Depois de ter sido retirada da Medida Provisória (MP) do salário mínimo (sendo apontada como “o maior jabuti da história recente” pelo presidente da Câmara, Arthur Lira), a taxação dos investimentos no exterior, chamados de fundos offshore, voltou à pauta de discussão no Congresso nesta terça-feira (29). Com isso, o foco se desloca para Brasília, com o mercado financeiro ainda avaliando os impactos positivos e negativos da proposta.
A tributação chega agora como Projeto de Lei (PL) e é uma das principais medidas do governo para aumentar a arrecadação e garantir as metas fiscais. Segundo o texto, as pessoas físicas com renda no exterior entre R$ 6 mil e R$ 50 mil por ano ficarão sujeitas à alíquota de 15%, enquanto as que têm renda superior a R$ 50 mil serão tributadas em 22,5%.
A proposta do governo também prevê a possibilidade de o contribuinte atualizar o valor de seus bens e direitos no exterior para o valor de mercado em 31 de dezembro de 2023 e tributar o ganho de capital pela alíquota de 10%. Atualmente, o capital investido no exterior é tributado em 15% somente no resgate e na remessa desse dinheiro ao Brasil.
A matéria também traz o conceito de tributação de Trusts, algo não tratado na legislação brasileira. A expectativa do Ministério da Fazenda é arrecadar R$ 7,05 bilhões com a taxação de rendimentos em offshores em 2024, o que ajudaria a atingir o déficit zero previsto para o ano que vem. Já em 2025, o potencial de arrecadação é de R$ 6,75 bilhões e, em 2026, R$ 7,13 bilhões.
Portanto, em três anos, o governo prevê arrecadar R$ 24 bilhões com a tributação de offshores. A proposta é compensar a perda de receitas gerada pela nova faixa de isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) e também o aumento dos gastos com o reajuste do salário mínimo.
Autointeresse tupiniquim
Se for aprovado o projeto para taxar o capital aplicado em empresas no exterior, a nova tributação passa a valer em 2024. No entanto, apesar da costura da proposta com os líderes na Câmara e no Senado, falta base de apoio para aprovar a medida.
“A questão é tema sensível no Congresso, visto que há o ‘autointeresse’ de alguns agentes nas Casas, o que poderia minar a intenção de tributação”, observou o economista da Ativa Investimentos, Étore Sanchez, em comentário.
Nesse sentido, o analista fundamentalista da Quantzed, Leonardo Piovesan, lembra que a taxação das offshore é um projeto de lei, que tem de ser aprovado até o fim do ano para poder valer em 2024. “Então, não tem efetividade imediata. Tem que passar no Congresso, em votação, nas duas Casas”, explica.
Além disso, Sanchez, da Ativa, observa que o valor previsto de arrecadação com a medida não vai ser recorrente. Isso porque, segundo o economista, o rendimento acumulado será tributado apenas nesta primeira oportunidade. “Ou seja, mesmo que o plano do governo dê 100% certo, ainda faltam muitas receitas para que o déficit seja zerado em 2024”, completa.
Já a planejadora financeira Ana Paula Carvalho, sócia da AVG Capital, lembra que essa medida, juntamente com a que prevê a taxação de fundos exclusivos, já foi tratada há algum tempo em governos anteriores. “Porém, não seguia”, pondera, mostrando as dificuldades de aprovação de ambas as matérias.
No entanto, a tributação das offshores que estão localizadas em países de nenhuma ou baixa tributação já é realidade entre os países desenvolvidos. Por isso, na visão de Bruno Habib, sócio da área tributária do Veirano Advogados, a probabilidade da medida ser aprovada no Congresso Nacional é maior do que a de não ser aprovada.
“A perspectiva é que deve passar, se não esse ano, nos próximos anos, em linha com o que já é praticado em outras jurisdições com legislações mais avançadas, ainda que alguns ajustes sejam necessários”, afirma o especialista. Porém, ele não descarta que o texto do PL traz pontos que tendem a ser judicializados.
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Ruído fiscal
Com isso, o ruído político pode voltar a influenciar os negócios no Ibovespa e também com o dólar no curto prazo, com os investidores ficando cada vez mais desconfiados quanto ao arcabouço fiscal erguido dia desses. “Com a notícia em foco, o mercado volta a atrair atenção para as questões fiscais”, comenta um operador de derivativos de uma gestora.
A dúvida é se haverá, de fato, sustentação da medida que substituiu o teto de gastos através do aumento da arrecadação. Para a planejadora financeira e sócia da AVG Capital, o recado que o governo dá para o mercado é de que está empenhado em colocar em prática a reforma tributária.
De um lado, isso dá sinais de que não haverá nenhum descontrole das despesas, sinalizando uma austeridade fiscal maior. “Porém, a princípio [a medida] assusta um pouco o mercado, porque vai afetar uma parte considerável de investidores”, avalia Ana Paula.
Segundo cálculos da Fazenda, aproximadamente 12 mil brasileiros têm recursos em aplicações do tipo fundos exclusivos, acumulando cerca de R$ 750 bilhões. Já em relação às offshores, não há estimativa, conforme apuração do InvestNews junto à Economática.
“Como não é taxação das empresas e isso mira as pessoas físicas com grande patrimônio, os super-ricos, não deve haver um impacto na bolsa, nas empresas”, prevê Piovesan, da Quantzed. Para ele, ao contrário, pode haver até um efeito mínimo positivo, diante da maior probabilidade de zerar o déficit fiscal em 2024, vista como “uma meta bem ambiciosa”.
Assim, os problemas das offshores e dos “onshore”, como são chamados os fundos exclusivos pela equipe econômica, parecem ser da mesma natureza. “Ambos criam distorções injustificadas no sistema tributário brasileiro que permitem o não recolhimento do tributo e oferecem vantagem em relação a produtos financeiros similares, tornando-os menos competitivos”, conclui o operador de derivativos de uma gestora citado acima, que preferiu não ser identificado.
Com isso, até a conversão do projeto em lei, existe um tempo razoável para ajustar as carteiras e a exposição aos ativos de risco. Para Marcelo Bandeira, sócio da One Partners, é o momento de preparar eventuais reorganizações dos fundos para gerar liquidez ou otimizar esses investimentos de forma eficiente. “Na medida em que um dos grandes atrativos que essas estruturas têm vai, cedo ou tarde e de uma forma ou de outra, acabar”.
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