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Finanças

Crise do Zhongzhi expõe risco do shadow banking na China; entenda

Setor bancário paralelo funciona às margens das regras que regem tradicionais bancos chineses.

A crise do setor imobiliário da China fez uma nova vítima. O conglomerado financeiro Zhongzhi entrou com pedido de falência na última sexta-feira (5), em Pequim, depois de não conseguir renegociar dívidas vencidas e de alegar que seus ativos eram insuficientes para honrar os débitos em aberto.

A notícia aumentou as preocupações de que os problemas no mercado imobiliário chinês possam se espalhar para o sistema financeiro do país. Tanto que, em reação, as bolsas de Hong Kong e de Xangai amargaram perdas acentuadas nesta segunda-feira (8), de mais de 1%, com os riscos de contágio pesando no sentimento dos investidores.

Mas antes de acionar o sinal de alerta nos mercados, é preciso entender as peculiaridades da bancarrota. Afinal, por manter fechada a chamada conta capital do balanço de pagamentos – que movimenta os investimentos, empréstimos e recursos externos – pode-se dizer que a China possui um sistema financeiro com características chinesas.

Sede do Zhongzhi, em Pequim, na China. Crédito: Bloomberg

Dito isso, é importante ressaltar que o conglomerado Zhongzhi não está inserido no tradicional sistema financeiro chinês. Ao contrário, a instituição faz parte do chamado shadow banking, ou setor bancário paralelo, que funciona às margens das regras rígidas de capital que regem os bancos comerciais chineses, de propriedade do Estado. 

Ainda assim, não se pode descartar o tamanho do shadow banking, setor que movimenta aproximadamente US$ 3 trilhões – ou quase o tamanho da economia da França

Bancos com características chinesas

Na China, o setor bancário paralelo abrange empresas de microfinanciamento, de garantias e até casas de penhores que emprestam recursos, proporcionando um fluxo de crédito mais fácil. O Zhongzhi Enterprise Group é classificado como uma empresa de gestão de fortunas, nos moldes de uma wealth asset management

Essas empresas não têm sistemas de controle de risco como os bancos convencionais. Os recursos canalizados no shadow banking vêm da receita de ativos patrimoniais oferecidos a investidores de varejo, incorporadoras e em projetos de infraestrutura, que recorrem ao sistema bancário paralelo para a concessão de empréstimos e financiamentos.

“Os principais investidores de produtos do shadow banking são empresas e indivíduos com elevado património líquido, que devem estar cientes dos riscos que acompanham os rendimentos mais elevados”.

Magdalene Teo, chefe de Pesquisa de Renda Fixa na Ásia do Julius Baer.

Ainda assim, as atividades bancárias paralelas não são necessariamente ilegais, mas o grau de operações legítimas varia. No entanto, não há nenhum sinal na China de realizar discussões sobre a legalidade desse tipo de rendimento. Daí porque tampouco se deve esperar por um resgate financeiro por parte do governo chinês. 

“Até porque muitos produtos do Zhongzhi não são padronizados e foram desencorajados ou proibidos pelos órgãos reguladores chineses. Alguns são comparáveis a um esquema de pirâmide financeira”, disse Zerlina Zeng, analista sênior de crédito da CreditSights, ao Squawk Box Ásia da CNBC.

Lehman Brothers 2.0?

Portanto, à primeira vista, o colapso do conglomerado financeiro realmente assusta. O temor é de que a crise no setor imobiliário chinês que se arrasta desde 2021, com o colapso da Evergrande, possa resultar em um “evento Lehman Brothers”, que desencadeou a crise das hipotecas subprime de 2008.

Porém, nesse caso, qualquer semelhança com o centenário banco norte-americano de investimentos é mera coincidência. Até porque a crise envolvendo o Zhongzhi Enterprise Group não vem de agora. O conglomerado financeiro é manchete desde julho do ano passado, quando sua subsidiária, Zhongrong Trust, atrasou pagamentos aos seus credores.

Na ocasião, o impacto de contágio no sistema financeiro mais amplo foi limitado, sendo sentido mais na indústria de fundos de investimento da China, em especial os de tipo offshore. Ou seja, os investidores estrangeiros que investem em ativos chineses atrás de trustes são os mais afetados.

Em linhas gerais, o trust é um mecanismo que permite que uma pessoa faça uso de determinado bem sem ser titular ou proprietária do mesmo. Trata-se de uma forma de sucessão ou de manutenção de patrimônio sob administração de terceiros, comumente utilizados nos Estados Unidos e que deve ser regulamentado em breve no Brasil

A situação do Zhongzhi se agravou ainda mais no fim de novembro, quando a política de Pequim, onde fica a sede da empresa, abriu uma investigação criminal sobre o negócio do conglomerado financeiro. Alguns dias depois, dois executivos desapareceram. À época, o Zhongzhi declarou-se “gravemente insolvente”, com ativos de cerca de US$ 30 bilhões, enquanto os passivos totalizavam US$ 65 bilhões. 

Vem mais por aí…

Desde o recente default do Zhongrong Trust o impacto sobre os bancos e as companhias de seguros foi relativamente fraco e com consequências limitadas. Porém, provavelmente deve-se observar mais inadimplências em empréstimos fiduciários, já que seus investimentos são veículos de financiamento do governo local e da dívida imobiliária.

Teo, do Julius Baer, explica que isso ocorre porque os grandes bancos e as instituições financeiras tradicionais são apenas distribuidores dos produtos de trustes, sendo bastante prudentes e seletivos na distribuição. Portanto, não são responsáveis pelas perdas decorrentes dos investimentos offshore

Com isso, os investidores estrangeiros provavelmente incorrerão em grandes descontos no plano de reembolso e poderão recuperar menos da metade dos recursos aplicados. Ao mesmo tempo, é pouco provável que o Zhongzhi seja a única empresa bancária paralela a falir em meio à crise do setor imobiliário chinês. 

Diante disso, o Commerzbank alerta que os desdobramentos recentes provavelmente vão intensificar a desconfiança dos investidores sobre a saúde da economia chinesa.

“Embora os credores da empresa sejam majoritariamente indivíduos ricos e não instituições financeiras, o seu colapso poderá prejudicar a confiança do mercado e também renovar as preocupações sobre a indústria fiduciária e se suas implicações mais amplas e significativas para o setor imobiliário em dificuldades”.

analistas do Commerzbank, em nota.

Aliás, no mês passado, a Hywin Holdings, uma pequena gestora de fortunas cujos produtos são investidos principalmente em imóveis, também afirmou que não conseguiu atender prontamente aos pedidos de resgate dos clientes.

*Com agências internacionais

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