Depois da aprovação dos ETFs de Bitcoin (BTC) nos Estados Unidos e da proposta de Donald Trump para criar uma reserva da criptomoeda, o caminho para grandes empresas adotarem o Bitcoin está avançando. Os acionistas da Amazon vão decidir em breve se a empresa deve ou não manter uma reserva em Bitcoin – os da Microsoft fizeram o mesmo, e nesta semana decidiram que não.
Enquanto governos e empresas e governos avaliam a compra de BTC, um homem tem se tornado o grande caso de estudo para esse tipo de operação: Michael Saylor, fundador e presidente do conselho da MicroStrategy.
Nos últimos quatro anos, Saylor comprou tanto Bitcoin que as ações da sua empresa passaram a acompanhar o movimento da criptomoeda, tornando-se uma cópia – turbinada – da moeda digital. Hoje, a MicroStrategy possui mais de 400 mil bitcoins, que ajudaram as ações dela a saltarem mais de 500% apenas este ano.
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“Michael Saylor percebeu que o Bitcoin é muito maior do que o negócio que ele tinha. E se entregou. Hoje as pessoas estão abraçando e colhendo frutos. Só que muita gente ainda não acredita nele”, diz Alexandre Vasarhelyi, sócio e CIO da gestora B2V Crypto.
Criada como uma empresa de software, a MicroStrategy praticamente desistiu de seu negócio principal e hoje ela mesma se define como uma companhia de “Tesouro de Bitcoin”.
Ao fazer algo que nunca foi feito antes, Saylor tem gerado grandes debates. Se até o momento o resultado é extremamente positivo, ter grandes quantidades de um ativo volátil e arriscado, também é perigoso. Não faltam dúvidas, então, sobre a sustentabilidade da empresa.
Aquisição de Bitcoins
A MicroStrategy foi fundada em 1989 como uma companhia de software e soluções digitais para empresas – Business Intelligence (BI), no jargão corporativo. A receita era relativamente alta, ainda não o bastante para tornar a empresa uma large cap, em torno de US$ 500 milhões por ano. Mas a margem era invejável: 90% se tornava lucro.
Com isso, ao longo dos anos, a empresa de Saylor se tornou uma grande geradora de caixa, já que não precisava fazer grandes investimentos. Em 2018, as reservas da empresa em cash chegaram a US$ 700 milhões. Veja aqui no gráfico a evolução (mais adiante falamos sobre a queda, que é a parte central desta história).
Com tanto dinheiro guardado, a MicroStrategy seguia o tradicional do mercado, deixando os valores basicamente na forma de títulos do Tesouro americano. Em agosto de 2020, porém, Saylor encontrou um ativo que ele acreditava ser o futuro das reservas de valor, o Bitcoin. Foi então que ele fez sua primeira aquisição: 21.454 bitcoins, por US$ 250 milhões.
Quinze meses depois, esses bitcoins estavam valendo US$ 1,44 bilhão.
A MicroStrategy seguia como uma das maiores companhias de BI, mas quem realmente gerava caixa era… o próprio caixa da empresa. Saylor, então, decidiu mergulhar de cabeça. E criou um novo modelo de negócio.
A estratégia da MicroStrategy
Havia uma classe de investidores que não podia comprar criptomoedas, mas que tinha o interesse em ter exposição a essa nova classe de ativos. Eram fundos tradicionais, fundos de pensão e empresas que, por conta de regras internas ou de reguladores, não tinham permissão para adquirir Bitcoin, mas podiam comprar ações de empresas ou títulos de dívida corporativa.
Com a MicroStrategy acumulando cada vez mais Bitcoins e suas operações ficando menores, suas ações começaram a ficar totalmente correlacionadas à cripto, ou seja, conforme a moeda digital subia e caía, os papéis da empresa seguiam o movimento.
“Saylor entendeu que ele poderia emitir dívida da MicroStrategy e comprar Bitcoin. E ele tinha muitos interessados, podendo oferecer taxas baixas. Era basicamente um COE de capital garantido”, explica Gustavo Cunha, CEO da FinTrender.
