumenta naturalmente a demanda por imóveis por parte das famílias. E é natural da economia: aumenta o preço do lado de lá”, aponta Franco.
Ainda assim, ele chama a atenção para um ponto importante: mesmo que, no valor anunciado dos imóveis, a conjunção de fatores não se traduza em preços mais baixos em 2024, para o consumidor, a vantagem tende a ser maior.
“Eu vejo um ano bom mesmo que os preços não venham para baixo. No diluir da prestação, a um juros menor, fica viável a compra.”
Walter Franco, professor de Economia no Ibmec-SP.
Castelo concorda que, com a demanda de crédito para a média renda, pode haver “alguma pressão sobre os preços”, e acrescenta outro fator: com um reforço positivo dos juros para a demanda, as empresas podem tentar elevar suas margens de lucro. “Por enquanto, no cenário que estamos vendo, o que as empresas fizeram foi comprimir suas margens”.
Voltando para a oferta
Enquanto as perspectivas se equilibram entre estabilização dos custos dos materiais e expectativa de demanda alta por conta dos juros, Castelo chama a atenção para outro fator que pode pressionar os preços para cima em 2024: custos de mão de obra.
“Os acordos coletivos se pautam pela variação do INPC. No ano passado, a inflação chegou à casa dos 2 dígitos, e neste ano a gente tem abaixo de 5%. Isso se refletiu nos acordos que foram realizados neste ano”, diz ela, apontando ainda que está “observando que o mercado de trabalho da construção está muito aquecido em função do ciclo de obras”.
“O mercado imobiliário ainda reflete as vendas nos últimos dois anos que estão em processo de obra e entrega. Junto a isso, tem os investimentos em infraestrutura privados, concessões e, em ano pré-eleitoral, prefeituras acelerando suas obras”.
A especialista aponta que “isso resulta numa escassez de mão de obra qualificada” e que isso “é um item recorrente nas sondagens de construção”. A preocupação é que esse cenário possa reverter a trajetória e alívio do INCC.
Empresas: otimismo x cautela
As grandes incorporadoras confirmam a tendência mostrada pelas pesquisas. A Gafisa (GFSA3) conseguiu elevar suas vendas em 3,7% no acumulado dos primeiros três trimestres de 2023. Na Cyrela (CYRE3), o aumento foi ainda maior: 21%. Na Moura Dubeux (MDNE3), de 16%.
“A demanda se mostrou resiliente, e a inflação mais baixa e o início do ciclo de redução na taxa de juros foram gatilhos importantes para uma recuperação nas vendas”, disse Miguel Mickelberg, diretor financeiro do Grupo Cyrela, ao InvestNews.
Diego Villar, CEO da Moura Dubeux, defende que tiveram bom desempenho as empresas que conseguiram ajustar os efeitos da inflação dos anos anteriores às suas margens, e diz esperar que em 2024 a incorporadora continue colhendo os frutos dessa estratégia.
“Temos performado bem porque fomos muito rápidos em perceber esse movimento, mas acredito que ano que vem vai ter uma boa performance operacional, ou seja, vendas crescendo, lançamento crescendo e mais importante, correção de margem positiva.”
As empresas também comprovam o ânimo comedido para lançamentos em meio a um cenário com tantos fatores ainda sobre a mesa. A Cyrela reduziu o número em 5% no terceiro trimestre na comparação com o mesmo período de 2022. A Moura Dubeux foi mais intensa: 46%.
Mickelberg se diz “cautelosamente otimista” e afirma que a Cyrela espera, nos próximos meses, um “crescimento moderado” no número de lançamentos.
Já Villar afirma que a empresa “sempre teve essa cautela de escolher o momento mais adequado para fazer os lançamentos”. “A gente enxergou que no primeiro semestre deste ano tinha tanta coisa incerta com relação ao encaminhamento da política macroeconômica do país, que a gente preferiu ser cauteloso”.
Ele afirma que a Moura Dubeux “está mais comprometida com margem e rentabilidade do que em tamanho em si”. Por isso, o CEO diz que a questão da redução dos lançamentos não é necessariamente um cenário que a empresa esteja deslumbrante para 2024, e sim, todo um processo que já vinha ocorrendo desde anos atrás.
E aí entram as diferenças regionais
A Moura Dubeux atua em estados do Nordeste, com foco no segmento de médio e alto padrão. Enquanto locais como São Paulo e Rio de Janeiro, que se destacam com os maiores preços médios por metro quadrado do Brasil, impõe às construtoras desafios como escassez de terrenos, a região nordestina tem outros gargalos – e, consequentemente, as empresas ajustam suas estratégias de forma diferente.
“A gente tem uma oferta na média muito mais generosa de terreno e por ter não tanta competição”, afirma Villar. “Do ponto de vista do comportamento de demanda, por não ter tantos grandes incorporadores atuando simultaneamente, por não ter tantas empresas com sólida capacidade de contração de crédito para o financiamento de longos projetos, a gente não tem grandes projetos em desenvolvimento.”
Ele explica que essa dinâmica acelera a velocidade de vendas, mas ainda assim há um limitador. “A gente vê a demanda, naturalmente você tem uma velocidade de venda mais forte e uma regulagem de preço. Seria de se esperar então que saísse de R$ 10 mil para R$ 15 mil? Mas aí a renda senta o teto.”
“Por não ter renda média muito alta no Nordeste, a elasticidade é muito menor do que São Paulo, onde tem lugar que vende a R$ 15 mil, e tem lugar que vende a R$ 45 mil. Aqui no Nordeste não tem isso. Aqui tem lugar que vende a R$ 10 mil, tem lugar raro que vende a R$ 20 mil. E essa é a elasticidade a preço.”
Diego Villar, CEO da Moura Dubeux.
Enquanto isso, em locais como São Paulo, um dos grandes fatores que determina o preço é o custo (e disponibilidade) de terrenos para as construtoras, conforme explica Franco, do IBMEC. “Se você sai do centro, tem uma queda de um terço no valor do metro quadrado construído. Essa variação de preço de grandes centros para outros tem conexão com custo do terreno, pela demanda maior.”
Nesse cenário, Mickelberg, da Cyrela, diz que cada uma das regionais da empresa (São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre) “tem suas particularidades, com diferentes desafios relacionados ao grau de acirramento da concorrência, além de questões urbanísticas e de licenciamento”. Ele afirma que a companhia busca entender profundamente cada mercado para tomar melhores decisões de compra de terrenos e lançamentos.
O objetivo final, no entanto, é o mesmo para todas as empresas, como define Villar. “Que a velocidade de venda não seja tão rápida que a gente tenha deixado margem na mesa, nem tão lenta que precise praticar desconto mais na frente com a venda”.
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