Finanças
Taxação de fundos offshore gera polêmica, mas afeta ‘minoria da minoria’
Fundos que investem pesado no exterior representam menos de 1% da indústria total no Brasil, aponta Anbima.
A Câmara dos Deputados aprovou na semana passada o projeto de lei que trata da taxação dos investimentos no exterior, chamados de fundos offshore, e uma medida que gerou bastante repercussão. Mas a tributação, se aprovada pelo Congresso Nacional, afetará apenas uma pequena parcela da indústria de fundos no Brasil. É o que mostra levantamento feito pela Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais) a pedido do InvestNews.
Com base nos dados atualizados até setembro, os fundos que declaram investir acima de 67% em ativos no exterior – conforme as novas regras para fundos de investimentos – somam 769. Juntos, o patrimônio líquido desses fundos, desconsiderando os fundos de cota, a fim de evitar dupla contagem, é de R$ 31,8 bilhões.
Trata-se de valor irrisório quando comparado ao patrimônio líquido total da indústria de fundos no Brasil, que está em R$ 8 trilhões, considerando-se os quase 60 mil fundos de investimentos no país. Ou seja, em uma “conta de padeiro”, os fundos offshore representam 0,3975% da indústria de fundos.
Já no caso dos “onshore”, como são chamados os fundos exclusivos pela equipe econômica, cálculos do Ministério da Fazenda apontam que aproximadamente 12 mil brasileiros têm recursos em aplicações desse tipo, acumulando cerca de R$ 750 bilhões.
Ou seja, a taxação tem alvo certo e mira as pessoas físicas com grande patrimônio, em especial os chamados “super-ricos”. Por isso, apesar da baixa representatividade desses fundos na indústria total, havia uma expectativa de que a aprovação da matéria ajudasse a melhorar o humor dos investidores em relação à situação fiscal do país.
“A esperança de uma agenda mais ‘robusta’ de reformas pode dar algum alívio, mesmo que temporário”
Dan Kawa, sócio-gestor da We Capital, na rede social X (antigo Twitter)
Para Kawa, ainda que o problema do déficit das contas públicas brasileiras esteja longe de ser endereçado, poderia haver até um efeito mínimo positivo, diante da maior probabilidade de zerar o déficit fiscal em 2024, vista como “uma meta bem ambiciosa”.
Alívio imediato
Aliás, a aprovação na Câmara foi elogiada pelo ministro Fernando Haddad. Para ele, o texto final do projeto aprovado pelos deputados pode gerar uma arrecadação maior que a prevista, devido à inclusão de mecanismos que estimulam a adesão.
A expectativa inicial da Fazenda era arrecadar R$ 7 bilhões com a taxação dos offshore e R$ 13 bilhões com a tributação dos fundos exclusivos. Vale lembrar que o projeto faz parte da estratégia do governo de tentar cumprir a promessa de zerar o rombo das contas públicas no ano que vem.
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No entanto, de fato, o efeito da notícia no mercado doméstico foi passageiro. Bastou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmar que a meta fiscal não precisa ser zero em 2024 para azedar o apetite dos investidores.
Custo alto
De volta aos fundos, análise feita pela mesa de operações de mercado do Santander sobre o desempenho da indústria de fundos no Brasil mostra que o alfa (que é uma boa métrica de apetite ao risco) está no pior nível desde a crise financeira de 2008. No caso deste indicador, quanto maior for o alfa, maior será o apetite por risco.
“A conclusão da análise é que o apetite ao risco (dos fundos locais) deve estar muito baixo, o que aumenta a volatilidade dos mercados domésticos porque a convicção dos investidores está menor”, comenta o diretor-gerente do banco estrangeiro, que prefere não ser identificado.
Segundo o profissional, isso significa que, se os mercados locais continuassem a melhorar em função do andamento da pauta política, a decisão dos investidores em fundos de recarregar as posições (e o custo de execução) seria muito custosa. Por isso, o desempenho da indústria mostra uma redução relevante do risco relevante.
Portanto, os sinais de ingerência política e uma “mão pesada” do governo sobre o mercado financeiro assusta o investidor local e institucional, afugentando a tomada de risco. Ao mesmo tempo, vale lembrar que a aprovação da proposta na Câmara também teve um custo elevado para o Executivo.
“O texto progrediu coincidentemente ou não após o presidente Lula demitir a presidente da Caixa, Rita Serrano, para colocar um indicado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira, no lugar”, lembra o economista-chefe da Ativa Investimentos, Étore Sanchez.
Além disso, a aprovação ocorreu após o retorno do deputado de uma viagem internacional.
Por isso, Sánchez avalia que a tramitação da matéria no Senado precisará de atenção especial por parte do mercado. “Isso porque algumas questões na Casa seguem com tramitação vagarosa e os senadores assistiram de perto a ‘coincidência’ da Caixa com o progresso da matéria”, conclui.
O que muda
Com a medida, haverá a incidência da alíquota de 15% do Imposto de Renda sobre a parcela anual dos rendimentos das aplicações – atualmente só ocorre no momento da distribuição de recursos.
Além disso, a alíquota final para a regularização dos ativos nos fundos exclusivos ficou em 8%, de 10% originalmente. A proposta ainda será analisada pelo Senado. No entanto, o tema já gerou ruídos no mercado financeiro e causou polêmica entre tributaristas, que alertaram para o risco de o assunto parar na Justiça.
Para Sanchez, da Ativa, o mérito da questão tem alguns problemas, principalmente em relação à taxação do estoque dos fundos exclusivos, que fere o princípio de anterioridade. “A chance de judicialização é altíssima”, avalia.
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