Os alunos do personal trainer Rodrigo Julião (nome fictício) foram surpreendidos com uma mensagem que chegou via WhatsApp na manhã desta quinta-feira (28): a partir de janeiro, fazer os treinos personalizados vai custar de 8% a 10% mais caro. O que embasou esse cálculo de reajuste, segundo Julião, foi o nível atual da taxa Selic e a inflação acumulada no período (só pra não deixar dúvida: o IPCA, o índice oficial de inflação do país, sobe 3,88% no ano até outubro, e 4,72% no acumulado nos últimos 12 meses.)
A decisão de Julião de subir seu preço – e, sobretudo, a forma como ele fez o cálculo, com base na Selic, que não representa um custo direto na sua atividade – ilustra muito bem algo que o Banco Central vem repetindo há muito tempo: a piora das expectativas pode provocar mais inflação. E é exatamente o que explica a reação do mercado financeiro ao pacote fiscal anunciado pelo governo.
Quando os agentes econômicos – que nada mais são do que os empresários, empregados, prestadores de serviço, consumidores e investidores – começam a ver uma piora do cenário econômico, eles vão reagir subindo os preços, deixando de comprar ou adiando investimentos. E aquilo que era apenas um risco acaba virando um problema concreto: mais inflação e menos crescimento econômico. Tipo profecia autorrealizável.
LEIA MAIS: O alerta acendeu: pela primeira vez em 20 anos, dívida atrelada à Selic se aproxima de 50% do total
Quer ver outro exemplo? O motorista de aplicativo João Ribeiro (nome fictício), ficou assustado quando viu a cotação do dólar bater os R$ 6,00 no day after ao anúncio das medidas fiscais anunciadas pelo governo. E decidiu postergar a decisão de comprar um celular novo para a esposa como presente de Natal. Sua intenção era importar o aparelho. E, bem na semana da Black Friday, ele achou mais prudente guardar o dinheiro.
O poder das expectativas
São as pequenas decisões que pessoas físicas e empresas tomam no dia a dia que definem o rumo da economia do país. E essas escolhas nem sempre são objetivas, calculadas em cima de números. Elas resultam também do nível de confiança – ou de insegurança – naquilo que elas enxergam para o futuro.
O potencial do problema fica ainda maior se a gente pensar que as empresas – as pequenas e as grandes – também reagem em cima de expectativas. A IDB do Brasil, trading que trabalha com importação de insumos para as indústrias química, de metal-mecânica e construção civil, viu seus clientes entrarem em uma postura de “compasso de espera” e adiarem fechamentos de contratos nas últimas semanas. Isso por causa da expectativa pelo anúncio do pacote fiscal do governo.
O CEO da IDB, Erick Isoppo, explica que a alta do dólar prejudica o importador. Portanto, quem conseguiu empurrou pra frente a decisão de comprar produtos do exterior, à espera de alguma boa notícia que melhorasse o câmbio.
LEIA MAIS: Em vez de acalmar credores, governo joga gasolina na fogueira da luta de classes
“Vimos os importadores jogarem os negócios pra frente, na esperança de que as coisas poderiam melhorar. Mas chega um momento em que eles têm de fechar o contrato. Mas eles vão continuar importando, caro ou não, porque esse custo mais alto do dólar acaba sendo repassado para o consumidor”, explica Isoppo. A IDB do Brasil, com sede em Criciúma, tem uma carteira de cerca de 150 clientes, localizados nos estados de Santa Catarina, Paraná, Rio Grande do Sul e São Paulo.
Nebulosidade
Mas por que as expectativas estão piorando, se o desemprego está baixo e os números mostram que a economia está crescendo? Porque muito desse crescimento está sendo sustentado por gasto do governo. E, para isso, o governo tem que arrecadar mais. Essa opção por aumentar a receita, em vez de conter os gastos, castiga as empresas e grande parte da população. E pode levar a um descontrole das contas públicas. Ingredientes perfeitos para baixo crescimento e inflação mais alta.
É isso que explica o fato do dólar ter chegado a R$ 6,00 nesta quinta-feira. E também a alta dos juros futuros, que passaram a projetar uma taxa Selic de 14,90% em 2025. O que está piorando as expectativas é que, na visão dos investidores, a forma como o governo apresentou seu pacote fiscal mostra um certo descompromisso em colocar as contas públicas em ordem. Mais gasto público pode virar inflação e, consequentemente, vai fazer a Selic subir no futuro. E aí, é aquela história: como ninguém quer pagar para ver, a ordem é comprar dólar e apostar em uma alta do juro, como forma de se proteger.
E, mais uma vez, o risco aqui é da tal profecia autorrealizável. Se o mercado enxerga que a Selic pode estar perto de 15% no ano que vem, o investidor que financia o governo vai querer receber um juro mais alto para comprar os títulos emitidos pelo Tesouro Nacional. E a conta é simples de entender: se você vê o seu credor gastando mais do que pode, vai ficar com receio de voltar a emprestar pra ele. E um jeito de dizer “não empresto mais” é subindo o juro que você vai cobrar. É mais ou menos isso que está acontecendo.
Para conseguir rolar a dívida mobiliária do governo – que hoje está em cerca R$ 7 trilhões –, o Tesouro tem dois caminhos: ou ele aceita pagar juros prefixados mais altos, ou ele vende títulos pós-fixados, que oscilam de acordo com a Selic. Nas duas situações, ele vai pagar mais caro.
E aqui tem um detalhe muito importante: se o juro realmente subir do jeito que o mercado está projetando, o custo da dívida vai disparar. É que hoje, a fatia de títulos pós-fixados está em R$ 3,2 trilhões. E a cada um ponto percentual a mais nessa conta, o custo anual dessa dívida sobe R$ 32 bilhões. Praticamente a metade do que o governo diz que deve economizar com o pacote anunciado.
Imagine com a Selic a 14%.
Veja também
- Em vez de acalmar seus credores, governo joga gasolina na fogueira da luta de classes
- Todos contra um: dólar acelera com ‘Trump trade’ e derruba moedas pelo mundo
- Copo meio cheio ou meio vazio? Especialista explica a situação fiscal do Brasil
- Carlos Kawall: “Foco da política fiscal não pode ser reduzido à meta de superávit primário”
- Dólar encerra a R$ 5,51 e registra a maior cotação desde janeiro de 2022