Quando adquiriu um grande bloco de conjuntos comerciais do condomínio Vila Olímpia Corporate, classificado como triplo A, o nível mais alto do mercado de escritórios, o fundo imobiliário Patria VBI Prime Properties (PVBI11) mirava a geração de renda por meio dos aluguéis. Em janeiro deste ano, porém, a gestora viu uma oportunidade: vender uma parte da propriedade na capital paulista com um lucro de 36% em relação ao valor investido há dois anos.

A negociação de duas lajes rendeu R$ 20 milhões ao FII. Foram mais de R$ 5 milhões acima do preço de compra e um retorno líquido equivalente a 10,61% ao ano com a operação. O fundo distribuiu o lucro entre os cotistas e usou o restante para adquirir novos imóveis. E não foi só o fundo do Patria. Várias gestoras têm feito operações semelhantes, como forma de aproveitar um mercado aquecido, destravar o ganho de capital dos imóveis, distribuir mais lucro aos cotistas e girar o portfólio.

Em outra transação, o fundo Guardian Real Estate (GARE11) vendeu um complexo logístico, o BRF Visa (Vitória de Santo Antão), em Pernambuco, por R$ 273,4 milhões, no mês passado. A operação gerou um lucro de R$ 71,5 milhões e um retorno líquido anualizado fora da curva: 28%, equivalente a IPCA+20,7% no período.

Apesar das negociações bem-sucedidas, tanto as cotas do PVBI11 quanto do GARE11 exibem atualmente descontos de 17% a 28% em relação ao valor patrimonial. Trata-se da diferença entre o preço dos imóveis na carteira e o valor de mercado do fundo, que é a soma de todas as suas cotas na B3. E não são só esses dois fundos. Todo o setor, na verdade, tem apresentado um desconto médio de dois dígitos nas cotações.

Os preços dos fundos imobiliários revelam uma situação paradoxal: enquanto o mercado imobiliário real vai bem, obrigado, com o metro quadrado e os aluguéis em alta, as cotas dos FIIs têm sido negociadas a valores até 35% menores na comparação com os preços da rua. Há um descasamento claro entre o mundo físico e a bolsa. E não se trata de algo trivial.

“É a maior oportunidade de compra de fundos imobiliários para ganho de capital em 30 anos”, diz o sócio e chefe de pesquisas do Clube FII, Danilo Barbosa. “Mas isso [o ganho de capital relevante] no horizonte de alguns anos – o médio e o longo prazo”.

Fundo imobiliário e a concorrência da renda fixa

O descompasso acontece porque as cotas dos FIIs reagem mais aos juros na economia do que aos negócios de compra e venda de imóveis. O valor das participações em portfólios listados está com desconto na bolsa por dois motivos. Primeiro, com a Selic em 14,25% ao ano, os investidores têm tirado os recursos de aplicações de renda variável, como os fundos imobiliários, e levado para a renda fixa.

Há ainda uma outra questão. A remuneração dos FIIs se assemelha, na prática, a títulos públicos atrelados à inflação – o Tesouro IPCA (NTN-B). Grosso modo, é como se a valorização do imóvel no longo prazo pagasse a inflação, e a renda mensal que o fundo deposita na conta se torne o ganho real, aquele além do IPCA.

Em cenários como o de agora, os FIIs apresentam uma renda menor que a da Selic – pois ninguém aposta que os juros básicos seguirão a 14,5% para sempre. O patamar atual dos juros do BC significa IPCA+9%. As NTNBs longas estão pagando IPCA+7,5%. Pois bem.

Como se trata de uma aplicação com risco maior do que o dos títulos do Tesouro, os investidores pedem um prêmio sobre o rendimento das NTN-Bs de vencimentos mais distantes. Quando há uma elevação na curva de juros futuros longos (como agora), o mercado se ajusta, ou seja, o preço das cotas cai e o “yield”, que é a relação entre o retorno com dividendos e o valor da cota, sobe.

