Finanças
Crise hídrica: quais ações da bolsa sofrem com a pior seca em quase 100 anos?
Geradoras de energia são as mais afetadas, enquanto transmissoras permanecem como porto seguro dos investidores.
O fantasma da crise hídrica bateu na porta do Brasil. Embora especialistas consideram que o risco de racionamento é muito baixo, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, confirmou recentemente que o país poderia estar passando por uma das piores crises da sua história. Neste contexto, ações de alguns setores da bolsa podem ser diretamente impactadas por este cenário.
Com a pior seca em 91 anos, o governo emitiu uma alerta de emergência hídrica em 5 estados brasileiros até setembro, entre estes: São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Goiás e Paraná.
Historicamente, a matriz elétrica brasileira é majoritariamente hídrica, com 72% da energia gerada por usinas hidroelétricas. Porém, nos últimos anos, os reservatórios ficaram cada vez mais pressionados.
Segundo relatório dos analistas Rafael Borges e Daniel Arruda, do Inter Research, quando se fala em armazenagem, o subsistema Sudeste/Centro-Oeste é responsável por 70% e tem sido afetado intensamente desde meados de 2020 pelo fenômeno La Niña, que altera as condições climáticas e de chuva.
Com o sistema se deteriorando, armazenando cada vez menos recursos, a geração de eletricidade pode ficar comprometida, principalmente em períodos secos que ocorrem até o mês de setembro, com queda no nível dos reservatórios de água.
Os rios, que também contribuem com as fontes hídricas, também sofreram os impactos da incidência de chuvas desde 2020. “Como o somatório dos reservatório segue deteriorado, com uma menor afluência nas principais bacias, o volume gerado pelas hidrelétricas tem ficado aquém de seu potencial”, apontam os analistas.
Com as hidroelétricas comprometidas, e para minimizar os efeito da crise, é a vez das termoelétricas entrarem no jogo. Responsáveis por 18% da matriz energética brasileira, em tempos de seca, são estas companhias que carregam nas costas a missão de garantir energia elétrica para todos os brasileiros. A capacidade instalada gira em torno de 38 GW.
Em um cenário mais desafiador, as termoelétricas provêm energia até o final do ano, mas por se tratar de uma energia mais cara, os custos de geração podem ser mais elevados e serão repassados para os consumidores nas contas de luz, que devem ficar na bandeira vermelha neste período.
Setores mais impactados pela crise hídrica
Com a crise hídrica em andamento e incertezas sobre a proporção dos seus impactos, surgem preocupações no mercado financeiro em relação aos setores e ações que podem ser mais prejudicados.
O consenso dos analistas consultados pelo InvestNews é que o setor elétrico, principalmente companhias geradoras de energia, deve ser o mais impactado pela crise hídrica. Contudo, as distribuidoras também sentem os efeitos. Outro setor da bolsa que deve sofrer é o de saneamento, que tem a água como matéria-prima.
No entanto, existe ainda o risco de que a crise hídrica impacte outros setores, além dos de energia e saneamento, afetando principalmente o movimento de recuperação na bolsa de valores, que nos últimos dias bateu recordes e se aproxima do patamar de 130 mil pontos.
Segundo Hugo Queiroz, analista-chefe do TC Matrix, outros setores também são indiretamente impactados, principalmente aqueles onde empresas são dependentes de energia elétrica na sua produção. É o caso do setor de serviços, indústria, extração mineral e papel e celulose. “A Gerdau (GGBR4) é dependente de energia elétrica para produzir aço, transformando a sucata com elevados insumos de energia”, exemplifica.
Contudo, ele esclarece que a dimensão desse impacto vai depender dos contratos que as companhias possuem. “Se for um contrato de fornecimento de energia de médio e longo prazo, o efeito é anulado”, aponta.
Para ter maior segurança nos seus investimentos, o InvestNews consultou analistas sobre o que é risco e oportunidade na bolsa de valores em tempos de crise hídrica. Confira a seguir:
Como ficam as geradoras de energia?
De acordo com os analistas entrevistados, o setor mais afetado na bolsa de valores durante a crise hídrica deve ser o de geração elétrica. Nele se encontram companhias responsáveis pela produção de energia, seja a partir de usinas hidroelétricas (água), eólicas (vento), solares (radiação eletromagnética) e usinas termoelétricas ou nucleares.
