A retórica ainda mais dura do presidente Jair Bolsonaro no discurso em São Paulo no 7 de Setembro está arrastando os ativos locais ao pior desempenho global nesta quarta-feira (08). No mercado as conversas são de que o patamar de risco de base agora é mais alto, com reformas “decentes” praticamente inviáveis, chance mais alta de a “bomba” dos precatórios explodir e a preservação do teto de gastos se tornando a única meta econômica crível do governo Bolsonaro.
O dólar à vista saltava 2% neste início de tarde e chegou a cravar R$ 5,31 na máxima do dia, pulando mais de 10 centavos de real ante o fechamento de segunda-feira (06) e deixando o real com o título de pior moeda nesta sessão. O Ibovespa recuava 2,8%, com folga o pior desempenho entre os principais índices acionários do Ocidente.
Os juros futuros de longo prazo subiam 14 pontos-base, e o preço do Global 2028 emitido em 2017 caía ao menor patamar desde o começo de maio.
O índice Dow Jones Brazil Titans 20 – composto pelos principais recibos de ações brasileiras negociados em Nova York – perdia 4,2% nesta quarta-feira, após na véspera desacelerar a alta de 1,76% na máxima para 0,47% no fechamento após o discurso de Bolsonaro na avenida Paulista, em São Paulo.
Na ocasião, Bolsonaro atacou, diante de apoiadores, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso e ameaçou descumprir decisões, dizendo que jamais será preso por “canalhas”. Bolsonaro repetiu que só sairia da Presidência “preso, morto ou com vitória”.
“Acredito que o patamar de risco mudou, ficou mais alto”, disse Carlos Duarte, planejador financeiro CFP pela Planejar. “O foco agora é olhar para o STF, que julga algumas “pautas-bomba” para o governo, com destaque para a dos precatórios. Fica a dúvida agora se a proposta costurada no STF vai ser tocada para frente”, acrescentou.
O STF está discutindo com integrantes do Legislativo – via Conselho Nacional de Justiça (CNJ) – a possibilidade de imposição de limites aos pagamentos dos precatórios de acordo com critérios semelhantes aos hoje aplicados no teto de gastos (que restringe o aumento de despesas à inflação).
Para Victor Scalet, estrategista macro da XP, o aumento da temperatura política diminuiu consideravelmente as chances de encaminhamento da questão dos precatórios por esse meio.
“Se não for resolvido dessa maneira, teremos que nos voltar para algum tipo de tramitação no Congresso, e o mercado está com bastante receio de que avance uma PEC sobre esse tema que acabe saindo pior do que entrou, no clima político atual”, explicou.
A proposta via CNJ é vista até mesmo pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, como melhor que a da PEC dos precatórios, apresentada pelo próprio.
Sem ambas as propostas, o governo teria um gasto adicional contratado para o ano que vem de quase R$ 90 bilhões, o que poderia sepultar o teto de gastos no eleitoral ano de 2022.
Ao mesmo tempo que elevam a incerteza na frente fiscal, os eventos do 7 de Setembro, aliados à escalada geral de tom nos Poderes, minavam chances de qualquer reforma econômica de maior efeito no atual governo, segundo alguns participantes do mercado.
“(Bolsonaro) esticou demais a corda… Na minha visão o governo já perdeu toda a capacidade de fazer reformas decentes. Agora, quanto menos fizer e gastar tempo com isso, melhor”, disse Joaquim Kokudai, gestor na JPP Capital. O profissional diz que suas posições em caixa (as mais conservadoras) têm espaço para aumento e “provavelmente é o que acontecerá”.
Teto de gastos, Guedes e Campos Neto
Com as reformas saindo do radar e atmosfera eleitoral tomando de vez conta das pautas do governo, analistas parecem se render à ideia de que agora a meta é evitar disrupções mais severas no cenário – com a preservação do teto de gastos na linha de frente.
“Se conseguir manter o teto de gastos já vai ser uma ótima notícia”, afirmou Kokudai, da JPP Capital.
“Só isso poderia colocar o mercado numa direção mais benigna de novo. Mas ainda assim tem toda a questão institucional. A corda ficou muito esticada, tem que ver se isso vai ter desdobramento fiscal de fato”, disse.
À medida que o governo parece já em modo eleição, há dúvidas até mesmo se os líderes da equipe econômica – Paulo Guedes (Economia) e Roberto Campos Neto (Banco Central) poderiam conter qualquer sanha gastadora do chefe do Executivo.
“Pelos últimos discursos parece que Campos Neto e Guedes estão muito mais alinhados para viabilizar as intenções do governo do que de contê-las”, afirmou Carlos Duarte, da Planejar.
“O mercado hoje aceita o Guedes muito mais pelo medo de quem viria depois do que por expectativa dos feitos do ministro, mais pela ideia de que ele é alguém que busca tapar os buracos dentro do jogo, mas sem força política alguma.”
Agora, disse Scalet, da XP, resta aos investidores aguardar os próximos desdobramentos, ressaltando que qualquer sinal de alívio na frente fiscal poderia dar uma folga para os mercados brasileiros, cujos ativos já embutiam prêmios de risco altos antes mesmo da queda desta quarta-feira.
“Mas é preciso ter encaminhamento dos precatórios, saber como vão ficar os gastos com o Bolsa Família no ano que vem e ver se o teto vai ficar de pé.”
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