No período conhecido como o “boom dos IPOs”, entre 2005 e 2008, houve certo “atropelo” entre as novas entrantes, com muitas precisando ajustar a rota depois de terem lançado o “plano de voo” de abrir capital. Na última janela de IPOs, entre 2020 e 2021, mais de 50 empresas – muitas com poucos anos de existência – chegaram à bolsa.
Em agosto de 2021, a B3 fez suas últimas cerimônias de lançamento de ações estreantes, com a chegada de Raízen, Vittia e Oncoclínicas. De lá para cá, não faltaram previsões sobre o “retorno dos IPOs na B3”, ainda não concretizado. O Bank of America, por exemplo, estima captações de até R$ 120 bilhões na bolsa em um período de 18 meses.
Porém, esse cálculo considera tanto ofertas primárias quanto secundárias (follow-ons), feitas por empresas já listadas na bolsa e, portanto, que já abriram o capital. Aliás, no ano passado foram registradas 24 operações de ofertas subsequentes de ações, movimentando R$ 31 bilhões, enquanto a retomada de IPOs foi adiada.
Já o Itaú prevê a chegada de cinco empresas à bolsa brasileira, de um total de 30 a 40 operações que devem ocorrer na B3, incluindo follow-ons. O problema é que, da lista de cerca de 20 possíveis candidatas apontadas pelo mercado financeiro neste início de ano, ao menos três já desistiram da operação.
Quem vem?
É o caso do Grupo Fartura Hortifruti, dono da rede Oba Hortifruti. Após tentativa frustrada, a Crescera Capital (ex-Bozano), investidora do grupo desde 2017, vendeu sua participação de volta aos fundadores da companhia. Porém, a decisão não se dá apenas no setor de varejo, tido como um dos mais promissores a puxar a fila de IPOs.
A Oceânica Engenharia, que havia contratado bancos para coordenar a operação, também deve postergar a oferta. Já a Cimed, outra empresa apontada como provável estreante na bolsa brasileira, mudou de ideia e deve seguir o caminho das aquisições, fortalecendo o negócio da farmacêutica, em termos de produtos e distribuição.
Ainda estão no páreo as incorporadoras imobiliárias Pacaembu, Tegra, Kallas e Diagonal; as empresas de saneamento Aegea e Iguá; as farmacêuticas Eurofarma e União Química; além das varejistas Flora e Kalunga e da subsidiária da gigante de energia chinesa CTG Brasil, entre outras. O InvestNews tentou contato com as empresas citadas, sem êxito.
Para o consultor financeiro Einar Rivero, da Elos Ayta Consultoria, a ausência de IPOs não é fruto de uma “conspiração” e nada impede uma reinvenção do mercado, recuperando sua importância para a economia brasileira. Em artigo publicado na Revista RI, ele afirma que as empresas brasileiras fizeram “uma lição de casa caprichada” durante a pandemia.
Por isso, Rivero avalia que, apesar do cenário atual desafiador, há 20 anos era bem pior. “A bolsa parecia condenada à irrelevância, quando o surgimento do Novo Mercado e de uma geração de empresários dispostos a aprimorar a governança e a melhorar a transparência de suas empresas garantiu uma safra frutífera de IPOs”, comenta, no artigo.
Preparando o ‘plano de voo’
Diante da demora nos IPO, o que fazer? Para o advogado André Camargo, responsável pela área de governança no escritório Tauil & Chequer, o momento é oportuno para as empresas se prepararem para quando a “janela de IPOs” abrir. A questão, porém, é que ninguém sabe exatamente quando isso vai acontecer.
Segundo ele, existem dois fatores que influenciam a chegada de “novatas” ao mercado de ações. O primeiro é macroeconômico e está relacionado ao ambiente global de taxas de juros mais altas, a começar pelos Estados Unidos. Mesmo com a taxa Selic em queda, com o juro básico terminal podendo ficar abaixo dos dois dígitos, é preciso aguardar esse impulso.
Já o segundo fator é o “dever de casa” que as empresas devem fazer e está relacionado à estrutura, processos e gestão. Ou seja, preencher os requisitos de uma companhia aberta, o que envolve, principalmente, um aperfeiçoamento da prática de governança corporativa – barreira para muitas candidatas.
“É a hora para fazer uma avaliação qualitativa e os ajustes finos para estar pronto quando a janela abrir e vir forte frente ao competidor”
André Camargo, responsável pela área de governança no escritório Tauil & Chequer
O especialista lembra que esse segundo fator se refere ao “custo de transação”. A começar pela transformação societária, com as empresas passando a ser sociedade anônima (S.A.) e a ter um conselho de administração, com um membro independente, além de diretorias específicas, envolvendo toda uma nova cultura corporativa.
“O movimento de abertura de capital é uma mudança forte no mindset da empresa. Não dá para desprezar o custo disso, direta e indiretamente, pois existe todo um investimento para essa transformação”, acrescenta Camargo. O advogado avalia que as empresas devem se planejar enquanto a bolsa brasileira vive um dos maiores jejuns de estreias de sua história.