Vez ou outra o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, acena ao mercado com a possibilidade de usar as reservas internacionais para controlar o câmbio. Mas o que isso significa? O que são reservas internacionais? E com o dólar tão alto, por que o BC não “raspa o tacho” para evitar o descontrole do câmbio?
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As reservas internacionais são os ativos do Brasil em moeda estrangeira (leia-se, em dólar) ou outro ativo considerado muito seguro, como os títulos da dívida americana. Segundo o próprio Banco Central, elas funcionam como uma espécie de seguro para o país fazer frente às suas obrigações no exterior, como dívidas, “e a choques de natureza externa, tais como crises cambiais e interrupções nos fluxos de capital para o país”, peculiaridades de um país com câmbio flutuante.
Mas o que é câmbio flutuante?
O termo é importante. Depois que a URV (Unidade Real de Valor) saiu de cena quando da implementação do Plano Real, nossa moeda, que começou valendo um dólar, estava livre para “flutuar” ao sabor do mercado. Algo que é bom por um lado, porque um país não quer especuladores testando sua capacidade de manter um câmbio fixo. Mas que, por outro lado, traz a necessidade de proteção de grandes variações e crises, por meio de outros mecanismos.
É por isso que os economistas estão sempre preocupados com o crescimento do país e o alcance de um superávit primário. A chamada meta fiscal exige que as receitas superem os gastos do governo, e o saldo desta conta será fiador das reservas que controlam o câmbio. Se ficou confuso, temos um especialista para explicar melhor.
Custo de carregamento
José Ronaldo Souza Junior, diretor de Estudos de Política Macroeconômica do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), define como “emaranhado” as movimentações do BC para equilibrar nossa moeda. No começo da definição do BC, fala-se em seguro, e sabemos que todo seguro tem um preço. É esse custo que Souza chama de custo de carregamento das reservas internacionais.
Em momentos de alto fluxo de entrada de moeda estrangeira, como aconteceu na década passada, o real se valoriza. Para que isso não aconteça de forma descontrolada, o BC faz um ajuste respectivo na oferta de dólares, recolhe a liquidez e engorda a reserva. Segundos dados do BC, a posição das reservas internacionais, que era de US$ 37 milhões em janeiro de 2002, no último mês da série histórica, em junho de 2020, já ultrapassou os US$ 354 milhões.
Para engordar a reserva, o BC precisa gastar em real e, como consequência, aumenta a oferta dessa moeda no mercado. Como então reverter esse quadro? É preciso fazer a “esterilização da oferta monetária”. Em outras palavras, o BC vai se “emaranhando” com outro ente do Estado, a secretaria do Tesouro Nacional. Nas chamadas operações de open market, o BC troca títulos da dívida pública brasileira por real (vindo da troca anterior com o dólar) em circulação no mercado.
Entendidas essas trocas, passamos para compreensão do que seria afinal o custo de carregamento das reservas internacionais. Souza explica:
“Quando houve esse acúmulo muito grande de reservas [na década anterior], a taxa de juros interna ainda era muito elevada. Então esse diferencial entre taxa de juros paga pelo Tesouro e a taxa de juros que o BC obtinha aplicando em moeda estrangeira implica no custo de carregamento.”
Ou seja, para carregar ou “engordar” a reserva, era preciso gastar. Mas gastar no sentido dos trade-offs: não ganhar com um ativo de mais rentabilidade. E o dólar historicamente tem rendimentos mais baixos, compensados pela segurança, do que títulos do governo brasileiro, ainda mais no contexto de alta taxa de juros da penúltima década.
Qual o volume ideal das reservas?
Agora sabemos que as reservas são um seguro e conhecemos o preço desse seguro. Falta apenas perguntar: será que vale a pena pagar esse preço? Existiria uma quantidade ideal, um nível “ótimo” das reservas? Com o forte crescimento das reservas internacionais e a alta do dólar as tornando ainda mais valiosas, os economistas começaram a se perguntar se era necessário esse dinheiro todo mesmo.
A propósito, estes recursos não serviam para manter uma política monetária estável? Por que chegamos ao ponto de o dólar ultrapassar os R$ 5 e ainda não gastarmos todas nossas reservas? Existem várias formas de responder, mas a mais relevante busca pistas lá no início do texto, quando falamos de câmbio flutuante.
“Se o mercado vê que o Banco Central está fixando uma meta para taxa de câmbio, ele pode ir testando e vamos começar a ter problemas típicos de países que têm câmbio fixo”, argumenta Souza.
Imagine que o ministro Paulo Guedes dá uma declaração à imprensa dizendo que o dólar só vai passar de R$ 5 se o governo “fizer muita besteira”. Os grandes operadores de dólar do mercado vão começar a tirar liquidez, a fim de provar a política econômica. Sem liquidez, dólar sobe, BC intervém com as reservas. Um jogo de gato e rato, especulativo, que pode ser repetido até que as reservas sequem.
“O Banco Central pode até ser bem sucedido em reduzir a volatilidade do câmbio (movimentos repentinos de altas e baixas), mas quando ele tenta apontar uma direção, não costuma ser tão bem sucedido”, afirma Souza, do Ipea.