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Economia

Renda básica: o debate por trás da ajuda dos governos na pandemia

O conceito é mais antigo do que parece e voltou com tudo após a crise do novo coronavírus interromper a atividade econômica; veja como ajuda emergencial foi adotada em diferentes países.

Para quem perdeu sua fonte renda desde o início da quarentena, sobraram poucas opções para tentar sobreviver: pedir isenção do aluguel, reduzir drasticamente o consumo, negociar dívidas e esperar as medidas de auxílio do governo. Dentre elas, a mais esperada é a renda básica emergencial, que na pandemia ganhou o apelido de “coronavoucher”.

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A renda básica voltou agora ao debate, mas é algo há muito tempo discutido no mundo e também no Brasil, principalmente em razão da forte desigualdade de renda entre nossa população. O professor de finanças do Ibmec, Gilberto Braga, lembra que o assunto já foi pautado pelo ex-senador Eduardo Suplicy (PT), mas não por isso é uma agenda defendida exclusivamente pela esquerda. 

O professor de economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul  (UFRGS), Maurício Weiss, comenta que “a ideia de uma quantia mínima de dinheiro para garantir a sobrevivência surgiu desde a escola austríaca”, uma das vertentes de pensamento econômico fundadoras do liberalismo ainda no século XIX, e que via com maus olhos grandes intervenções do Estado na economia.  

“Existem, com pequenas variações, defesas de teses de renda mínima tanto entre os liberais como entre as pessoas de esquerda. A diferença se dá em como isso seria implementado, qual o grau de exigência para ser incluído no programa e qual a contrapartida”, afirma Braga.

Renda universal x renda emergencial

Projetos como o Renda Mínima, tão debatido pelo ex-senador Suplicy, são de longo prazo e geralmente têm a pretensão de incluir todos, independentemente da faixa de renda. Por isso é dado o nome de renda básica universal.

Já o que se discute na atual crise do novo coronavírus é a adoção de uma renda básica emergencial. A diferença é que ela tem caráter temporário e voltado para a faixa mais vulnerável da população, como são os trabalhadores informais que perderam sua fonte de sustento durante a quarentena, por exemplo.

Auxílio de R$ 600 no Brasil

Ainda que a equipe econômica tivesse proposto inicialmente R$ 200 em ajuda para compensar a perda da renda com a pandemia da Covid-19, a medida sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro na última quarta-feira (1), terminou oferecendo para desempregados, trabalhadores informais e autônomos, um socorro mensal de R$ 600, por três meses. O “coronavoucher” pode chegar a R$ 1,2 mil para mulheres que chefiam famílias. 

LEIA MAIS: Como saber se você está no CadÚnico para receber o ‘coronavoucher’

Para obter a renda básica emergencial, é preciso se enquadrar nas situações citadas pelo governo e ter cadastro no CadÚnico (Cadastro Único para Programas Sociais). Para autônomos que não possuem o cadastro, foi lançado um aplicativo para poder receber o benefício. Saiba mais aqui

Comparação com outros países

Mesmo com programas de assistência social que já incluem transferência direta de renda, como o Bolsa Família, o Brasil está longe dos chamados Estados de bem-estar social europeus. Braga, do IBMEC, cita como exemplo o caso de países da Europa que têm a pirâmide etária invertida, ou seja, com muito mais idosos em idade ativa do que jovens.

Nesses lugares, os governos se encarregam de um sistema de assistência social com programas de incentivos só para que se tenha cada vez mais filhos e, assim, garantir uma população economicamente ativa no longo prazo.

Weiss lembra de outros casos: sistemas de assistência social que são previamente estruturados pela experiência com desastres naturais, como terremotos e furacões. Com a estrutura montada, alguns caminhos se encurtam, como a fase de cadastramento e saque, e a renda emergencial chega mais rápido a quem precisa.

Nos Estados Unidos, bastião da liberdade econômica, o pacote proposto pela Casa Branca vai dar U$ 1,2 mil para cada cidadão assegurar suas necessidades básicas durante a pandemia. No Reino Unido, o governo cobrirá até 80% dos ganhos dos trabalhadores autônomos até junho (limitados a 2.500 libras por mês). E na Alemanha, empresas e freelancers poderão receber até 15 mil euros (R$ 85,5 mil) em subsídios diretos durante três meses. 

Na Dinamarca, o governo vai cobrir 75% dos salários pagos por empresas, contanto que elas se comprometam a não demitir. O limite da ajuda será de 23.000 coroas dinamarquesas, o que equivale a R$ 17 mil mensais. Na Itália, o auxílio será de 500 euros (cerca de R$ 2.700) para trabalhadores autônomos. No Japão, a intenção é ajudar pequenos negócios, transferindo 12.000 ienes (R$ 550) por pessoa.

A professora Campergher projeta que a crise deflagrada pelo novo coronavírus pode flexibilizar o consenso econômico de contingenciamento de gastos pelo Estado. Segundo ela, “basta lembrar dos períodos do pós-guerra”, quando o planejamento estatal passou a ser essencial para qualquer economia do mundo, seja qual for a corrente de pensamento econômico.

Por que a demora no ‘coronavoucher’?

Descontado o tempo em que o governo brasileiro passou a entender a gravidade do problema causado pelo novo coronavírus, a equipe econômica, comandada pelo ministro Paulo Guedes, escolheu primeiro deixar o Banco Central adotar políticas monetárias e hesitou em optar pela transferência direta de recursos. Quando enxergou o impacto fiscal da medida, fez a primeira oferta de R$ 200 mensais aos informais.

A Câmara dos Deputados aprovou a proposta de R$ 600 no dia 26 de março. Quase uma semana depois, na quarta-feira passada (1), o Senado aprovou o projeto e ainda incluiu novas categorias para receber o auxílio. Mesmo que sancionado pelo presidente, o projeto ainda precisa de um decreto para operacionalizar os saques

Segundo a professora de economia da UFRGS, Glaucia Campregher, a hesitação do governo federal vem de um entendimento particular de Estado. “As finanças públicas não devem ser equilibradas como se o Estado fosse um pai de família, cujos gastos não podem exceder as receitas. O Estado gera o recurso que ele quiser, pois ele é dono da moeda.” 

MAIS: O BC pode emitir dinheiro para salvar a economia? 7 questões da crise

Segundo ela, em uma crise como a atual, em que a atividade econômica é interrompida por uma crise de saúde pública, “o ideal é correr com medidas que assegurem a renda para os trabalhadores em piores condições”. Nas medidas iniciais do ministério da economia, como a liberação dos compulsórios bancários, portanto, ela critica a crença na intermediação dos bancos para levar os recursos até as pontas finais.  

Neste final de semana, o ministro da economia, Paulo Guedes, fez uma videoconferência com representantes do varejo em que reconhecia que os recursos estão “empoçados no sistema financeiro”. No mesmo evento, disse: “Começamos agora a dar dinheiro na veia, direto para as empresas”.

Outros motivos para a demora é o condicionamento da aprovação a uma outra PEC, a do Orçamento de Guerra. Para o professor Weiss, “esse ponto é uma questão mais jurídica do que econômica”. Ele entende que o governo está receoso de que os gastos excessivos possam abrir brecha para um processo de impeachment. 

LEIA MAIS: Entenda ponto a ponto o que é a PEC do Orçamento de Guerra

Já o professor Braga considera a ponderação do ministério relevante, mesmo concordando que o momento é de endividamento. “Eu acho que é um orçamento de guerra. Não dá pra ficar submetendo ao Congresso, por via de lei, qualquer projeto. Isso tem que vir dentro de um guarda-chuva de medidas”, afirmou.


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