Bolsas caindo mais de 10% mundo afora, dólar disparando e petróleo derretendo. O comportamento dos mercados financeiros nesta segunda-feira, em reação ao agravamento da tal guerra comercial, lembra muito o que se viu nos mercados nos dias pós-Covid. E, de certa forma, é possível dizer que há muito em comum – do ponto de vista econômico, claro – entre os dois eventos.
Naquele período, o S&P caiu 34% entre a máxima e a mínima, período que durou quase dois meses (foi de 19 de fevereiro a 7 de abril de 2020). Agora, o mesmo índice acumula uma queda de 17,5% desde 19 de fevereiro. Só que boa parte dessa queda – 10,5% – aconteceu em apenas três dias (de quarta-feira passada até aqui), ou seja, foi reflexo do anúncio das novas tarifas de Trump. O que dá pra ver é que a crise dos mercados provocada pela Covid foi, de fato, mais intensa. A questão é que a atual pode estar apenas no começo.
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O que faz os preços dos ativos financeiros chacoalharem é uma mudança abrupta do cenário: o risco de o mundo cair em uma recessão. É algo bem parecido ao que se viu em 2020, quando o surgimento inesperado do coronavírus levou a população para casa, fechou o comércio e impactou o consumo.
Na prática, o que acontece é que, em uma situação como essa, os investidores correm em uma mesmo direção vendendo ações, contratos futuros de petróleo e de juros e comprando os ativos que parece ser mais seguros, como Treasuries, dólar e ouro. Nessa hora, as decisões não têm muita racionalidade: a ordem é sair de posições que parecem mais arriscadas para só depois decidir a melhor estratégia. E isso provoca oscilações brutais nos preços, exatamente como se viu nesta segunda-feira: na Europa, o índice Stoxx 600 caiu 5%, a bolsa de Hong Kong chegou a cair 13% e, aqui, o Ibovespa caiu 2,63% na mínima.
É verdade que já havia algumas pistas de que algo nessa linha poderia acontecer: o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciando sua política protecionista. Só que essa ameaça se tornou uma realidade na quinta-feira passada, quando o governo americano decidiu taxar as importações praticamente de todos os países. Decisão que muda a lógica da produção globalizada e pode, ao menos num primeiro momento, provocar uma forte retração da economia.
O ponto central da instabilidade dos ativos é que as tarifas mais altas têm potencial de levar a uma parada súbita na produção de alguns bens e serviços. E já tem um pouco disso acontecendo. A britânica Jaguar Land Rover informou que suspendeu as remessas de seus carros para os EUA. A Audi, do grupo alemão Volkswagen, está mantendo veículos retidos nos portos dos Estados Unidos desde 2 de abril. São decisões que afetam uma cadeia produtiva grande e complexa e que, portanto, devem afetar a capacidade de crescimento da atividade global.
Foi mais ou menos isso que aconteceu no período da pandemia, quando a lógica da produção globalizada foi comprometida por causa da dificuldade de se produzir determinados suprimentos. Ou porque ficou mais difícil transportá-los de um país para o outro. Só que, naquele momento, o esfriamento do consumo derrubou a inflação. E, agora, a guerra comercial tende a tornar os preços mais altos. Afinal, as tarifas devem afetar em cheio da oferta de produtos – não o consumo.
Essa combinação de atividade fraca e inflação alta pode ser um grande complicador, especialmente quando se pensa na resposta que os bancos centrais darão. E já começa nublar a aposta de alguns agentes de que os bancos centrais , inclusive o brasileiro, deverão cortar os juros por causa desse quadro. Afinal, será que faz sentido cortar os juros para sustentar a economia – como alguns analistas já estão prevendo – se a inflação estiver em alta?
O desafio pode ser ainda maior por causa do comportamento do dólar, que voltou a ganhar força no fim da semana passada. Inicialmente, chegou-se a acreditar que a guerra tarifária enfraqueceria o dólar. Isso porque a economia americana, ela mesma, deve ser a primeira a sentir os efeitos das restrições tarifárias de Trump. E isso levaria investidores a substituir suas apostas na moeda americana por outras moedas fortes, como o euro ou o iene.
Só que, na prática, não é isso que está acontecendo. Quando os investidores estão em busca de segurança, não há ativo que substitua o dólar pelo menos em um aspecto: liquidez. É com dólares que investidores vão cobrir uma perda amargada na bolsa ou no mercado de bonds. E é comprando dólares que se preserva caixa – algo fundamental em um momento de tanta instabilidade. Esse efeito pode até passar ao longo do tempo. Mas, em um primeiro momento, é inevitável que a moeda americana se valorize – ainda que o epicentro da crise seja justamente os Estados Unidos.
Mas o maior problema deste momento é a incerteza. É sempre assim em qualquer crise: a falta de visibilidade atrapalha o mercado – investidores e autoridades – a tomar fazer apostas, escolher os ativos mais adequados para o momento. Só que desta vez, essa dúvida é ainda maior e duradoura porque tudo depende das decisões de uma pessoa: Donald Trump. E, como a gente já viu, ele pode mudar de ideia a qualquer momento.