Investir no mercado financeiro como uma fonte de renda costuma ser mais difícil do que parece. O ex-comissário de bordo da Latam, Marcos Cesar da Silva, de 37 anos, nascido em Campinas, interior de São Paulo, sabe bem disso. Levou cinco anos e muito aprendizado para que o day trade – prática que consiste em comprar e vender ativos em um mesmo dia visando lucro –, virasse sua principal fonte de renda.
Ele começou a operar nesse mercado em 2008, por meio do swing trade – estratégia de negociação que ocorre em um prazo maior que um dia. No início, Silva contou com a sorte. A bolha do subprime havia estourado poucos meses antes e sua estratégia foi comprar ações que estavam baratas.
“Tudo o que comprei valorizou nos meses seguintes e eu obtive bons lucros. Mas como ‘mar calmo não forma bons marinheiros’, tomei o troco algum tempo depois”.
Marcos Cesar da Silva, DAY TRADER.
Antonio Marcos Samad Júnior, CEO do TC Star Desk, empresa que atua com mesa proprietária (instituição que assume o risco de operação dos day traders), explica que o fato de um trader lucrar por ter comprado ações baratas pode levar à impressão enganosa de conhecimento do setor.
“É um perigo porque o trader começa a achar que ele realmente é bom, quando na realidade está sendo beneficiado por uma situação temporária. Quando tudo se normaliza, começa a tomar várias pancadas”, observa Samad Júnior.
Ao longo da jornada como trader, Silva pensou em desistir algumas vezes. “Fui aprendendo e entendendo que o mercado tira de todo mundo, até dos mais experientes, mas também gera oportunidades de ganhos aos mais resilientes. Hoje tenho a frieza necessária para operar”, diz.
Em 2013, ele começou a operar o day trade e a estudar mais a operação, mas precisou de tempo para engrenar na nova atividade. Um dos principais erros, segundo ele, foi não ter focado com exclusividade nas operações.
“É uma atividade de alto rendimento e de alta performance, mas você precisa estar muito focado. Precisa ser uma atividade prioritária”, explica.
Samad Júnior acrescenta que a ocupação do trader não é a mesma coisa que a de um jogador ou apostador e reforça que é necessário adquirir conhecimento prévio para atuar na área.
“Trader é um profissional do mercado financeiro. E como qualquer profissional, é preciso ter conhecimento da atividade. Ninguém vai ser bem-sucedido como contador, médico, engenheiro, pedreiro, mecânico ou qualquer outra atividade se resolver atuar sem a mínima noção de como executar o trabalho”.
Silva só passou a ter uma renda regular com o day trade em meados de 2018, quando deixou o trabalho na companhia aérea para abraçar com exclusividade a nova profissão. Hoje, ele conta que chega a ganhar duas vezes mais se comparado à época em que era funcionário.
É possível viver de day trade?
Depender financeiramente da atividade não é fácil e a maior parte acaba desistindo, como mostrou uma pesquisa de 2019 realizada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e a Fundação Getúlio Vargas (FGV). O estudo analisou 130 mil pessoas que realizaram operações regulares de day trade entre 2012 e 2017.
No recorte de ações, por exemplo, o estudo apontou que de um total de 98.378 traders deste tipo de ativo, apenas 554 permaneceram operando após 300 pregões – esse pessoal perdeu, em média, R$ 49 por dia nas operações. Enquanto isso, apenas 76 pessoas (0,08%) obtiveram lucro médio diário acima de R$ 300.
Em outubro do ano passado, a CVM lançou uma série educacional sobre day trade justamente para falar se é possível ou não viver dessas operações. A série é composta por três vídeos apresentados por Paulo Portinho, gerente de educação e inclusão financeira da entidade.
No vídeo, o especialista explica que, na vida do day trader, perder tudo não depende só de probabilidade, mas do tamanho da carteira do profissional. “É mais provável que quem tem mais dinheiro, no caso o mercado, tenha uma sequência de vitórias”. Nesse sentido, ele se refere ao pequeno day trader operando contra grandes players.