No cenário atual, os chamados fundos de tijolo, que são aqueles com carteiras de imóveis físicos, têm entregado um yield médio anual de dividendos na faixa entre 9% e 12%. Pela lógica “NTNB” dos FIIs é como se isso significasse de IPCA+9% a IPCA+12% no longo prazo. Eis o prêmio que os investidores exigem.

Mas, logicamente: tudo isso sem a garantia de um título público – como veremos mais adiante.

Preços em baixa, yields em alta

Pelos yields atuais, o investidor embolsa algo como 0,75% a 1% ao mês com os aluguéis distribuídos pelos portfólios, independentemente da variação do valor da cota na B3.

Se o preço da cota subir, vem um ganho de capital. É claro que, se a cotação cair, há uma perda. Mas esse prejuízo só ocorre de fato se o investidor vender a cota nesse preço mais baixo, pressionado pelo momento dos juros. Se mantiver o recurso alocado, a aplicação pode voltar ao positivo com o tempo (ao menos no caso dos bons FIIs, que escolheram imóveis capazes de se valorizar).

Os especialistas chamam a atenção para um fato: num ambiente de juros mais equilibrado, no futuro, a distância entre os valores patrimonial e de mercado tende a diminuir. E se o juro básico cair para um dígito, como já ocorreu em muitos momentos no passado, os FIIs podem até chegar a ser negociados com ágio, ou seja, acima do valor patrimonial.

Isso significa que se, daqui a algum tempo, o Banco Central retomar o ciclo de queda da Selic, as cotas vão se valorizar. O tamanho do desconto representa uma oportunidade como não se vê, ao menos, desde a recessão de 2015. O risco desse tipo de estratégia, de qualquer forma, vem da impossibilidade de saber quando esse ambiente vai se consolidar. Pode levar um ano. Pode levar vários.

“Acredito que paciência seja uma das chaves para aproveitar o momento”, afirma o sócio-fundador e gestor da InVista Real Estate, Marcelo Rainho. Ele cita o exemplo do setor de galpões logísticos para mostrar como o descompasso entre o mundo real e o mercado de FIIs representa uma oportunidade.

O custo de construção de uma instalação nova do gênero nos arredores da capital paulista varia de R$ 2,7 mil a R$ 3 mil o m2. “Mas você consegue comprar um galpão semelhante na mesma localização que está dentro do FII por cerca de R$ 2 mil o m2.”

Isso representa um desconto de 25% a 35%.

Desconto na laje

No mercado de fundos de tijolo, há três segmentos básicos: lajes corporativas, shoppings e logística. Quem mais sofre são os de laje, explica Carol Borges, analista de FIIs da EQI Research. Fato é que até hoje eles não se recuperaram do advento do trabalho híbrido, e seguem apanhando na bolsa, mesmo que os imóveis em si sigam valorizando no mercado.

Um levantamento do Clube FII mostra que o segmento de lajes negocia com um deságio médio de 35%. Já os shoppings exibem preços das cotas 20% abaixo do valor patrimonial, enquanto as carteiras voltadas a imóveis de logística aparecem com 13% de diferença.

“Na economia real, os valores do m2 estão elevadíssimos, mas os FIIs seguem claramente distanciados disso”, afirma Marcos Baroni, chefe de fundos imobiliários e analista da Suno. O especialista lembra, porém, que desconto não é tudo. “Um fundo com desconto, é claro, diz alguma coisa, mas não diz tudo.”

Antes de embarcar em qualquer negócio, o investidor precisa olhar o portfólio do FII. “Tem de entender se tem vacância, se os imóveis estão em regiões onde os aluguéis não estão subindo – ou caindo. E também avaliar a estrutura de capital do fundo, se tem, por exemplo, uma alavancagem muito alta, como ter compras parceladas.”

É isso. Caso os aluguéis desabem, o imóvel também perde valor, naturalmente. E aí não haverá rendimento ao estilo IPCA+. Talvez nem “IPCA menos”, porque você pode acabar tirando menos do que colocou, mesmo depois de anos e anos de espera. Daí a importância de conhecer bem a carteira de imóveis de um FII, e como anda a saúde dele.