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Como a MicroStrategy juntou US$ 41 bilhões em Bitcoin pedindo dinheiro emprestado

A empresa de Michael Saylor já detém 2% do suprimento global da cripto. E quer mais.

Michael Saylor, chairman of MicroStrategy, speaks at the Bitcoin 2024 conference in Nashville, Tennessee, US, on Friday, July 26, 2024. The conference is an annual event organized by BTC Media LLC for fans of the original cryptocurrency.

Depois da aprovação dos ETFs de Bitcoin (BTC) nos Estados Unidos e da proposta de Donald Trump para criar uma reserva da criptomoeda, o caminho para grandes empresas adotarem o Bitcoin está avançando. Os acionistas da Amazon vão decidir em breve se a empresa deve ou não manter uma reserva em Bitcoin – os da Microsoft fizeram o mesmo, e nesta semana decidiram que não.

Enquanto governos e empresas e governos avaliam a compra de BTC, um homem tem se tornado o grande caso de estudo para esse tipo de operação: Michael Saylor, fundador e presidente do conselho da MicroStrategy.

Nos últimos quatro anos, Saylor comprou tanto Bitcoin que as ações da sua empresa passaram a acompanhar o movimento da criptomoeda, tornando-se uma cópia – turbinada – da moeda digital. Hoje, a MicroStrategy possui mais de 400 mil bitcoins, que ajudaram as ações dela a saltarem mais de 500% apenas este ano.

LEIA MAIS: Quais são os riscos para quem investe em criptomoedas?

“Michael Saylor percebeu que o Bitcoin é muito maior do que o negócio que ele tinha. E se entregou. Hoje as pessoas estão abraçando e colhendo frutos. Só que muita gente ainda não acredita nele”, diz Alexandre Vasarhelyi, sócio e CIO da gestora B2V Crypto.

Criada como uma empresa de software, a MicroStrategy praticamente desistiu de seu negócio principal e hoje ela mesma se define como uma companhia de “Tesouro de Bitcoin”.

Ao fazer algo que nunca foi feito antes, Saylor tem gerado grandes debates. Se até o momento o resultado é extremamente positivo, ter grandes quantidades de um ativo volátil e arriscado, também é perigoso. Não faltam dúvidas, então, sobre a sustentabilidade da empresa.

Aquisição de Bitcoins

A MicroStrategy foi fundada em 1989 como uma companhia de software e soluções digitais para empresas – Business Intelligence (BI), no jargão corporativo. A receita era relativamente alta, ainda não o bastante para tornar a empresa uma large cap, em torno de US$ 500 milhões por ano. Mas a margem era invejável: 90% se tornava lucro.

Com isso, ao longo dos anos, a empresa de Saylor se tornou uma grande geradora de caixa, já que não precisava fazer grandes investimentos. Em 2018, as reservas da empresa em cash chegaram a US$ 700 milhões. Veja aqui no gráfico a evolução (mais adiante falamos sobre a queda, que é a parte central desta história).

Com tanto dinheiro guardado, a MicroStrategy seguia o tradicional do mercado, deixando os valores basicamente na forma de títulos do Tesouro americano. Em agosto de 2020, porém, Saylor encontrou um ativo que ele acreditava ser o futuro das reservas de valor, o Bitcoin. Foi então que ele fez sua primeira aquisição: 21.454 bitcoins, por US$ 250 milhões.

Quinze meses depois, esses bitcoins estavam valendo US$ 1,44 bilhão.

A MicroStrategy seguia como uma das maiores companhias de BI, mas quem realmente gerava caixa era… o próprio caixa da empresa. Saylor, então, decidiu mergulhar de cabeça. E criou um novo modelo de negócio.

A estratégia da MicroStrategy 

Havia uma classe de investidores que não podia comprar criptomoedas, mas que tinha o interesse em ter exposição a essa nova classe de ativos. Eram fundos tradicionais, fundos de pensão e empresas que, por conta de regras internas ou de reguladores, não tinham permissão para adquirir Bitcoin, mas podiam comprar ações de empresas ou títulos de dívida corporativa.

Com a MicroStrategy acumulando cada vez mais Bitcoins e suas operações ficando menores, suas ações começaram a ficar totalmente correlacionadas à cripto, ou seja, conforme a moeda digital subia e caía, os papéis da empresa seguiam o movimento.

