A Câmara deve votar ainda nesta terça-feira (5) em plenário o projeto de lei do Desenrola, após aprovar na véspera requerimento de urgência com 360 votos a favor e 18 contra. Porém, a proposta do programa do governo para renegociação de dívidas trata também dos juros do rotativo do cartão de crédito. E é nela que o mercado financeiro está de olho.
Isso porque o mérito da matéria, se aprovado nas duas Casas Legislativas, terá reflexos tanto na economia real quanto no setor financeiro. Especialistas ouvidos pelo InvestNews avaliam que, em ambos os casos, o impacto é negativo. Afinal, “não se alteram as leis de oferta e de procura por decreto”, comentou o economista André Perfeito.
Para o economista-chefe da Ativa Investimentos, Étore Sanchez, o projeto do Desenrola, que traz consigo medidas que preveem a mitigação dos juros do cartão de crédito, tem efeito econômico similar que, se sistemático, pode distorcer os incentivos aos pagamentos, onerando o custo do crédito.
“Ambas as medidas devem incrementar os juros médios da economia, visto que limitar o custo do cartão e ignorar a taxa de inadimplência elevada da modalidade apenas fará com que outras modalidades paguem por esse custo”
economista-chefe da Ativa Investimentos, Étore Sanchez
Segundo Sanchez, de maneira análoga, “limpar” a base de inadimplentes beneficia os “maus pagadores”.
Já o analista de investimentos e chefe de análise fundamentalista da Quantzed, Vitorio Galindo, avalia que o impacto está mais relacionado ao produto, no caso o cartão de crédito, do que com a taxa de juros no geral. “A não ser que os bancos decidam compensar as perdas de receita e com a inadimplência no cartão com outros produtos, mas isso não é o trivial”, comenta.
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Limite de 100%
Entre as polêmicas da proposta, está a definição de um limite de 100% da dívida para os juros do cartão de crédito rotativo. Essa modalidade é a que determina os juros no período de até um mês após o não pagamento da fatura. Depois deste tempo, transfere-se a dívida para a modalidade parcelado, em que há a incidência de menores taxas de juros.
Nesse sentido, o analista da Guide Investimentos, Eduardo Siqueira, explica que hoje a taxa média anual de juros na modalidade é de aproximadamente 440%.
“Ou seja, o limite de 100% poderá reduzir drasticamente a oferta de crédito no cartão pelo setor, caso seja aprovada”
analista da Guide Investimentos, Eduardo Siqueira
Por isso, ele prevê que dificilmente a matéria não irá sofrer alterações no Congresso. Até porque um embate sobre rotativo e parcelado marca o segmento, com os bancos defendendo mudanças no parcelamento sem juros ou incentivos/exceções para públicos de maior risco.
Do contrário, é o consumidor quem irá sentir. “Já que o banco vai ter que limitar os juros, provavelmente vai emprestar, vai ceder crédito no cartão apenas para clientes que tem uma inadimplência boa e que daí não precisa cobrar um juro alto no cartão para compensar as perdas”, explica Galindo, da Quantzed.
Aliás, o setor bancário terá de apresentar uma proposta de autorregulação para o rotativo do cartão. Caso contrário, o total cobrado a título de juros e encargos financeiros não poderá exceder o valor original da dívida. Portanto, além de arcar com maiores riscos, também haverá maior competição entre emissores de cartão.
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Alguns bancos perdem mais
No fim de agosto, portanto antes do avanço da votação na Câmara, o Goldman Sachs publicou um estudo para averiguar quais bancos seriam os mais afetados por um teto de juros no rotativo. Seja em um cenário com limite de 8% ou de 10%, o Banco Inter (INBR32) seria o mais afetado, em termos relativos, com uma queda de até 50% no lucro anual.
Já em termos absolutos, o Itaú Unibanco (ITUB4) teria o maior impacto, ao redor de R$ 2 bilhões. O Goldman Sachs fez os cálculos considerando a carteira de cartão de crédito de cada banco e qual a fatia do rotativo nesse portfólio.
Para Siqueira, da Guide, a medida é negativa para o setor como um todo, sendo os bancos com maior exposição à modalidade rotativo e os com maiores juros na categoria os mais afetados. Ele cita Santander (SANB11) e Bradesco (BBDC4) como “os principais impactados dentre os grandes bancos”.
Segundo ele, essa expectativa deve-se à maior representatividade do cartão de crédito rotativo dentro da operação dessas instituições e de segmentos de maior risco de crédito, em que naturalmente incidem as maiores taxas.
Por outro lado, os menos afetados, na visão da Guide, são o Banco do Brasil (BBAS3) e o Banco ABC. “Enquanto o cartão de crédito rotativo é menos representativo dentro do balanço total do banco público; o segundo não atua nessa linha de crédito, sendo um banco voltado para empresas de maior porte”, emenda Siqueira.
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