“E o que faz um grande player? Ele contrata os melhores profissionais, destacados das melhores universidades e o objetivo é construir algoritmo para vencer o mercado. Esses profissionais montam estratégias de day trade e rodam no banco de dados com os dados reais da bolsa dos últimos anos. As melhores estratégias são colocadas em prática”, diz.
No vídeo, Portinho elenca ainda os grupos “atrapalhadores”, como os custos e impostos envolvidos. Ele ressalta que é importante saber quanto o trader vai precisar ganhar para pagar os custos de operação, que incidem sobre o total movimentado.
“Se para ganhar R$ 300 por dia, o day trader movimentou R$ 100 mil no processo de compra e venda, ele vai pagar corretagem e emolumentos sobre os R$ 100 mil e não sobre o ganho”, observa no vídeo.
Vale lembrar que nas operações de day trade são exigidas garantias relacionadas ao valor monetário que o investidor está operando. O objetivo é limitar as perdas, além de ser um respaldo para a corretora caso o investidor fique no negativo.
Embora as corretoras ofereçam descontos, eles são direcionados para quem opera grandes volumes. “Quem busca viver de day trade tem uma carteira pequena ou média e não vai poder correr muitos riscos com excesso de operações. Portanto, as pessoas que vão de fato tentar viver de day trade costumam ter mais dificuldades para negociar grandes descontos”, ressalta Portinho.
4 dicas para não errar ao operar com day trade
Samad Júnior, da TC Star Desk, elencou 4 itens não podem faltar a um profissional que quer obter renda como day trader:
1. Conhecimento
Para ser trader, não é necessária uma formação específica. Mas o interessado precisa entender como funciona o mercado financeiro. Há cursos gratuitos e pagos disponíveis na internet, além das mesas proprietárias, que permitem o trader operar com o dinheiro de uma empresa, que, para isso, delimita os riscos do trader.
2. Controle emocional
O trader não será bem-sucedido se não conseguir se controlar, pontua o especialista. Segundo ele, o profissional não pode se desesperar quando perde, nem se empolgar tanto quando ganha. Em ambos os casos o operador se arrisca além do que devia e, na maioria das vezes, fica sem nada. No day trade não existe estratégia 100% assertiva. O que o trader deve buscar é consistência nas operações, o que significa obter entre 70% e 90% de sucesso, em média.
3. Gerenciamento de risco
O trader precisa atuar diariamente para conseguir lucrar, já que ele ganha dinheiro explorando a liquidez do mercado. Assim, deve ter consciência dos riscos e gerenciá-los, diz o especialista. Isso significa criar parâmetros com base na própria realidade. “Então, do total disponível para investimento, qual o percentual máximo de perda eu consigo suportar diariamente? Em que momento parar de operar e deixar para o dia seguinte é a melhor decisão? Ao definir parâmetros de operação, o trader evita sua própria quebra”, explica o especialista. É mais fácil, ele lembra, recuperar uma perda de 5% ou 10% do que de 90% ou 100%.
4. Pluralidade de estratégias
Cada trader tem uma estratégia própria (preferida) para lucrar com day trade. Mas, no mercado financeiro, um dia nunca é igual ao outro. Por isso, é importante ser conhecedor de mais de uma estratégia. Há várias disponíveis como scalping, reverse, momentum e white flag. Nada impede cada um de desenvolver uma própria e até mesmo utilizar robôs. Pluralidade de estratégias se assemelha a um ambiente com diversas portas de saída. Na hora do incêndio, o operador tem por onde escapar.
Confira abaixo o funcionamento de algumas estratégias usadas por traders:
Scalping – Consiste na compra ou venda de determinado ativo tentando capturar micro movimentos de mercado.
Reverse – Nesse tipo de estratégia, o day trader opera uma reversão de tendência intra-diária, acreditando que aquela tendência inicial se encerrou.
Momentum – O trader busca operações na tendência atual daquele ativo.
White flag – O trader determina um “alvo” para a operação e desiste dela a partir do momento que o alvo é atingido, levantando uma “bandeira branca” ou se “rendendo” após o objetivo atingido.
