As perspectivas para o mercado argentino dependem muito do sucesso ou fracasso de Javier Milei em aprovar suas reformas. Apesar de o nível da taxa de aprovação do ultraliberal ser alto – perto de 60%, a grande questão é se tende a se sustentar. Ainda assim, gestores focados em ativos ligados ao país apontam que há boas oportunidades para investidores lucrarem, apesar da economia seguir “em obras” no país.
O presidente da Argentina, Javier Milei, fez do combate à inflação galopante – que em fevereiro ficou acima de 250% – uma prioridade do seu governo. Mas segundo William Jackson, economista-chefe para mercados emergentes da consultoria britânica Capital Economics, o registro histórico na América Latina sugere que quando a inflação atinge taxas tão elevadas, pode assumir vida própria. O que significa que as coisas podem piorar antes de melhorar.
Mesmo assim, o mercado argentino segue otimista com as medidas do ultraliberal. O índice Merval – o Ibovespa da bolsa argentina – sobe 9% (em pesos) no acumulado deste ano e 4,4% (em dólares), segundo o consultor financeiro Einar Rivero. Já a valorização do dólar diante do peso argentino no período é de 4,5%. Em 2023 esse percentual foi de 356%.
O Pacto de Maio
Agora, o mercado interpreta o chamado “Pacto de Maio” como uma segunda tentativa de legitimar o ajuste fiscal, a desregulamentação econômica, a reforma política e a reorganização tributária através de meios legislativos, estruturais e definitivos segundo Vinícius Aleixo, sócio-diretor da Tordesilhas Capital.
Previsto para ser discutido em Córdoba em 25 de maio, o pacto “surge como uma oportunidade para reativar o fluxo de recursos financeiros entre o governo federal e as províncias, em meio a tensões crescentes sobre a coparticipação federal”, aponta o gestor.
Milei convocou governadores, ex-presidentes e líderes políticos para se juntarem na assinatura do pacto, que dependerá da aprovação de leis fundamentais e de um novo pacto fiscal.
Para William Jackson, da Capital Economics, o clima ainda é de preocupação mesmo com o Pacto de Maio dado o risco de suas medidas anunciadas não serem aprovadas pelo Congresso por conta de sua coligação que não tem maioria na casa.
“É pouco provável que suas medidas sejam populares, especialmente tendo em conta que a inflação aumentou ainda mais desde que ele assumiu o poder e a recessão provavelmente se aprofundou”.
Mas o economista disse ao InvestNews que provavelmente podem ser vistos progressos em algumas áreas, já que ainda há margem para apertar a política fiscal assim como desvalorizar a taxa de câmbio e os controles de capitais. Mas Milei vai precisar da aprovação do Congresso para reformas estruturais que impulsionem o crescimento da Argentina.
Daniel Delabio, especializado em Argentina e gestor da Exploritas, apontou que Milei hoje tem feito um ajuste fiscal forçado oferecendo o mínimo para as províncias do país pagarem suas contas.
Além disso, a população, que já enfrentava altas taxas de pobreza antes do governo de Milei, segue ficando ainda mais pobre, dado os maiores impostos cobrados e inflação ainda nas alturas. “O consumo lá está despencando e como a inflação é alta, ninguém quer ficar com dinheiro no bolso”, aponta Aleixo, da Tordesilhas Capital .
Bonds argentinos
Ainda assim, é consenso que a Argentina precisa reestruturar suas dívidas, sendo esta uma tarefa nada fácil na visão de Delabio, que mesmo assim tem um olhar positivo para o país, especialmente para os bonds (títulos de dívida do governo).
“Quando você olha para os bonds soberanos curtos (com vencimento em 2030), antes das eleições, eles eram negociados a 25 centavos e um yield anual de 70%. Atualmente ele está sendo vendido a 48 centavos, quase o dobro, e um yield de 29%”, aponta.
Vinícius Aleixo, da Tordesilhas Capital, faz coro ao destacar as taxas atraentes pagas pelos títulos soberanos, especialmente os papéis com vencimento em 2030. “Estes negociam perto de 35% do valor do par [remuneração contratada], ante 25% no ano passado”, aponta.
De certa forma, os melhores rendimentos se devem à redução do prêmio de risco-país, o que é uma boa surpresa, segundo a Capital Economics.
“O spread das obrigações soberanas denominadas em dólares argentinos sobre os títulos do Tesouro dos EUA caiu drasticamente e está agora no seu nível mais baixo em anos, refletindo o otimismo relativo às perspectivas de reforma de Milei”.
Ainda assim, o economista aponta que o maior risco é que as dívidas externas do governo ainda precisam ser reestruturadas.
Mercado de ações
Já analisando as ações listadas no índice Merval, a estatal petroleira YPF, que subiu 36% em um único dia após as eleições, está sendo considerada “barata” e com potencial de maior alta dado a mudança para um governo de direita “o que favorece estatais”, aponta o gestor da Tordesilhas Capital.
No ano passado, as ações da YPF eram negociadas entre US$ 12 e US$ 15. Passadas as eleições, elas seguem cotadas em mais de US$ 18.
“Nos bons tempos, a estatal chegou a negociar a US$ 25 (governo Macri). Mas também viu seu preço despencar a US$ 5 durante o governo peronista”, observa Aleixo.
Por isso o gestor aponta que para perseguir um risco retorno mais equilibrado os títulos soberanos são os mais indicados.
“Se ele (título do governo) não funcionar, não vai ser as empresas que vão, muito menos uma estatal”, reitera.
Vinícius Aleixo, sócio-diretor da Tordesilhas Capital
No entanto, em todo 2023, foi um fundo de índice (ETF) que acompanhou 25 ações listadas no “Ibovespa” argentino registrou o melhor desempenho do mundo quando comparado a ETFs de outros países.
O fundo Global X MSCI Argentina (ARGT) viu seus ativos quadruplicarem no ano passado, para US$ 124 milhões. Os cotistas colheram retornos na casa dos 52,5% no período.
O bom resultado foi justificado pelo fim da disputa presidencial que levou a uma melhora da percepção do mercado em relação ao ambiente de negócios como um todo no país vizinho, além de o discurso liberal de Milei ter agradado.
No entanto, o produto não é o preferido dos gestores, uma vez que o maior peso da carteira do ETF (21,7%) é representado pelo gigante de e-commerce Mercado Livre, que acumulou um retorno expressivo de 80,4% em 12 meses encerrados em janeiro, sendo 29% apenas em novembro – mês das eleições argentinas – contra pouco mais de 11% do Nasdaq no período.
Segundo Aleixo, da Tordesilhas Capital, a forte concentração em Mercado Livre é o maior risco do ETF. “Apesar de a gigante de entregas ser “made in Argentina”, suas operações são mais brasileiras e estão de certa forma mais ligadas à economia do Brasil. Então é muita concentração para se apostar em um fundo”.
Daniel Delabio, por sua vez, aponta que a Exploritas tem maior preferência por papéis de dívida soberana do que ações, uma vez que a exposição ao ativo do governo cai rapidamente.
“Em bonds, você recebe 12% do seu dinheiro de volta a cada semestre, então em dois ou três anos você já recebeu boa parte sem se arriscar muito”.
Jackson, da Capital Economics, aponta que o mercado de ações é complexo e que em um ambiente de inflação elevada, os preços das ações até podem ter um bom desempenho, assim como os argentinos também podem ter investido em ações como proteção contra o aumento dos preços.
“Mas se Milei tiver sucesso, podemos não ver o mesmo tipo de ganhos no Merval como vimos recentemente”.
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