COE é a sigla para Certificados de Operações Estruturadas: investimentos que combinam renda fixa e variável. Na prática, você aplica um valor que será atrelado ao desempenho de um ativo, como o dólar, o ouro, as ações de uma empresa. Qualquer coisa. Se o ativo subir, você ganha um adicional pré-definido. Se cair, recebe de volta o mesmo valor.
No caso da MicroStrategy, ela emite uma dívida que funciona assim: quem compra recebe, após o vencimento, pelo menos o valor investido mais a possibilidade de comprar ações da empresa por um valor menor que o de mecado (via opções de compra). Caso o Bitcoin suba no período, as ações elas estarão valendo mais – já que a empresa converteu-se num enorme repositório de cripto. É aí que vem a possibilidade de ganho. “Ou seja, você tem risco zero de volatilidade até o vencimento”, afirma Cunha. Mais recentemente a companhia também começou a emitir novas ações para financiar essa sua estrutura.
E a situação foi além. Com a MicroStrategy comprando desenfreadamente – e usando dívida para isso -, ela tem ficado cada vez mais alavancada na criptomoeda, o que passou a gerar um efeito multiplicador sobre o desempenho do Bitcoin. Ou seja, quando o BTC sobe ou cai, as ações da MicroStrategy têm uma variação ainda maior que a da criptomoeda.
Para se ter uma ideia, a companhia chegou a um ponto em quase metade do seu valor de mercado, US$ 88,8 bilhões, está nos 423.650 Bitcoins que ela possui. Isso é o equivalente a 2,1% do suprimento global do ativo.
Ao preço atual, de US$ 98 mil por unidade, estamos falando de US$ 41,5 bilhões em cripto.
“O Saylor criou um mecanismo em que conseguiu atender a demanda de grandes investidores que não podem comprar Bitcoin, ou não querem sofrer com a volatilidade do ativo. A questão é que ele parece não ter limite: quanto mais o Bitcoin sobe, mais ele faz emissões para comprar mais”, diz Cunha.
Quais os riscos?
É óbvio: se o Bitcoin quebrar, a MicroStrategy afunda junto – da mesma forma que, se o barril do petróleo cair 95% e nunca mais subir, a Petrobras deixa de existir.
Por outro lado, a MicroStrategy tem alguma manga. Um primeiro dado importante é entender que, hoje, o valor médio de aquisição de todos os bitcoins da MicroStrategy está em torno de US$ 60 mil – bem abaixo do preço atual da criptomoeda. Ou seja, há espaço para uma queda razoável antes que ela passe a ter prejuízo.
Para Cunha, de qualquer forma, o maior risco seria regulatório. A MicroStrategy ainda é uma empresa de software. A SEC (CVM dos EUA) ou algum outro órgão regulador pode afirmar que ela simplesmente não tem licença para oferecer produtos de investimento com a estratégia que tem usado. “Mas com o novo governo de Donald Trump, esse risco diminui bastante”, avalia Cunha.
Saylor: gênio ou louco?
“Tenho mais perguntas do que respostas”, define Cunha sobre o modelo de negócio adotado pela MicroStrategy. Segundo ele, o ciclo criado por Saylor gera um incômodo.
“Essa dinâmica ‘infinita’ me incomoda bastante, porque ela se retroaalimenta e você questiona quando isso vai acabar”, afirma Cunha.
De fato. As próprias compras da MicroStrategy puxam o preço do Bitcoin para cima. E quanto mais o Bitcoin sobe, mais a empresa compra. Um ciclo infinito – mas só enquanto dura. Caso a cripto caia, e é impossível saber se isso vai ou não acontecer, o modelo desaba.
Mas Saylor segue confiante. Recentemente, a MicroStrategy anunciou que, entre 2025 e 2027, irá emitir mais US$ 42 bilhões, sendo metade em dívida e metade em novas ações da companhia, com o valor arrecadado financiando novas compras de BTC. E só o tempo irá dizer se isso será sustentável ou não.
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