Ilan Arbetman, analista da Ativa Investimentos, aponta que as companhias com receita concentrada na geração hidroelétrica devem sofrer fortes prejuízos. É o caso de Cesp (CESP6; CESP5; CESP3) e AES Brasil (AESB3) procuradas pelos investidores por ser boas pagadoras de proventos.
Para Arbetman, existe a possibilidade de o caixa destas companhias ser impactado diminuindo a proporção dos proventos, mas tudo depende de como serão as chuvas no Brasil no período de novembro até março.
Em 2020, por exemplo, as chuvas foram fracas, diminuindo os níveis dos reservatórios. Ele aponta que, se a história se repetir, com os reservatórios operando com 30% da capacidade, é possível que a distribuição de dividendos seja afetada.
Até lá, a recomendação do analista é neutra para AES Brasil e compra para CESP, considerando os bons resultados da companhia no 1º trimestre de 2021. Porém, alerta que estas projeções podem ser revisadas conforme a evolução dos reservatórios. “É possível que existam mudanças de acordo com a dimensão do risco-retorno”.
Victor Bueno, analista de investimentos da Top Gain, acredita que o mercado já precificou o pior cenário para AES Brasil nas últimas semanas e que a companhia vem engatando uma leve recuperação, enquanto Cesp ainda continua sendo precificada de forma agressiva pelos investidores.
No entanto, ele destaca que os fundamentos das companhias são sólidos e que os múltiplos estão bastante descontados, desta forma, investidores com estratégias de dividendos podem ter na queda das ações uma oportunidade de entrada. “Com as empresas prejudicadas pela crise, alguns investidores estão aproveitando para comprar os papéis a preços mais baixos”, comenta.
Além destas duas companhias, os analistas citam elétricas integradas (que atuam na geração, transmissão e distribuição) e podem sofrer impactos pela sua forte exposição à geração hídrica. São estas: Copel (CPLE6), Cemig (CMIG4), Alupar (ALUP3), Engie (EGIE3) e Eletrobras (ELET3; ELET6), embora estas duas últimas tenham seu risco mitigado pela geração térmica.
No lado oposto, as vencedoras da crise serão as companhias geradoras focadas em energia renovável e térmica. A campeã é a Eneva (ENEV3), que é vista por todos os analistas como um case de oportunidade a curto e médio prazo e cujas ações devem disparar com a crise hídrica.
A small cap está focada na geração térmica e atualmente opera com quatro usinas de gás e duas de carvão. Recentemente, o governo sinalizou que as termoelétricas serão as responsáveis pela matriz energética durante a seca.
Segundo o analista da Easynvest José Falcão, a ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) pediu a 40 empresas detentoras de usinas térmicas movidas a gás, óleo diesel, biomassa e carvão que informem seus cronogramas de operação e manutenção até dezembro. “A Eneva deve se beneficiar deste cenário, por ser uma das maiores produtoras de gás natural do Brasil e no uso da energia térmica”, defende.
A companhia integra a carteira TOP 10 do analista no mês de junho, com preço-alvo de R$ 21. Eneva também é apontada como oportunidade para o investidor pela Flip Investimentos, Ativa Investimentos, Top Gain e TC Matrix.
Outra que também deve surfar nessa onda positiva, mas com menos intensidade, é a Omega Geração (OMGE3) , um player focado em geração por meio de energia renovável, principalmente solar e eólica.
Arbetman, da Ativa Investimentos, aponta que a Omega também terá oportunidades nesta crise hídrica pelas suas soluções alternativas. Ele defende que a crise deve ainda trazer à tona o debate sobre o Brasil depender menos de fontes hídricas e ampliar a atuação na energia renovável.
Segundo o analista, mesmo sem risco de racionamento, uma crise hídrica como esta não tem recuperação rápida. Seus efeitos podem ser sentidos em 2021 e no próximo ano caso os reservatórios continuem abaixo da média. Por este motivo, a depender da evolução do cenário, a alta de Eneva e Omega Geração pode ser vista também como oportunidade no longo prazo, acrescenta.
Em relatório, o Inter Research também recomendou a compra das ações da Omega Geração (OMGE3) com preço-alvo de R$ 47.
Como ficam as transmissoras?
Conhecidas como ótimas pagadoras de proventos, as companhias elétricas transmissoras nunca desapontaram seus investidores e não será na crise hídrica que isso deve acontecer.
Segundo Felipe Fernandes, chefe de análise da Flip Investimentos, estas companhias possuem contratos longos, corrigidos por índices inflacionários, que garantem mais segurança ao investidor.