“Saylor entendeu que ele poderia emitir dívida da MicroStrategy e comprar Bitcoin. E ele tinha muitos interessados, podendo oferecer taxas baixas. Era basicamente um COE de capital garantido”, explica Gustavo Cunha, CEO da FinTrender.

COE é a sigla para Certificados de Operações Estruturadas: investimentos que combinam renda fixa e variável. Na prática, você aplica um valor que será atrelado ao desempenho de um ativo, como o dólar, o ouro, as ações de uma empresa. Qualquer coisa. Se o ativo subir, você ganha um adicional pré-definido. Se cair, recebe de volta o mesmo valor.

No caso da MicroStrategy, ela emite uma dívida que funciona assim: quem compra recebe, após o vencimento, pelo menos o valor investido mais a possibilidade de comprar ações da empresa por um valor menor que o de mecado (via opções de compra). Caso o Bitcoin suba no período, as ações elas estarão valendo mais – já que a empresa converteu-se num enorme repositório de cripto. É aí que vem a possibilidade de ganho. “Ou seja, você tem risco zero de volatilidade até o vencimento”, afirma Cunha. Mais recentemente a companhia também começou a emitir novas ações para financiar essa sua estrutura.

E a situação foi além. Com a MicroStrategy comprando desenfreadamente – e usando dívida para isso -, ela tem ficado cada vez mais alavancada na criptomoeda, o que passou a gerar um efeito multiplicador sobre o desempenho do Bitcoin. Ou seja, quando o BTC sobe ou cai, as ações da MicroStrategy têm uma variação ainda maior que a da criptomoeda.

Para se ter uma ideia, a companhia chegou a um ponto em quase metade do seu valor de mercado, US$ 88,8 bilhões, está nos 423.650 Bitcoins que ela possui. Isso é o equivalente a 2,1% do suprimento global do ativo.

Ao preço atual, de US$ 98 mil por unidade, estamos falando de US$ 41,5 bilhões em cripto.

“O Saylor criou um mecanismo em que conseguiu atender a demanda de grandes investidores que não podem comprar Bitcoin, ou não querem sofrer com a volatilidade do ativo. A questão é que ele parece não ter limite: quanto mais o Bitcoin sobe, mais ele faz emissões para comprar mais”, diz Cunha.

Quais os riscos?

É óbvio: se o Bitcoin quebrar, a MicroStrategy afunda junto – da mesma forma que, se o barril do petróleo cair 95% e nunca mais subir, a Petrobras deixa de existir.

Por outro lado, a MicroStrategy tem alguma manga. Um primeiro dado importante é entender que, hoje, o valor médio de aquisição de todos os bitcoins da MicroStrategy está em torno de US$ 60 mil – bem abaixo do preço atual da criptomoeda. Ou seja, há espaço para uma queda razoável antes que ela passe a ter prejuízo.

Para Cunha, de qualquer forma, o maior risco seria regulatório. A MicroStrategy ainda é uma empresa de software. A SEC (CVM dos EUA) ou algum outro órgão regulador pode afirmar que ela simplesmente não tem licença para oferecer produtos de investimento com a estratégia que tem usado. “Mas com o novo governo de Donald Trump, esse risco diminui bastante”, avalia Cunha.

Saylor: gênio ou louco?

“Tenho mais perguntas do que respostas”, define Cunha sobre o modelo de negócio adotado pela MicroStrategy. Segundo ele, o ciclo criado por Saylor gera um incômodo.

“Essa dinâmica ‘infinita’ me incomoda bastante, porque ela se retroaalimenta e você questiona quando isso vai acabar”, afirma Cunha.

De fato. As próprias compras da MicroStrategy puxam o preço do Bitcoin para cima. E quanto mais o Bitcoin sobe, mais a empresa compra. Um ciclo infinito – mas só enquanto dura. Caso a cripto caia, e é impossível saber se isso vai ou não acontecer, o modelo desaba.

Mas Saylor segue confiante. Recentemente, a MicroStrategy anunciou que, entre 2025 e 2027, irá emitir mais US$ 42 bilhões, sendo metade em dívida e metade em novas ações da companhia, com o valor arrecadado financiando novas compras de BTC. E só o tempo irá dizer se isso será sustentável ou não.

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