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Finanças

Mesmo com taxa Selic inalterada, crédito encareceu; entenda os motivos

Juros ao consumidor continuam subindo mesmo com a Selic inalterada.

Após as repetidas críticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre o elevado patamar da Selic, atualmente em 13,75%, a discussão sobre a necessidade de corte nos juros se tornou mais ampla. Segundo especialistas, o fato é que uma redução da taxa traz poucas mudanças no custo final do crédito para o consumidor. Pelo contrário, mesmo com a Selic inalterada está mais caro pedir empréstimos.

Levantamento da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac) aponta que em setembro de 2022, por exemplo, quando a Selic já estava no patamar atual de 13,75% ao ano, quem deixava de pagar a fatura do cartão de crédito precisava arcar com uma taxa de 400,37% ao ano. O percentual subiu ao longo dos meses e em março chegou a 417,43% ao ano.

Por que a Selic impacta pouco o preço do crédito?

A Selic é o principal instrumento de política monetária utilizado pelo Banco Central (BC) para controlar a inflação. Quando o Banco Central diminui a taxa, a rentabilidade dos títulos públicos indexados cai.

Esses títulos públicos são usados como garantia nas operações de empréstimos de um dia que as instituições financeiras fazem entre elas. Isso significa que, na hora de pedir o dinheiro emprestado para um concorrente, o banco paga menos na captação do dinheiro e, na teoria, também pode emprestar a um juro menor.

Mas por que o custo crédito continua encarecendo? Diversos fatores compõem o preço final do crédito. O custo de captação do banco é só um deles. Também estão inclusos:

  • impostos da intermediação financeira e de depósitos compulsórios (valor que não pode ser emprestado e que os bancos são obrigados a depositar em uma conta do Banco Central);
  • despesas administrativas;
  • custo da inadimplência dos empréstimos
  • margem líquida da instituição, que é o valor que sobra para o banco. 

Junto desses fatores, os bancos analisam fatores de risco que levam em conta a conjuntura econômica e política no país. No Brasil, o alto endividamento das famílias, o baixo crescimento econômico, a queda da renda e o desemprego elevado têm afetado diretamente a decisão das instituições financeiras.

“Os bancos não são os únicos vilões. Tem um ambiente econômico e político que acaba encarecendo os juros. Com essas incertezas, o banco toma a decisão de emprestar ou não. E, mesmo quando decide emprestar, empresta mais caro”

Miguel José Ribeiro de Oliveira, diretor executivo da Anefac

Ariane Benedito, economista especialista em mercado de capitais, reitera que as expectativas para a economia e o chamado risco país também ajudam a formar a taxa final de crédito.

“É como os bancos se sentem confortáveis ao olhar a conjuntura macroeconômica para disponibilizar os recursos visando recebe-los de volta. Se o banco não tiver controle de quanto ele empresta, ele aumenta o risco de insolvência da instituição” 

Ariane Benedito, economista especialista em mercado de capitais

Na visão do especialista, ao analisar o cenário econômico com maior risco de crédito (endividamento elevado, inflação alta e seus efeitos na renda) e elevação da inadimplência, “a tendência é de que as taxas de juros das operações de crédito possam ser elevadas nos próximos meses”, mesmo diante um corte na Selic.

A inadimplência é um dos fatores mais sensíveis na decisão dos bancos.

Crise nas varejistas

O que também tem deixado os bancos mais criteriosos na hora de emprestar dinheiro são as crises financeiras envolvendo grandes companhias brasileiras, como o caso da Americanas (AMER3), que entrou com pedido de recuperação judicial após revelar problemas contábeis de pelo menos R$ 20 bilhões.

A varejista tem entre seus principais credores as instituições financeiras. Segundo dados do Inter, as dívidas da empresa com bancos somam R$ 12,6 bilhões – Santander e o Bradesco estão entre os mais impactados.

O especialista da Anefac lembra que os bancos são obrigados pelas regras da Basileia a provisionar os valores devidos por seus clientes – o que significa formar uma reserva para arcar com um possível calote. Com a Americanas em recuperação judicial e suas dívidas em processo de renegociação, os bancos tiveram, portanto, que elevar esse colchão.

“Ou seja, é menos dinheiro para emprestar e, com isso, mais caro fica o crédito”, explicou.

Oliveira listou ainda dois fatores preponderantes: a baixa oferta de crédito em relação ao produto interno bruto (PIB), que no Brasil está abaixo de 50% (no Japão, por exemplo, o índice chega a 180%), além da concentração bancária. “As cinco principais instituições financeiras do país concentram 85% do crédito oferecido, o que diminui a competitividade do setor”, avalia.

Brasil x Estados Unidos

Segundo Miguel Oliveira, da Anefac, nos Estados Unidos as taxas de juros para quem não paga a fatura do cartão de crédito beira 20% ano – vale lembrar que no Brasil a média é de 400%. Além do próprio fator econômico e político que encarece as taxas no Brasil, o sistema bancário dos países é diferente.

“No Brasil, a intermediação financeira é tributada, lá fora não é padrão. E os compulsórios (valor que não pode ser emprestado e que os bancos são obrigados a depositar em uma conta do Banco Central) no Brasil são muito elevados (a taxa atual é de 20%). Em alguns países é zero, em outros vai de 3% a 4%”, diz.

Ariane Benedito complementa que essa disparidade entre os juros finais cobrados nos Estados Unidos e no Brasil também está atrelada ao fato de que os Estados Unidos são uma economia “mãe”.

“Tem muita liquidez monetária no sistema norte-americano que não necessita tanto desse crédito mais caro, porque é para lá que o investidor vai em caso de uma recessão global. Em contrapartida, no caso dos países emergentes, em um momento de aversão à risco, o fluxo de dinheiro diminui, o que piora a situação econômica dessas regiões”.

Na avaliação da especialista, para que a taxa de juros fique menor na ponta, é preciso diminuir a aversão ao risco, o que passa por politicas econômicas mais consistentes e perenes e que tenham continuidade, independentemente de trocas de governo.

“Tem que ter o tripé econômico muito bem executado, com controle de preços, câmbio flutuante (quando a taxa de câmbio é definida por oferta e demanda) e controlado, sem uma depreciação muito forte da nossa moeda, e metas fiscais claras”.  

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