A função delas é levar energia do ponto A para o ponto B. Por isso, elas não enfrentam o risco das geradoras de entregar menos energia, nem o risco das distribuidoras de inadimplência por parte dos consumidores. Mesmo se levar 30% de energia ou 100%, elas recebem o pagamento estabelecido nos contratos, além de pagar bons dividendos funcionam como ativos de proteção frente a inflação.
Tanto Taesa (TAEE11), que recentemente pagou o maior dividendo da sua história, como Transmissão Paulista (TRPL4) serão refúgio de investidores do setor durante a crise hídrica e não devem sofrer impacto nos dividendos.
Contudo, Arbetman destaca que elas são apenas para um investimento focado em proventos, porque olhando para apreciação de capital, as companhias já se encontram no preço justo.
A Taesa (TAEE11) também integra as carteiras de dividendos e TOP 10 da Easynvest com preço-alvo de R$ 45.
Como ficam as distribuidoras?
No ranking de prejuízos do setor, as companhias elétricas distribuidoras, que lidam diretamente com o consumidor, também sentem os impactos da crise hídrica, mas em proporção menor que as geradoras.
Fernandes, da Flip Investimentos, aponta que com a geração de energia térmica a conta de luz deve ficar mais cara, porém estas companhias conseguem repassar o custo para o consumidor, embora este repasse não seja necessariamente benéfico, já que também ficam expostas a inadimplência. “Ações de distribuidoras podem sofrer com volatilidade após investidores precificarem o risco de não pagamento de contas”, afirma.
Recentemente, a Enel Distribuição São Paulo, concessionária de energia elétrica que atua em 24 municípios do estado de São Paulo, prorrogou até 30 de junho a campanha de 40% de desconto para dívidas vencidas há mais de 180 dias.
Outro conflito é que os papéis das distribuidoras já andaram bastante em 2021 e não estão descontados, então são poucas as chances de valorização. Neste cenário, segundo Fernandes, se encontram Energias Brasil (ENBR3) e Equatorial (EQTL3).
Já Hugo Queiroz, do TC Matrix, acredita que o impacto das distribuidoras vai depender do ciclo de revisão em que a empresa se encontra.
Ele explica que muitas companhias compram energia no mercado colocando como referência a estimativa do PIB (Produto Interno Bruto) para os próximos anos. “Se a companhia fez um orçamento esperando um crescimento do PIB de 2%, pode ser impactada com o desabastecimento de energia, mas se fechou contrato esperando um PIB de 5% ou 6%, terá excesso de energia e pode vender no mercado spot”, destaca. Neste caso, a companhia conseguiria se beneficiar de uma conta de luz mais cara.
Influencia também a região de atuação destas companhias, caso se encontrem em áreas mais estressadas pela crise hídrica. Além da distribuição de receita, por exemplo, companhias integradas com forte exposição a geração hídrica.
E o setor de saneamento?
Por ter água como matéria-prima, as companhias de saneamento serão inevitavelmente afetadas, desta forma, Sanepar (SAPR4), Sabesp (SBSP3) e Copasa (CSMG3) também sofrem os impactos da crise hídrica.
Segundo os analistas consultados pela reportagem, o setor já está descontado há algum tempo, principalmente a Sanepar, que também foi impactada pela correção inflacionária dos contratos, que serão corrigidos pelo IPCA e não mais pelo IGPM, além de questões políticas do governo de Paraná.
Para Victor Bueno, da Top Gain, investidores já estão precificando a crise hídrica nas companhias, desta forma não há preocupações no longo prazo e sim uma oportunidade de entrada para novos investidores.
Já Queiroz, do TC Matrix, destaca que não existe o risco de racionamento de água para o setor de saneamento, as companhias contam com os reequilíbrios tarifários e, caso exista uma pressão de receitas, por secas prolongadas, podem ser ativados.
Com a previsão de que os tempos de seca não superem 2 ou 3 anos e com os projetos do Marco de Saneamento, a crise hídrica seria, segundo o analista, um bom ponto de entrada no setor. No entanto, ele alerta os investidores para monitorarem a temporada de chuvas que ocorre em novembro.
Mas para quem tem uma estratégia de investimento focada nos dividendos, ele adverte que as companhias podem ser afetadas no curto prazo, retendo caixa nos próximos anos para conter o endividamento. “Para quem depende dos dividendos do setor de saneamento no curto prazo talvez este não seja o momento de ter posição no setor”, defende.